2004-11-27

 

PRIMUS INTER PARES

A morte de Fernando Valle, aos 104 anos, traz-nos subitamente os últimos ecos de uma geração com uma densidade humana invulgar.
Homens da primeira república, apanhados pelas trevas do Estado Novo, condenados pelo delito de opinião, testemunhos de um tempo menor da rasteira subserviência, do medo, do olhar sem brilho, da pequenez, da tristeza.
Homens com as fraquezas de qualquer um de nós, tiveram contudo, a grandeza das suas convicções. Perseguidos pelas suas ideias, souberam resistir à tentação de as renegar, mantendo-se firmes na sua defesa, mesmo se para tal tenham pago o preço de dificuldades económicas extremas. Partilhavam um ideal e uma moral republicanas, fundadas nos princípios da tolerância, da igualdade de direitos perante a lei e de oportunidades independentemente do credo, raça ou ideologia. Com o seu exemplo deram uma forma, um rosto, uma expressão à moral republicana.
O seu exemplo deve ser conhecido, demonstrando como podemos ser maiores do que a tonta exibição de banalidades e da ausência de pensamentos e convicções mais estruturados do que o motus vivendi materializado em “ganhar a vidinha”.
Seja pela exigência de um tempo outro, seja pelas alterações entretanto ocorridas, a verdade é que temos hoje um desesperante culto da boçalidade, do efémero, da fútil adoração da imagem como fim supremo de uma existência vazia.
O campo político, faz evidentemente eco deste “buraco negro”. A irritante propagação das “agências de comunicação” espécie de magos dos tempos modernos, com as suas “regras” infalíveis vão plastificando os agentes políticos, as mesmas receitas que são aconselhadas a todos sem excepção, criando uma uniformização de discursos, de poses, de indumentária. O candidato é “produzido” em forma estandardizada, enquadrada por sorrisos mais próximos do esgar do que da manifestação natural de simpatia ou afecto. O discurso oco, traduz a fuga desesperada a rupturas, promovendo o “consenso” forma rebuscada de dizer nada. Diz-se o que a audiência quer ouvir, não importa se hoje algo, amanhã o seu contrário. Alimentados pela comunicação social, são torturados pela sua ditadura. Devem-lhe a sua “projecção”, não compreendem quando a perdem, revoltam-se, o Mundo está contra si, um “complot”, uma perseguição. O plástico, sempre ele a reluzir sem graça nem glória.
Chegará o dia, em que o político assumirá sem complexos e com honra as suas convicções. Chegará o dia em que o político assumirá as forças e fraquezas da sua condição de Homem. Chegará o dia em que o político saberá apontar caminhos para ultrapassar as dificuldades com base no esforço, no trabalho, no empenho. Chegará o dia em que teremos os nossos melhores na condução do País.

Comentários: Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?