2005-01-29

 

BEM VINDOS TODOS AO SALÃO DE FESTAS (II)

Bernardo estava particularmente orgulhoso, sentia um nervosismo que tentava disfarçar ajeitando o nó da gravata pela enésima vez. Aguardava o momento da aclamação. Estava a minutos de receber o prémio de gestão atribuido pela revista de economia mais influente, corolário de uma “carreira de sucesso”.
Bernardo habituou-se muito cedo a ser tratado por “sôtor” forma respeitosa de garantir o que considerava ser “uma saudável distância”. A verdade é que passou pelos anfiteatros da universidade, pouco importava o facto de não ter concluído o primeiro ano. Aprendeu precocemente que a grande arte de viver é feita de outros saberes.
Começou a trabalhar cedo para pagar os estudos. Arrancava a muito custo o magro salário tentando cumprir o expediente, encontrando na vocação para “mais altos vôos” a explicação para a sua manifesta incapacidade.
Andaria pelos seus vinte anos quando decidiu dar um outro rumo à sua vida, precisava de conhecer e conviver com os poderosos. Homem pouco dado a aventais ou fés fervorosas, conseguiu ardilosamente um lugar no “clube”. Compôs o apelido, acrescentando um “l” ao plebeu “Silva” que assim ganhava uma confortável distinção exibida no cartão pessoal que distribuia com inusitada frequência: “Bernardo Sillva – Economista”.
Foi construindo uma história, convincente, de antepassados gloriosos e fortunas desfeitas. Encontrava na afectação de gestos e ademanes a coreografia do “berço” que a sua imaginação tinha criado.
Reforçou cumplicidades e amizades que lhe gabavam os seus méritos e o recomendavam para lugares de responsabilidade.
Bernardo apreciava o “status” que lhe conferiam os cargos que ia conquistando numa inexorável ascensão profissional. Geria com inegável destreza os seus silêncios. Maçavam-no de morte as solicitações frequentes para decidir, adiava qualquer deliberação alegando ser necessária “uma abordagem com enfoque nos recursos endógenos da organização”. Com os anos desenvolveu uma capacidade de intervir com pequenas frases recheadas de termos técnicos anglo-saxónicos que ia ouvindo nos seminários que frequentava.
Cimentou um prestígio profissional e uma aura de gestor de topo que credibilizavam as suas frequentes referências ao que considerava ser o grande cancro da Economia portuguesa: a falta de produtividade. Gostava de explicar que o “trabalhador português tem pouca formação” e necessita “compreender a conjuntura de grande complexidade que caracteriza a globalização” à medida que se recostava na cadeira encarando, com olhar confiante, os felizes eleitos que o ouviam.
Apresentava um curricula invejável, acumulando passagens meteóricas pela administração de empresas de onde saia para ocupar cargo mais destacado numa empresa de maior dimensão.
Bernardo era um homem feliz, neste dia de louvor. A sua carreira tinha tido o “sucesso” que o mercado reconhecia neste galardão, geralmente atribuido aos maiores gestores do país – de topo como gostavam de se auto-intitular.

(continua)

Comentários:
Caro Luís,
"Fiquei com água na boca".
Será que no fim lerei, como nas telenovelas, algo do género: qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência?
 
Creio que esse ilustre senhor anda por aí a vender influências e, deduzo, muda frequentemente de identidade.
 
Será que eu conheço esse Bernardo?
Bem pelo menos conheço muitos "Bernardos" que há neste país.É por causa dos "Bernardos" que estamos na situação que estamos.Temos o país fechado até pelo menos meados de Fevereiro,depois,bem depois talvez reabra o circo!!!
Abraço.
 
Ai, se não fossem estes 'Bernardos', o que seria de nós?...
Já imaginou um ambiente de trabalho privado do 'show off' que estas 'aves raras' tanto gostam de propiciar?...
Seria uma tristeza, sem uma ou outra 'bernardice', de vez em quando!
E, além do mais, nos dias de hoje, empresa que não tenha um 'Bernardo' não é empresa nem é nada!
Abraço e bom domingo,
DespenteadaMental
 
Aqui o Bernardo ainda vai telefonar para dizer que foi convidado para ministro.
Vitor josé
 
Para quando a IV parte?
 
ops, III!
 
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