2005-06-30

 

O RETRATO DE UMA SOCIEDADE

Leio no Diário de Noticias esta pérola. Fico a saber que uma formação partidária denominada PPM ainda existe. Sou informado que este mesmo partido terá escolhido como candidata para a Câmara Municipal de Cascais uma senhora conhecida por ter participado no edificante programa televisivo “Quinta das Celebridades”. A excelente ideia foi defendida pelo senhor Gonçalo da Câmara Pereira, líder da distrital de Lisboa do PPM. O DN informa que estas duas criaturas partilham alguns predicados, entre eles a excitante participação no já citado êxito televisivo.
Justificando a candidatura, o senhor Pereira é particularmente eloquente: "Convivi com a rapariga todos os dias durante mês e meio. Embora ela tenha saído da Quinta com uma depressão, se me dizem que ela está curada, está curada. Também já houve ministros ex-toxicodependentes e não veio daí mal ao País". Entende ainda que a candidata "É uma mulher independente, que não precisa de macho, que se preocupa muito com as questões sociais e que é uma visitadora nata."
Podemos rir, podemos convocar este exemplo para um serão de galhofa, poderemos até concluir com um desabafo, a verdade é que nada disto surpreende quem observe a sociedade portuguesa. Quem leia os resultados das sondagens que atribuem a vitória ao senhor Torres em Amarante e à senhora D. Fátima em Felgueiras, quem se recorde da facilidade com que se transformou um apresentador de TV em grande empresário, quem perca algum tempo observando os programas televisivos com maior audiência, quem olhe em redor na banca das revistas, percebe que falamos de episódios diferentes da mesma triste telenovela de vacuidade e miséria intelectual em que mergulhamos inexoravelmente.
Numa sociedade em que se promove o culto do efémero, em que se desenvolvem "culturas" poderosas em torno de objectivos tão desesperadamente perseguidos como “aparecer”, ou “ser conhecido”, nada disto poderá constituir novidade. O grotesco e a bestialidade de tão utilizados e mediatizados são hoje mais do que aceitáveis, quase inevitáveis.
Os partidos políticos julgaram ver aqui um filão a explorar, constituindo-se progressivamente como elementos desta doentia corrente. Assim, e para além dos supra-citados exemplos, o PSD ensaia com as candidaturas de um fadista à Câmara de Vila Viçosa, ou de um treinador de futebol à Câmara de Palmela, o caminho que ganhará progressivamente destaque. Não é sequer um comportamento exclusivo do PSD ou do PP, mas infelizmente generalizado. Os partidos políticos seguem, desta forma, uma estrada sem retorno. Incentivados por populistas acéfalos e tecnocratas marketeiros que reclamam “segmentos de mercado” ou “janelas de oportunidade”, trilham alegremente, a rota da sua negação, da sua desgraça.
Nada disto justifica uma anedota, uma risada. Tudo isto não é mais do que o agoniado retrato de uma sociedade pobre, videirinha, estéril.

2005-06-28

 

UM ARTISTA PORTUGUÊS

Por estes dias, os jornais contam a extraordinária façanha do senhor Daniel M’Mburugu, um queniano com a provecta idade de 73 anos. Homem pouco dado a subtilezas, sentindo a presença ameaçadora do leopardo no seu reduto, enfureceu-se, fitou o felino e terá pensado “tu queres ver que temos brincadeira?”. A coisa estragou-se, engalfinharam-se e Daniel lançando-se à boca do leopardo com as próprias mãos, arrancou-lhe a lingua e a vida. Naquelas bandas o ancião é agora, muito justamente, considerado um herói e terá recebido um reconfortante e oportuno tratamento hospitalar gratuito – gentil oferta das autoridades quenianas.
Registe-se a proeza, reconheça-se a coragem, tire-se o chapéu.
Valerá a pena que o façamos, pois que entretanto, as televisões portuguesas exibiram as edificantes imagens de Santana Lopes e comitiva, anunciando (no próprio local) a abertura do cruzamento da rua Artilharia Um com a avenida Joaquim António de Aguiar.
Ali estava o edil, acompanhado pelas câmaras, pelos microfones. Eis que chega o momento da valentia. Empertigado, pontapeia um separador, confrontando (irado) um assessor: “não tinha dado ordem para tirar esta porcaria na sexta-feira?”, num crescendo de fúria, os braços que apontavam um monte de entulho, o comentário para o vazio “olha que bela fotografia” o andar desordenado, em círculos, as mãos balançando soltas, o olhar perdido, a expressão carregada numa explosão de fúria, o dedo que se estica, que alcança os trabalhadores atónitos, que o ouvem ameaçar: "têm 1 hora para tirar isto daqui”, em admoestação agastada, não concluindo sem a confirmação interrogativa “ouviram?”.
O Presidente, assanhado, em luta com uma fera imaginária defronte das câmaras. O Presidente, colérico, puxando pela lingua, não a da fera, a sua própria lingua, em batalhas consigo próprio. O Presidente, furibundo, satisfeito com mais um número.
Enquanto o bravo queniano dorme o sono dos justos, dos heróis, o Presidente entra no carro, provavelmente comentando para o assessor “estive bem, não estive?” ouvindo a resposta mole, pegajosa: “um valente!"

2005-06-24

 

DRAGO(N) BALL Z

A senhora D. Ana Drago entendeu que o assunto “arrastão” merecia mais análise e debate na Assembleia da República. Dando corpo ao desiderato, trouxe “novas informações” que no seu entender “merecem ser referidas”. A extraordinária senhora compôs um ar sério e afirmou convicta: “não houve ‘arrastão’ houve talvez furtos, mas o que aconteceu foi uma fuga de jovens de uma carga policial indiscriminada”.
Estas excelentes e dignas declarações receberam réplica à altura, pelo inefável senhor Nuno Melo (líder da bancada do PP) que brindou a câmara com a sua resplandecente oratória digna de figurar numa antologia da tolerância e cultura democrática.
A troca de argumentos de fino recorte intelectual foi concluída com a demolidora observação da deputada do Bloco de Esquerda ao ter explicado que na manifestação dos senhores polícias, os deputados do BE tinham sido aplaudidos ao passo que “o senhor deputado Nuno Magalhães (ex-secretário de Estado da Administração Interna) foi assobiado”.
A qualidade dos argumentos fala por si e dispensa comentários. Assuntos sérios e delicados deveriam exigir bastante mais destes deputados da República.
Evidentemente, a senhora D. Drago limita-se a seguir a estafada cartilha do Bloco. Sucede que a pobre o faz sem a arte e o saber dos “seniores” prestando-se a este triste papel, exibindo em plena Assembleia da República (com o prestimoso apoio do seu companheiro de geração do PP) uma espécie de aflitiva réplica daqueles horríveis desenhos animados que fizeram algum sucesso na televisão portuguesa.

*as citações foram retiradas do artigo inserto na pag.15 da edição de hoje do jornal Público (ligação indisponível sem pagamento).

 

NÃO ESQUECER

Esta chamada de atenção.

2005-06-23

 

A CARTA

Que impulso cósmico forçará um cidadão a cometer um acto tresloucado como este?

2005-06-22

 

PAÍSES RICOS, PAÍSES POBRES


O Secretário de Estado da Juventude e Desporto austríaco esteve no nosso país em visita de estudo para se inteirar dos pormenores da realização do Euro 2004 (a Áustria vai co-organizar com a Suiça o campenonato europeu de futebol 2008).
Elogiando muito o Euro 2004, o senhor Schweitzer disse que o seu país “não seria capaz de organizar sozinho o torneio” pois “não teríamos infra-estrutura, com oito estádios dispondo da capacidade necessária”.
Há elogios que valem por um murro no estômago de tão violentos!

2005-06-21

 

TÚNEL

A troca de mimos entre o senhor Presidente da Câmara do Porto e a senhora Ministra da Cultura não se recomenda.
Independentemente das razões que possam assistir a cada um destes responsáveis, na contenda à volta do túnel de Ceuta no Porto, ambos ficam muito mal na fotografia quando colocam a discussão em torno da "categoria" para exercer um cargo ministerial, ou quando uma senhora ministra da República veste a pele de comentador, analisando o percurso político do Presidente da Invicta.
Trazer para a praça pública discussões de lana caprina e exibições pacóvias de autoridade, criará uma espiral de tal maneira doentia que impedirá uma solução sem que um deles (ou ambos) percam a face, ou então, manter-se-á um buraco no sub-solo "ad aeternum".
Evidentemente, é secundário e absolutamente irrelevante que milhares de cidadãos vejam o seu dia-a-dia ainda mais complicado ou que os custos cresçam exponencialmente.

2005-06-20

 
Celebrando o segundo aniversário, o blogue BLOGOUVE-SE oferece-nos este útil instrumento. Parabéns.
 

DIZER BEM

Por estes dias, é cada vez mais difícil encontrar motivo para algo aparentemente tão simples como seja dizer bem. Cedemos vezes demais a essa tentação, a essa facilidade, que é encontrar assunto para comentários mais azedos (de tão abundante). Por tudo isto, gostaria de prestar pública homenagem ao blogue Dizer Bem que desde Outubro 2003 encontra justificação para textos positivos e sempre agradáveis – é obra!. Um blogue que vale a pena visitar.

2005-06-18

 

CREPÚSCULO

O senhor Manuel Maria Carrilho carrega dois males capitais: uma incomensurável (e inexplicável) vaidade, assim como uma estranha incontinência verbal.
Qualquer equipa responsável por uma campanha eleitoral, desde que minimamente habilitada, começaria por compreender os pontos fracos e fortes do candidato, procurando mitigar os primeiros, desenvolvendo e promovendo os últimos.
Ora, o que podemos perceber dos primeiros sinais da campanha autárquica do senhor Carrilho é que este foi deixado em roda livre (forma outra de dizer que lhe foi atribuída a liberdade para desenvolver a sua capacidade para o suicídio político).
Carrilho espalhou pela cidade de Lisboa 240 vistosos cartazes com a sua fotografia, trouxe um vídeo caseiro para animar o anúncio oficial da sua candidatura, e ocupa-se agora de guerras de alecrim e manjerona nos jornais.
Na quinta-feira no “Público”, hoje no “Expresso”, deu livre curso ao auto-elogio dramaticamente confrangedor e soltou os seus demónios em forma de insulto num linguajar pobre e chão.
Confundindo a frontalidade com lamentáveis acertos de contas, tem ocupado todo o espaço que lhe foi atribuído nestes desgraçados exercícios, sem que se tenha dado ao trabalho de apresentar o seu projecto, ou sequer uma ideia.
Toda esta angustiante série não passa, com certeza, despercebida no Largo do Rato. Fica a sensação de haver uma deliberada vontade de permitir que o candidato mostre o que vale, que demonstre a sua verdadeira natureza para os (poucos) que ainda não a conhecessem, liquidando qualquer sonho impossível que pudesse acalentar de altos voos partidários. Mais tarde, talvez, entrará em cena uma equipa de “bombeiros” que tentará apanhar os cacos e controlar o dano.
O senhor Manuel Maria parece, assim, cumprir o desígnio que alguém lhe desenhou: desaparecer de cena.

 

O ABISMO

A notícia da sondagem que atribui 31,9 por cento das preferências dos eleitores de Felgueiras à senhora D. Fátima (enquanto o candidato socialista obtém 16,5), a ser verdade, traz colada a imagem de um país que nunca deixámos de ser.
Nesta sondagem está patente o retrato do português que se auto-inclui no olimpo da decência (excluindo todos os outros, sabidos devassos), que garante ser o único cumpridor, que afiança conhecer todos os assuntos na sua infinita ignorância, que faz parte do grupo de "brandos costumes" mas que mata por uma leira de terra. Nesta sondagem está patente o retrato do português que grita indignado e prepotente perante os subordinados e subserviente (chapéu na mão) ante os superiores. Nesta sondagem está patente o retrato do português que afirma desejar políticos mais "sérios" e política "transparente".
Nesta sondagem está patente o retrato do português canalha, ordinário, que forma a multidão que nos impede (sempre impediu) de crescer como povo e que empurra o país, inexoravelmente, para o abismo.

2005-06-16

 

JÁ SE ESPERAVA

Maria de Belém recusou ser candidata à Câmara de Oeiras.
Nada de novo. Percebeu-se logo em Maio que a notícia da sua putativa candidatura não a entusiasmava. Por tudo isso mantém-se tristemente válido o que aqui escrevi.

2005-06-15

 

SERÁ QUE TEM UM TELEMÓVEL "PAKO"?

Lê-se a notícia e ainda assim é difícil acreditar.
Na Indónesia (um país com aproximadamente 210 milhões de habitantes) o Presidente Susilo Bambang julgou ter chegado a hora de pôr em pratica uma originalidade: a democracia telefónica directa (ou como diria alguém com mais imaginação: a democracia alô, alô).
Num acto de grande generosidade, decidiu partilhar o seu número de telemóvel com toda a população indonésia. Naturalmente, aconselhou uma utilização parcimoniosa da linha com algumas regras para um maior conforto. Assim, o senhor Bambang não queria ser incomodado a horas tardias, a linguagem deveria ser isenta de palavras mais agrestes (o que, logo à partida, colocava de parte o senhor João Jardim) mas sobretudo, o número deveria ser discado somente para conversas rápidas (rapidinhas, portanto) versando a opinião dos seus concidadãos acerca dos problemas do país.
Ao que parece terá ficado muito surpreendido quando a sua linha telefónica (cujo número tão carinhosamente tinha publicitado) entupiu, tantos os esforços de contacto.
Aqui fica o número desta boa alma (caso reponham a linha) para um alô, que a nós problemas não nos faltam e nunca é demais um ombro amigo para um desabafo: +0811109949

2005-06-14

 

OBVIAMENTE

Barroso defende «pausa» no processo de ratificação.

2005-06-11

 

O RIDÍCULO MATA

Eduardo Prado Coelho está zangado com a comunicação social. A justificação para a sua incomodidade encontra-a na falta de destaque nos jornais, rádios e televisão para as propostas que o senhor Manuel Maria Carrilho diz ter para a cidade de Lisboa, atentos que estavam aos “aspectos mais fúteis da nossa política” exibidos no ridículo video familiar que abrilhantou a apresentação da candidatura do senhor Manuel Maria à câmara capital.
Sucede que Prado Coelho anda certamente desatento e não terá percebido que o senhor Carrilho se deslocou há muito, de armas e bagagens, para a chamada imprensa cor-de-rosa, alimentando-a com a partilha das suas adoráveis familiaridades, dos seus prazenteiros dias, dos seus ternurentos passeios, alimentando-se da estimável tiragem destas revistinhas e da sua recomendável audiência. O senhor Carrilho, optou claramente pelo estilo ligeiro (no seu entender moderníssimo) da frivolidade, da partilha do palco com os “famosos” - no limite, ser um deles.
Acontece que este é um caminho que se trilha com a suposta noção dos riscos que acarreta. Um deles é ser progressivamente incorporado no burlesco que vai criando. É por isso natural que o lançamento de uma candidatura apoiada pela patusca apresentação de um filme “intimista” com recurso à exibição provinciana e pobrezinha de cenas caseiras, seja vista como a continuação do vaudeville que o senhor Carrilho tem vindo a representar.
Um outro risco da estratégia que escolheu conhecê-lo-á quando perceber que escancarar as portas da sua intimidade às câmaras cor-de-rosa cria um hábito, as mesmas câmaras trata-lo-ão por “tu”, quererão continuar a partilhar a sua convivência mesmo quando tal não fôr já "conveniente".
Entretanto, a insuportável feira de vaidades que criou implica o esvaziamento das suas propostas o que é lamentável.
Quem tenha um projecto sério, credível, deve concentrar na sua explicação e destaque toda a atenção. Quem acredite na força do seu projecto deve apostar tudo na sua promoção.
Tem razão Eduardo Prado Coelho para estar zangado, não com a comunicação social, mas com o candidato que representaria a mais forte alternativa da esquerda para a câmara lisboeta. Tem razão Eduardo Prado Coelho para estar zangado: o ridículo mata !

2005-06-10

 

O HUMOR DO EXPRESSO

O jornal Expresso atribui hoje um saudável destaque ao humor nas suas páginas. Confesso, contudo, que a sequela do “Inimigo Público” aqui apelidada de “O Inevitável” pareceu-me desprovida de espirito, uma sensaboria. Já a entrevista com o “senhor director” em 13 páginas 13, é uma obra-prima da galhofa, do melhor que tenho visto.
Tivesse algumas responsabilidades editoriais no jornal e deixaria expressa a vontade de obter todas as semanas uma entrevista com José António Saraiva, pois que o homem já provou deter uma prodigiosa capacidade criativa de chistes, e parece-me um pouco preso de movimentos na sua crónica da página 3 onde repete graças já conhecidas.

2005-06-08

 

O QUE AÍ VEM

Quem observe o novo governo francês percebe que há ali um verdadeiro saco de gatos. Não é difícil compreender que a mistura explosiva de personalidades terá poucas hipóteses de longevidade.
É, pois, revelador que o senhor Sarkozy (um dos mais ambiciosos políticos franceses) tenha aceite fazer parte deste estranho elenco. Sarkozy veio à procura de palco, veio exibir os seus dotes, veio dar corpo aos dons freneticamente indicados na sua biografia hagiográfica: "é hiperactivo, ambicioso, muito trabalhador, nunca descansa" anunciada como verdadeira cartilha do marialva (mais um homem sem sono).
Detendo a pasta do Interior não se cansou de avisar “vou ser patrão dos que fazem actualmente inquéritos sobre mim. Há pessoas que vão dormir muito mal a partir de agora”. A frase é de uma frieza cortante e vale como declaração de principios (ou da falta deles). Já antes tinha publicitado uma guerra intransigente ao crime e... claro (ou sobretudo), ao grande pesadelo: a imigração!
Sarkozy percebeu que a criação do político intransigente, autoritário, implacável, é popular. Percebeu que há mercado para o político “buldozer”. Estará no Governo explorando os limites deste papel aproveitando, entretanto, para efectuar “limpezas” cirurgicas, saindo em seguida para dar corpo à estratégia pessoal que fomenta há muito.
Ante os nossos olhos desenvolve-se, assim, um protótipo do que serão os “novos líderes europeus”, propondo doses excessivas de “autoridade” e de “afirmação” com tiques de xenofobia, fazendo uso do clássico "inimigo externo" - que será inicialmente corporizado pelos imigrantes, concentrar-se-á depois nos muçulmanos, nos turcos, acabando no vizinho.
O impasse que, entretanto, a Europa está a conhecer em termos políticos, assim como as dificuldades económicas e o desemprego crescente, ajudarão a criar o caldo feito ninho destes estranhos e duros líderes que tomarão o poder paulatinamente nos próximos anos, um pouco por toda a Europa.
Mais tarde talvez muitos se interrogarão como foi possivel gerar estas criaturas, talvez então já seja tarde de mais.

2005-06-05

 

TUDO COMO DANTES…

Há alguns dias atrás o senhor ministro das finanças veio comunicar ao país, com indisfarçável felicidade, que as declarações de IRS em breve serão (seriam?) disponibilizadas na Internet para consulta generalizada e ocasional denúncia, no exercício de “bufisse” regressada de tempos imemoriais. Ingénuo, ou pouco esclarecido, o senhor ministro julgava estar ali a solução para a fuga aos impostos.
Estava longe de saber que não faltaria muito para provar o sabor acre desse desporto que tão pressurosamente se preparava para recuperar. Na verdade, mãozinha amiga fez saber algumas das saborosas e desejadas prebendas que o excelso ministro desfruta.
Logo vozes indignadas se ergueram: “aqui d’el rei, a inveja”, outros que asseguravam tratar-se de um caso perfeitamente legal, outros ainda gritando que não era o único.
De facto, não é o único. E na multidão que o acompanha reside o cerne desta vergonhosa questão.
A edição de hoje do Público dá-nos conta de uma pequena amostra (a célebre pontinha do iceberg) dos chamados “regimes especiais” da função pública. Digo pequena amostra, pois faltou a descrição dos opacos regimes de reforma e rendas vitalícias em vigor em várias empresas, institutos e outras organizações públicas.
Um Estado pobre a fazer figura de rico, esbanjando com uma minoria o que pretende receber de uma maioria.
Bem sei que nestas horas espreita sempre o papão do populismo que empresta argumentos sempre apelativos num coro contra os políticos e essa entidade estranha e vaga do “eles”.
Acontece, todavia, que a coisa pública não é, não pode ser, um feudo de uma casta. Acontece que a coisa pública não pode ser gerida com obscuros patamares de retribuição sem qualquer justificação. Acontece que a gestão da coisa pública deve ser clara e transparente. Os políticos, os gestores públicos, os servidores do Estado com grandes responsabilidades devem ser bem remunerados com regras claras, em função das suas capacidades e saber (e não por força da sua cor partidária).
Num momento particularmente difícil do país, não se podem exigir sacrifícios à população mantendo-se uns quantos em agradável quarentena.
Lamentavelmente (sabemo-lo todos) nada será substancialmente mudado, seria mexer com muitos interesses instalados, derrubar um edifício construído ao longo de anos e anos de laboriosas teias.
A manutenção deste estado de coisas tem agora no ministro das finanças um aliado. O senhor ministro das finanças não compreendeu que a justificação que deu para a sua própria situação será aquela que o Governo ouvirá de TODOS os seus interlocutores e que servirá de base para a continuação do actual sistema. O que o senhor ministro das finanças não compreendeu é que não terá autoridade para encetar uma mudança radical e imperiosa. Não terá autoridade e porventura nem sequer vontade.

2005-06-04

 

"PRIVILÉGIOS INACEITÁVEIS"

O primeiro entre os ministros estava ciente do peso das responsabilidades próprias de quem traz más notícias, já adivinhadas há muito. Não ignorava o peso das suas palavras quando dizia ser necessário pôr cobro aos “privilégios inaceitáveis”. Conhecia (conhece), a importância do seu anúncio pedagógico, garantindo que ele seria o primeiro a perder as benesses e prebendas “inaceitáveis”.
Avisos e observações sábios que se recordam ao conhecermos a “inaceitável” acumulação de reformas e salários por governantes e presidentes insulares.
Podem estas almas compor uma expressão grave, exibindo um cenho vincado com sobrancelhas em acento circunflexo, podem até garantir que tudo isto se encontra dentro da legalidade. Podem fazê-lo que nada altera o essencial: são “privilégios inaceitáveis”.
O senhor ministro das finanças pode até ser defendido pelo senhor António Borges (eu no seu lugar era bem capaz de pensar que com amigos destes dispensaria as inimizades) pois que o senhor Borges entende que tudo isto se resume à vontade indomada, antiga, de querer ministros desprovidos de fazenda, pois que o senhor Borges sabe que um “Ministro não tem de ser pobre”. O senhor Borges que deve saber muitas coisas, que em sonhos antecipará para si próprio um futuro brilhante, que em fantasias se julgará um génio nacional ardentemente desejado, ignora contudo um ponto: “são privilégios inaceitáveis”.
E aqui para nós, bem gostaria de sublinhar ao senhor ministro, ao senhor presidente insular e a outros que haveremos de conhecer, bem gostaria de lhes dizer que concordo com o senhor Primeiro-Ministro: “são privilégios inaceitáveis”.

2005-06-03

 

NO FIM DO MUNDO (I)

Façamos uma pausa, deixemos por momentos as ocupações, os afazeres. Olhemos para o fim do mundo, aqui mesmo à nossa vista, à nossa beira.
Tomemos pois um rumo novo, na visita às mesmas ruas, na observação do invisível à nossa volta.
Ali vai António, traz o olhar fixado num ponto inexistente, caminha com passo inseguro, lento, como que vergado pelo peso impossivel que acartasse aos ombros. Naquela hora tão matinal cruza-se com uma pequena multidão apressada, desesperada pela ditadura das horas céleres, obrigatórias. As horas de António são outras, intermináveis, absurdas. Tem a sua rotina ditada por esta caminhada, longa jornada para tão curta distância.
Tivéssemos esse dom mágico de darmos voz ao pensamento de António, tivéssemos essa arte cinematográfica de colocar as suas cogitações no centro da acção, talvez o ouvissemos matutar no dia em que perdeu o emprego, talvez ouvissemos o som resignado de quem desistiu, talvez já não conseguissemos ouvir nada mais que o silêncio.
E a oportunidade de escuta não se prolongaria, que os pensamentos a terem voz perdê-la-iam agora mesmo, agora que já está no café esconso do fim da rua, do fim do mundo.
Não estará só, encontrará os seus semelhantes, formarão uma espécie de zombies anestesiados enganando o tempo, enganando-se, fingindo jogar às cartas, as mesmas que trazem agarradas como se uma extensão das próprias mãos, sem repararem que o naipe se encontra viciado, há muito que jogam somente com duques. Não o saberão que a fantasia já não chega a tanto. Estão ali sentados ensaiando gestos maquinais, já nem uma palavra, acumulando na mesa uma espécie de colecção doentia de garrafas de vidro âmbar onde veio embalada a refeição do dia, às prestações.
As horas que passam, o mundo que parou, há muito, naquele tugúrio, espécie de refúgio. António, absorto, numa inexistência, num vazio absoluto.
Deixa todos os dias a agonia entregue à familia. Na fuga diária, vira as costas ao sofrimento dos seus. Já não imagina sequer o pesadelo de Maria, ignora como consegue ela alimentar os filhos. António desistiu, baixou os braços, não sabe que estranhos caminhos foi ela obrigada a percorrer.
Valeria a pena conhecer melhor esta mulher a quem foi entregue um fardo que não consegue suportar. Valeria a pena, não fosse o tempo da pausa ter esgotado, não fosse termos de fechar a janela, não fosse demais a vista para o fim do mundo.

2005-06-01

 

A MINHA PÁTRIA É A LINGUA PORTUGUESA...

O presidente da República da Argélia está em Portugal no decurso de uma visita oficial. Ontem (terça-feira) o presidente da República Portuguesa e o seu homólogo presidiram, no Centro Cultural de Belém, à tomada de posse do Fórum Económico Portugal - Argélia. Na circunstância, o presidente português proferiu o seu discurso ... em francês!!

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