2005-07-22

 

FOGUETÓRIO DE MARKETING

Deixo aqui o texto da minha coluna "a alma do negócio" publicada hoje no Jornal de Negócios: (desejo a todos umas boas férias)

A abençoada população de Vale da Silva, em Miranda do Corvo, tomada pelo arrebatamento cívico, decidiu evitar a utilização de foguetes nas festas deste ano para eliminar o perigo de incêndios. Contudo, a comissão de festas foi avisando que o sublime e estimulante efeito sonoro provocado pelas bombardas e foguetes não desaparecerá, sendo substituído por uma gravação de uma hora (!), em CD.
Ignora-se a justificação para o carinho dedicado ao estardalhaço, ao ribombar matinal, capaz de fazer içar da cama o mais relapso dos sonolentos em jeitos desgraçados, em palpitações de angústia. A dúvida justifica-se: o foguetório não confere aos folguedos nada mais senão uma incomodidade óbvia para os habitantes da região e uma acentuada poluição sonora; um ou outro incêndio; e ocasionalmente reclama uma falangeta ou uma falange do “artista” responsável pelo lançamento das canas portadoras dos estampidos. No entanto, não há festejo sem a sua marcada presença. Mistérios.
Nesta especial vocação para o enigmático (que parece caracterizar o nosso tempo) pode ser também acomodada a extravagante habilidade criadora de novos “segmentos” de mercado. O consumidor masculino foi identificado como o mais recente alvo destes autores delirantes. Observando a maior desenvoltura e abrangência dos hábitos de compra dos varões, rapidamente se concebeu um grupo emergente, identificado como “metrossexual”. A coisa foi ganhando corpo e atraiu a atenção de uma multinacional publicitária que lhe conferiu o peso de um “estudo” difundido à exaustão “explicando” as “atitudes e ambições do homem do Sec. XXI”. Munidos das imprescindíveis apresentações “powerpoint”, centenas de consultores trataram de evangelizar o mundo. Estava ali mais uma novidade, mais uma “tendência” que as empresas “não podiam ignorar”. Apesar do entusiasmo, o conceito foi perdendo atracção, havia pois que insuflar variantes capazes de manter a chama viva - chamemos-lhe uma “extensão de linha”. Assim, o “metrossexual” deu lugar a um mais excitante tipo de consumidores: o “tecnossexual” - mais modernos e muito dados às delícias das novas tecnologias.
Neste domínio a concorrência é feroz, o mercado disputado com voracidade à força do lançamento constante de novos “produtos”. Há poucas semanas, uma empresa de publicidade concorrente veio anunciar que afinal existe um outro tipo de consumidores masculinos (deixando perceber que todos os outros estão desactualizados). Procurando inspiração na fauna, notaram que os lobos respeitam uma hierarquia particularmente bem definida. Eis, pois, criada a novidade do ano, devidamente apoiada por mais um “estudo” que justifica os comportamentos e tipologia de consumo dos denominados “machos-alfa”.
Toda esta actividade mantém entretidos muitos profissionais, garante um fluxo regular de assunto, possui, todavia, o valor dos foguetes: ruído de fundo, incomodativo, grotesco e potencialmente danoso para quem lhe der importância.
É bom não se confundir este folclore com segmentação. Na verdade, o marketing já desenvolveu esta estratégia pelo menos desde 1956 quando Wendell Smith publicou no Journal of Marketing o clássico “Product differentiation and marketing segmentation as alternative marketing strategies”, nesse artigo Smith defendeu que a segmentação, para ser útil, deverá ser consistente, relevante e exequivel.
Na grande festa mundial dos “conceitos” e das “tendências” o foguetório não vai parar. Em breve, será criada mais uma definição, outro “nicho” de mercado. Não tarda, lá estará o homem do carrossel cosmopolítico, anunciando: “mais uma corrida, mais uma viagem”!

Comentários:
Boas férias Luís!
 
É a vidinha!
Um grande fim de semana para ti... e obrigado pelas tuas palavras.
 
Olá, LS!
Realmente a imaginação é algo que falta aos portugueses. Festas e foguetórios são o pão nosso de cada dia, fazendo lembrar aquela máxima de que "o povo o que quer é pão e circo".
Claro que é necessário diversão, mas por vezes o excesso ultapassa todos os limites do suportável!
O "Palavra Entre Palavras" tem novidades, aparece e deixa a tua opinião:
Um grande abraço,
António
 
boas férias para si Luis. Um abraço
 
Excelente.
 
Não sabia que agora o que estava em voga eram os macho alfa, mas é curioso que ontem tenha ouvido essa expressão e hoje tenha vindo ter a este teu blog com este texto.
o que interessa é mostrar às pessoas que elas precisam de coisas que elas nunca tinha precisado.
tenho pena que não haja ainda desenvolvido um marketing social, de utilidade publica, sério, que explique às pessoas que o que elas precisam não passa tanto pelo consumo mas pela vivência com os outros... está mais que provado que o consumo não leva a felicidade, mas talvez ninguém ande realmente interessado nisso.
 
Muito bom, este artigo!
 
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