2005-11-30

 

ALUNA E PROFESSOR

A jornalista da RTP repetiu, esta noite, o número: manteve-se no seu pequeno mundo, como se num café, em rodriguinhos e questões de lana caprina. Mário Soares não esteve com rodeios, humilhando a senhora, observando que não estava ali para esses exercícios, explicando o óbvio: aquelas entrevistas destinam-se (destinar-se-iam) a conhecer melhor os projectos de cada candidato.
A partir desse momento, Soares esteve em pleno, a só - quase um monólogo -, contando a sua experiência, enunciando o seu currículo, garantindo que está em condições privilegiadas para “falar com a Europa”. Soares teve tempo para brilhar e ainda para uma ternura envenenada ao gabar a sua interlocutora chamando-lhe “uma boa aluna”.
E foi esse, de facto, o papel que a jornalista ali desempenhou: uma aluna deslumbrada, ouvindo o professor, cabisbaixa ante a admoestação.

P.S. talvez seja revelador o protagonismo (por más razões) assumido pela entrevistadora ontem e hoje. O seu mau trabalho destaca-se mais do que as próprias entrevistas.

 

MAL

Manuel Alegre esteve mal ao faltar à votação do Orçamento, nas explicações que deu e na exaltação que pareceu demonstrar quando questionado pelos jornalistas acerca desta sua decisão.

2005-11-29

 

A ENTREVISTA QUE NÃO COMEÇOU

A RTP decidiu ouvir os candidatos presidenciais. A julgar pela primeira entrevista com Manuel Alegre, poder-se-á inferir que a jornalista do canal público não pretende esclarecer, tão-pouco informar: parece mais interessada em “tricas”, em guerras de “alecrim e manjerona”.
Dois terços da entrevista foram ocupados com a cansativa e confrangedora tentativa de recuperar o “diz-que-disse”, buscando (exigindo?) uma declaração bombástica, uma acusação. Convocando o candidato para um espaço indesejável, procurou saber a sua opinião acerca dos ataques, dos remoques de outros, tentando colocar Alegre na posição de comentador, de acusador.
Manuel Alegre, evidentemente, contornou bem essa armadilha. Contornando-a, eliminou o “sal” que era suposto trazer para uma noite animada de “corte e costura”.
O candidato, por sua iniciativa, ainda tentou introduzir alguns pontos fundamentais, falar dos seus objectivos e ambições para o país - debalde.
Ao fim de meia hora, encerrou-se uma “entrevista” que não chegou a começar.

2005-11-28

 

VISTA PARA O FIM DO MUNDO

Façamos uma pausa, deixemos por momentos as ocupações, os afazeres. Olhemos para o fim do mundo, aqui mesmo à nossa vista, à nossa beira.
Tomemos um rumo novo na visita às mesmas ruas, na observação do invisível que nos rodeia.
Ali vai António, traz o olhar fixado num ponto inexistente, caminha com passo inseguro, lento, como que vergado pelo peso impossível que acartasse aos ombros. Cruza-se com uma pequena multidão apressada, desesperada pela ditadura das horas céleres, obrigatórias. As horas de António são outras, intermináveis, absurdas. Tem a sua rotina ditada por esta caminhada, longa jornada para tão curta distância.
Tivéssemos o dom mágico de darmos voz ao pensamento, tivéssemos essa arte cinematográfica de colocar as suas cogitações no centro da acção, talvez o ouvíssemos matutar no dia em que perdeu o emprego, talvez ouvíssemos o som resignado de quem desistiu, talvez já não conseguíssemos ouvir nada mais que o silêncio.
E a oportunidade de escuta não se prolongaria, que os pensamentos a terem voz perdê-la-iam agora mesmo, agora que já está no café esconso do fim da rua, do fim do mundo.
Não estará só, encontrará os seus semelhantes, formarão uma espécie de zombies anestesiados enganando o tempo, enganando-se, fingindo jogar às cartas, as mesmas que trazem agarradas como se uma extensão das próprias mãos, sem repararem que o naipe se encontra viciado: há muito que jogam somente com duques. Não o saberão, que a fantasia já não chega a tanto.
Estarão ali sentados ensaiando gestos maquinais, já nem uma palavra, acumulando na mesa uma espécie de colecção doentia de garrafas onde veio embalada a refeição do dia, liquida, às prestações.
As horas que passam, o mundo que parou, há muito, naquele tugúrio, espécie de refúgio. António, absorto, numa inexistência, num vazio absoluto.
Deixa todos os dias a agonia entregue à família. Na fuga diária, vira as costas ao sofrimento dos seus. António desistiu, baixou os braços. Já não imagina sequer o pesadelo de Maria, ignora como consegue ela alimentar os filhos, não sabe que estranhos caminhos foi ela obrigada a percorrer.
Valeria a pena conhecer melhor esta mulher a quem foi entregue um fardo que não consegue suportar. Valeria a pena, não fora o tempo da pausa ter esgotado, não fora termos de fechar a janela, não fora a insuportável violência desta vista para o fim do mundo.

2005-11-26

 

O REGRESSO À NORMALIDADE

Temos uma natural pulsão para celebrar as datas, as efemérides. Sejam os trinta anos do 25 de Novembro, os 365 anos da restauração ou, mais intimamente, o nosso próprio aniversário - cada um encontra motivos para recordar um facto, um acontecimento relevante.
O senhor Pedro Santana Lopes decidiu celebrar uma data que preenche o seu imaginário: a edição de um escrito do senhor Cavaco Silva. Fê-lo pretendendo pagar-lhe na mesma (má) moeda, atribuindo com fel, o mesmo título a um textozinho que fez publicar no mesmo jornal.
Num exercício de extraordinário humor em forma de prestidigitação, quis demonstrar, em doze galhofeiros pontinhos, que o país está hoje pior do que no “seu tempo”.
Acontece que o “seu tempo” foram seis demenciais meses que todos fazemos por esquecer - uma espécie de acne juvenil que, afastado à força de doses generosas de “clerasil”, deixa sempre marcas inestéticas, assumidas como custos de crescimento.
Compreensivelmente, Santana Lopes deseja “celebrar” esse feito impossível, essa improvável realização. Pretende, a todo o custo, manter viva a memória do seu sonho, do nosso pesadelo. Não surpreende que o faça recorrendo ao ridículo, não espanta que se pretenda colocar no lugar da vitima e que ameace um regresso, não admira que escolha o “Expresso” para este exercício.
As coisas vão, enfim, ganhando a arrumação natural: o “Pedro” recupera o lugar (vago) de animador de interregnos, Portas regressará ao comentário político (numa disputa mefistofélica com o seu émulo Rebelo de Sousa).
Teremos assim, o veneno no seu lugar, previsível - garantia de espectáculo e diversão nestes tempos cinzentos.

2005-11-25

 

ESCRAVOS DA SOLIDÃO

Ontem, Fernando Alves contava-nos na TSF este caso singular. Uma obra de Fernando Corripio, um académico reputado e frequentemente referenciado, foi alvo de viva polémica. Quando os jornalistas tentaram ouvir o seu comentário descobriram que havia morrido … em 1993!
Este relato recupera a memória do inglês que faleceu num qualquer obscuro “open space”, sentado à secretária, para apenas ser descoberto, dias depois, por uma empregada da limpeza.
Dois casos, dois casos apenas. E, contudo, quantos serão aqueles que sobrevivem neste desamparo, amparados pelo vazio? Quantos fantasmas vivos, como que transparentes, cruzarão as ruas, caminhando sabe-se lá para onde?
Veja-se aquele ali, saindo do grande edifício, talvez tenha terminado o dia de trabalho, talvez sentado numa secretária, talvez num “open space”. Olhos no chão, ajeita a gravata, quem sabe preparando um encontro imaginário, quem sabe aprumando a imagem para ninguém. Veja-se que se lança na noite da cidade, só.
Observe-se o seu caminho, note-se os gestos automáticos, dir-se-ia que ensaiados, note-se que um semblante sem expressão. Não valerá a pena perguntar-lhe pela família, desnecessário mencionar-lhe amigos: fixar-nos-ia incrédulo como se lhe falássemos da imensidão do cosmos, da improvável pedra filosofal.
Porventura viveu outras vidas, terá em tempos preenchido a sua existência com gente querida. Que estranho vento celeste lhe terá secado os dias?
Será provavelmente um aprumado profissional, quem sabe um implacável chefe, talvez um orgulhoso produto da cultura do sucesso. Saberá que ninguém dele dirá “conheço-o bem”, terá a noção que ao entrar no café não haverá quem o convide a sentar-se?
Chegará a casa, desligado ligará a televisão, adormecendo por fim.
O que sonharão estes escravos da solidão?

2005-11-24

 

PATÉTICO

É profundamente lamentável, mas Soares arrisca-se a chegar ao ponto de não retorno. Esta sua campanha acumula pequenos e grandes ódios, mas sobretudo um descontrolo de ataques gratuítos, desnecessários, ridículos. Nesta demencial colecção de disparates chega mais um. Óbviamente, Alegre não respondeu. Patético.

 

VALE A PENA LER...

...este texto de Afonso Bívar.

2005-11-23

 

"É ASSIM..."

Revelador o debate emitido esta tarde pela Antena 1.
Em estúdio, os mandatários da juventude dos candidatos – todos menos a mandatária de Cavaco, que, evidentemente, segue as pisadas do mestre.
Durante uma hora, os meninos e a menina, desfilaram o rol conhecido das frases ocas, desnecessárias, sem nexo. Durante uma hora, não foram capazes de uma inteligível ideia, uma pequena sombra que fosse de um rasgo com substância.
Entre as pérolas que se ouviram, sobraram conclusões profundas e reflectidas como a explicação para o alheamento dos “jovens” relativamente à política, proferida pelo senhor Carlos Alberto Neves (que teimava dizer chamar-se “pacman” e insistia começar cada frase com um enigmático “é assim…” ), para ele tudo se deve ao facto de muitos jovens “terem de começar a vender droga às 9h da manhã por que foram expulsos da escola”! Descontando o evidente descontrolo de valores e prioridades do senhor, aflige pensar que este mandatário não tenha sido capaz de dizer algo menos desbocado.
Entretanto, uma senhora “professora universitária” foi capaz de elaborar um discurso mais pretensioso mas apenas para disfarçar a mesma inquietante ausência de sentido.
Revelador o debate: demonstrou a inutilidade dessa esdrúxula figura de “mandatário para a juventude”; demonstrou bem por que razão estas eleições são disputadas pelos seniores e deixa-nos arrepiados com a amostra dos “jovens” precocemente envelhecidos que por aí vêm.

2005-11-22

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (III)

Esteve sentado no banco do jardim todo o dia. Há meses que tinha aquela ideia: manter-se em silêncio, sem trocar uma única palavra, esgotar até ao limite a falta de comunicação.
Ainda lhe parecia singular que ninguém tivesse estranhado a sua esfíngica e taciturna ausência presente. Ali esteve, calado, à conversa de manhã à noite.
Pela fresquinha, chegara a senhora de idade avançada, eléctrica, parecendo esgotar numa torrente frenética de palavras as conversas que tivesse acumulado durante anos. Pareceu-lhe escutar vagamente descrições de vidas perdidas, gatos e outras companhias domésticas, mortes e solidão, numa interminável ladaínha gerada pela anciã como se desejasse libertar-se de um peso palavroso. A senhora confortou-se com aquela alma caridosa ali a seu lado, emocionou-se com a sua compreensão, despediu-se, agradecida, prometendo rezar por aquele que a tinha ouvido.
Logo se sentaria o homem ainda novo, colérico, indignado com uma entidade vaga, com um grupo indefinido de malfeitores. Esticava o dedo indicador varrendo o horizonte explicando as inadmissíveis patifarias. Concluía, cada frase, cada argumento, interrogando "você não acha?", confirmando, ele próprio, de seguida "pois com certeza". Tantos foram os desabafos, tantas as confirmações, que ao homem lhe parecera ter ali nascido uma amizade. Levantou-se, reconhecido, abraçando aquela alma gémea que em silêncio lhe havia dado o conforto do seu apoio, garantindo: "tivesse o mundo mais gente como o senhor!".
Chegada a hora do almoço, chegados os quadros enquadrados nos seus fatos cinzentos. Tomaram assento, partilhando, animados, os casos do dia, as conversas do escritório, integrando-o já nas charlas, rindo com ele que no seu silêncio imóvel partilhava uma improvável galhofa; "aqui este amigo é que a sabe toda!" piscando-lhe um olho cúmplice, garantindo a necessidade de repetirem tais convívios com aquele que se sentava, sem palavra, no meio deles.
E outros que se seguiram, desfilando no palco do personagem de interminável mudez.
Era já noite quando, por fim, se levantou fugindo àquele insuportável silêncio. Partiria sem saber da fama que se espalhou, incendiando um rastilho pela cidade, criando um mito: um homem santo, esteve sentado num banco do jardim, um homem sem um erro, sem uma falha, um homem que seria a nossa salvação se lhe puséssemos o nosso destino na mão.

2005-11-20

 

O FUTEBOL, O PAÍS

Em Portugal o futebol não é apenas um desporto: no futebol projectam-se as nossas misérias e grandezas, constituindo um espelho reflector do que somos como povo.
Observando a falência assumida pelo clube de futebol Farense (na sequência de idêntico desenlace no Académico de Viseu), observando as dificuldades reconhecidas por diversos clubes, percebe-se que se esgota um modelo de existência suportado numa acumulação demencial de gastos espampanantes. Traduzindo numa frase crua: os clubes têm vivido muito acima das suas capacidades.
Este processo parece ainda estar no seu inicio, perspectivando-se uma comoção generalizada ante o incontornável desaparecimento de outras agremiações com “décadas de história”.
Todavia, o que surpreende neste fenómeno não é tanto a sua emergência, nem tão-pouco a sua dimensão - o que verdadeiramente espanta é ter-se persistido energicamente num caminho que se sabia conduzir à catástrofe. Elegeram-se direcções populistas especializadas em diatribes boçais e estéreis, suportadas por promessas delirantes (apoiadas entusiasticamente pelos sócios). Em nome da “imagem” e “dignidade” do clube, congeminaram-se as mais ruinosas decisões dando-se curso doentio à má gestão. Em nome da “imagem” e “dignidade” do clube, uns quantos aproveitaram a sua “dedicação” para alargar generosamente o seu pecúlio particular.
Todos os sintomas do descalabro desfilavam (desfilam) persistentemente e não provocam estremecimento, não implicam uma alteração: mantém-se animadamente a rota funesta.
A ninguém parece ocorrer a necessidade de mudar, vale tudo pelo imediato: fazemos da máxima “primeiro os cómodos, depois logo se pensará (vagamente) nos incómodos” uma espécie de filosofia de vida.
Ali, no futebol, estamos nós, está o reflexo do país que somos.
Talvez seja genética esta nossa condição: as dificuldades esgotam-nos, deprimem-nos; necessitamos permanentemente de ânimo, de alimentar o nosso ego colectivo com grandezas aparentes, esgotar numa festa (que julgamos interminável) as nossas energias, os nossos recursos.
Perante a inevitável desgraça, perante a fatalidade, chegará o tempo das recriminações; chegará o tempo de exigir o apoio “deles” - quer “eles” sejam o Estado, a União Europeia, o Mundo.
Sucede, contudo, que não temos mais fiador, estamos por nossa conta.
Na ausência de soluções, incapazes de nos confrontarmos com a realidade, procuraremos desalentados e submissos, um qualquer “salvador”: erigir-se-á alguém a essa condição mirifica, crer-se-á nas suas capacidades inauditas, acreditar-se-á, com fé, cegamente, no impossível.
À custa deste vício estamos como estamos, viemos donde viemos, mas, perigosamente, parece que ainda não aprendemos.

2005-11-18

 

OS "ACESSORES"

Ontem, pela noitinha, o telejornal da SIC noticiou o sorteio da taça futebolística, apresentando as comoventes (e interessantíssimas) declarações dos representantes de cada clube. Nada de especialmente relevante, não fora a simbólica identificação do delegado benfiquista como “acessor”.
Ora, sabendo nós que tudo o que surge na televisão é verdade (nunca erram), é legítimo pensar que o termo não surgiu em vão, não era, portanto, um vulgar assessor.
Aquele homem será alguém com direito de acesso, detendo, porventura, uma chave, um código, que lhe abra uma porta, que o introduza num espaço reservado.
O “acessor” constitui, pois, uma emergente figura neste jogo de figurantes, dir-se-ia que membro destacado de uma qualquer elite - o homem com acesso. Aceder, afinal, constitui a materialização de um desejo: a entrada que é franqueada, evitando a humilhante invectiva “acesso negado”.
Eis que o “acessor” acedeu, deslumbrado, ao acessório. Celebra o convívio tão íntimo com entidades celebradas, celestes. É já um esforçado e dedicado membro do grupo, crescente, de sedentos conquistadores do efémero, de alquimistas da ilusão.
Que a turba de “acessores” não faça cerimónias, que se apresse a apossar-se da possibilidade. Que faça do acesso a destrinça maior.
Que nos encerre, definitivamente, na jaula dos que não têm acesso.

2005-11-17

 

INENARRÁVEL

Que estranho sopro terá levado um homem inteligente a executar uma rudimentar tentativa de contorcer a realidade, escrevendo esta frase inacreditável:
“No entanto, como ele só fala de coisas ‘sérias’, acaba por favorecê-lo, gerando um efeito de veracidade. Aquele homem está nervoso porque está preocupado e está preocupado por nós.” (sic).
Pacheco Pereira escreveu esta pérola hoje no Público, sem sombra de ironia, comentando a entrevista de Cavaco Silva à TVI.
É este o nível de argumentação: o mais vil e ridículo endeusamento, recorrendo a textos laudatórios primários.

 

TIROS NO PÉ

Mário Soares pretende, aparentemente, marcar a sua campanha pelo frenesim.
Desdobra-se em actividades, contactos, visitas a mercados, beijos e abraços, almoços e jantares - talvez movido pela secreta vontade de provar a sua vitalidade, exibir a sua excelente forma física.
Todavia, um problema emerge deste frenesim: a perigosa prolixidade de Soares. Num crescendo pouco aconselhável, encontra-se já no campo movediço das deselegâncias, começando a resvalar para o insulto.
Cavaco, evidentemente, agradece. Ainda combalido, ainda atarantado com os efeitos da sua desastrosa prestação televisiva, o candidato da direita recebe, das mãos de Soares, um amparo inesperado: por cada ataque mais veemente reforça a estratégia de vitimização, por cada repetida referência vinca uma fixação doentia.
Contudo, o efeito mais devastador desta incontida necessidade de emitir opiniões sobre o seu adversário, será adoçar (senão mesmo eliminar) uma das maiores fraquezas de Cavaco que revela a sua imensa fragilidade sempre que é obrigado a romper o mutismo. Na verdade, perante a cansativa e torrencial colecção de “declarações”, talvez se tornem progressivamente aceitáveis os silêncios de Cavaco Silva.
Mário Soares posiciona-se, assim, como o melhor trunfo do seu adversário da direita, oferecendo-lhe a oportunidade de um passeio triunfal pela Av. da Liberdade…

2005-11-16

 
Abnegado - 1º Aniversário - Textos do Baú

17 Abril 2005


Tinha passado a manhã observando as estantes com os seus livros. Detivera-se na leitura daqueles tomos com as ideias que em tempos o haviam conquistado. Quase a medo releu os seus próprios comentários escritos em estilo deslumbrado. Parecia-lhe tão estranho rever-se naquela caligrafia.
Agarrado às notas vindas de um tempo outro, foi recordando os contornos exactos da sua ilusão. Naqueles dias dizia conhecer as regras da Economia. Não tinha dúvidas: sabia que o Estado era uma criação demoníaca e inútil, divertia-se com os jogos de palavras. Sentia tão seguras as suas convicções, tão fortes as suas certezas, que gostava de discutir a privatização da sociedade, assim mesmo, sem excepções. A pobreza, defendia, não existia como tal, apenas a demonstração da preguiça, da ausência de vontade. Naqueles dias gabava-se de não ter, jamais, conhecido um argumento capaz de alterar as suas ideias.
Sentia ter descoberto o seu confortável espaço num mundo previsível, que julgava compreender, exercitando a euforia na redoma que tinha desenhado para si, numa abstracção de tudo à sua volta.
E de repente, as palpitações, a revolta surda, como se uma luta entre o verso e o reverso de si próprio. Sabia hoje que tinha de guardar a fera selvagem em que a sua memória se tinha transformado. Todas aquelas recordações sacudiam-no violentamente, traziam a frieza da lâmina, envergonhavam-no.
Afastava, com firmeza, a torrente de reminiscências do passado, não podia deixar que o desalento se instalasse. Tinha bem presente as indicações do médico: a bomba-relógio que o consumia podia facilmente descontrolar-se sem o apertado domínio de uma alma desperta e combativa.
Aquela era uma guerra que não queria, nem podia perder.
Restava-lhe a esperança de encontrar uma solução para o enigma em que se tinha transformado a sua vida, numa espécie de equação com tantas variáveis e incógnitas que subitamente não aceita uma fórmula resolvente.
E os cálculos, as contas, que o consumiam.
Conhece agora os limites da reduzida receita familiar, apertado na subtracção do custo brutal dos seus tratamentos, agora que não pode mais trabalhar e não por preguiça, e não por falta de vontade.
Veja-se que se prepara para vestir a sua camisola branca com as palavras de ordem ensaiadas na véspera com os colegas: “não aos abonos de miséria”. Está já a ser revistado pelo agente de autoridade - responsável zeloso pela segurança do hemiciclo. Ali participará na manifestação silenciosa. Ali estará durante os trabalhos vespertinos da Assembleia.
Será tomado pela vontade de gritar a todos que conhece os meses de 10 dias, que sabe bem a dor de ter um prato de esparguete para almoço e jantar de toda a família. Gritar que conhece casos desesperados, gritar que existem 2 milhões como ele, gritar que há 300.000 pessoas com fome, gritar que não quer viver num país que desconhece o significado da palavra solidariedade. Dizer a todos como é ténue a linha que separa o orgulho da vergonha. Fazer ver como se pode abrir tão facilmente um alçapão debaixo dos pés.
Acabará por silenciar a vontade de partilhar a sua miséria, acabará por impedir-se de contar o seu inferno. Sabe bem que já ganhou invisibilidade, sabe bem que a sua é já uma história impossível, sabe bem que traz agarrada à pele a vida que ninguém quer ver.
Sabe-o bem, já foi assim.

2005-11-15

 

O MITO COM PÉS DE BARRO

Nestes últimos tempos, perante os nossos estupefactos olhos, foi sendo desenvolvida uma curiosa e inverosímil candidatura do impossível. Sem que se ousasse sequer questionar, um homem surgia como o redentor dos males portugueses, como se dominasse uma qualquer varinha de condão.
Acontece porém, que a estratégia esqueceu um pormenor, significativo: o próprio candidato.
Embalado pela vertigem do seu ego, embalado pelo canto de sereia dos seus apoiantes, Cavaco Silva surgiu, ontem, no pequeno ecrã. Vinha preparado para se glorificar, explicar que é “um homem de palavra”, vender a fantasia de que a sua imagem (que o próprio considera de rigor e autoridade) valeria uma eleição.
Sucede que uma entrevista não é um tempo de antena. Confrontado com questões prementes e óbvias, Cavaco Silva não foi capaz de ir além de vacuidades e fugas inexplicáveis à formulação de opiniões.
Falou do passado, do seu passado, vangloriou-se, foi incapaz de projectar o futuro para além de si próprio.
A entrevista terminou com um momento revelador: ignorando que a realidade não corresponde à ilusão que criou, pareceu genuinamente estupefacto quando a jornalista lhe lembrou os seus ataques contundentes a Jorge Sampaio há dez anos - semelhantes, de resto, aos comentários que hoje considera ataques pessoais – Cavaco ainda ensaiou uma negação, uma dúvida, refugiando-se num arrazoado incompreensível, falando do “mundo” e das mudanças ocorridas numa década.
Pouco sobrou desta entrevista, para além da leveza e fragilidade. Ainda que involuntariamente, Cavaco Silva demonstrou que o mito tem, afinal, … pés de barro!

2005-11-14

 
Abnegado - 1º Aniversário - Textos do Baú

4 Abril 2005


Todos os dias ocupava a mesma mesa, junto à grande janela do café. Chegava sempre a meio da manhã, pedia a meia de leite e uma torrada. Em gestos diligentes, habituais, colocava-se numa posição confortável. Durante as próximas horas concentrava a sua atenção fixando a rua, abstraindo-se de tudo. Parecia conferir o filme da sua vida através do vidro. Não se lhe conhecia o nome, tão pouco outros dados relevantes, era apenas o cliente que escolhia o silêncio e o seu recolhimento como companheiros, se lhe ouviam a voz era tão-só para o quase mecânico registo do seu pedido.
Não sabiam que contava já 72 anos, “não parece” dir-lhe-iam, fosse ele dado a convívios de café, “está muito bem conservado para a idade” repetiriam em conversas vazias, prolongando o tempo subitamente sobrante.
Sabia que a sua vida valeria bem uma descrição, justificaria um relato interminável, talvez até garantisse espanto reverente, perante tão fantásticas narrativas. A verdade é que ele próprio estava mais preocupado em esquecê-la, bem vistas as coisas, o caminho que percorreu deixou-o ali mesmo, sozinho, sentado na mesa de um café, fazendo por prolongar uma refeição que será a única do dia, todos os dias.
Por vezes, tentava imaginar o que fariam os seus dois filhos, quem seriam, teriam agora quê, 40 anos o mais velho, 38 o mais novo? Fazia mentalmente as contas, confirmava a exactidão do raciocínio. Pudesse retomar a marcha da sua vida naquele dia em que decidiu fugir, pudesse regressar a casa pegar-lhes ao colo como se nada fosse, pudesse ser um pai, não um cobarde. Tarde demais, pensava sempre. Tomou o caminho errado, disso hoje não tem dúvidas. Apanhou a boleia inebriante de uma vida aparentemente fácil, deixou-se engolir pelo vórtice do momento, ficou agarrado para sempre a um vazio.
Ali estava, absorto, fixando o vidro da montra pelo lado de dentro. Retomava, o fio da memória. Conferia a angústia pesada da culpa que carregava.
Julgava então ter descoberto a existência ideal, livre de compromissos, sem responsabilidades, tudo lhe era permitido e devido, pensava. Daqueles anos de folia recorda os biscates de ocasião, uma demonstração do seu génio pintando apressadamente um quadro, garantia de mais alguns meses de exaltação, voltas pela grande Europa, trabalhos de meses pagamentos de dias, siga a euforia que julgava eterna. As imagens desses dias foram ganhando os contornos da sua perdição. Jogou tudo nessa aposta, jogou a sua vida, perdeu.
Mais logo retomará o caminho, cada vez mais longo, cada vez mais pesado, em direcção ao quarto que ocupa naquele velho edifício abandonado. Partilha o espaço em ruínas com outros companheiros de infortúnio, vidas que não quer conhecer, bem lhe chega o seu fardo.
Mais logo chegará ao quarto, retomará o pensamento que o assalta todas as noites, angustiar-se-á com a ideia de adoecer, de perder a mobilidade, de ficar preso àquele espaço que só a noite disfarça.
Mais logo adormecerá, para sempre.

2005-11-13

 

ESQUECIMENTOS

Para o candidato Cavaco Silva, a campanha para as eleições presidenciais constitui uma óbvia maçada – etapa desnecessária que dispensaria.
Lá no recato em que se resguarda, entenderá que tudo está dito. Bastou-lhe a apresentação do seu programa de governo em forma de manifesto (de que, inexplicavelmente, se orgulha) e a promessa (ameaça?) de “estar muito atento à actividade do Governo” : eis o que considera ser fundamental para ser eleito Presidente da República Portuguesa.
A estratégia da sua candidatura está gizada: poucas ou nenhumas declarações, uma sempre oportuna vitimização - utilizando o patético aviso aos demais candidatos de que não responderá a ataques pessoais - e generalidades óbvias (partilhadas, certamente, por todos os candidatos) quando afirma desejar uma “campanha digna”.
É confrangedoramente pobre para quem pretende exercer o magistério presidencial, nestes tempos turbulentos, neste mundo que recusa maniqueísmos.
É pouco, muito pouco, repete-se. Contudo, não constitui novidade nem surpresa: Cavaco, apresenta-se como sempre foi, refugiando-se nos silêncios, nos enigmas, tabus e ausências. Evidentemente, não alterará o seu registo, manter-se-á agarrado a ideias que não permitem discussão, vincando teimosa e perigosamente a sua visão predefinida do mundo.
Cavaco não mudou, uma boa parte da população portuguesa é que parece estar esquecida!

 

OBRIGADO

Estou muito grato a todos quantos comentaram, com palavras tão gentis, o aniversário do Abnegado.
Uma palavra de agradecimento também, aos blogues que o referenciaram:
Blogoperatório (que bela prenda na tela do Pomar);
Dolo Eventual;
Office lounging;
Pensamentos;
Sentidos da Vida;
Tugir.

2005-11-11

 
Abnegado - 1º Aniversário - Textos do Baú

16 Março 2005


Há muito que Filipe tinha deixado de contar os dias, sequer as semanas, da sua desgraçada existência. Limitava-se a conferir as condições atmosféricas, numa observação rápida e mecânica para garantir a escolha da melhor opção para a noite. Era a única rotina que tinha adquirido, imposta pelo ritmo da rua e a sua desenfreada e miserável luta. Os melhores lugares para o sono estavam ocupados pelos líderes, o que no mundo em que sobrevive, vale por dizer os mais fortes. Apesar dos muitos anos que leva de rua, nunca foi capaz de garantir um território, um espaço a que a sua imaginação pudesse chamar seu, tinha (sempre teve) uma compleição frágil, própria de quem garante a custo o mínimo de subsistência, própria de quem se dedica a um jogo do gato e do rato com a fome.
Nos dias em que consegue conquistar, ou descobrir, um local menos desprotegido para descansar, garante uma presença na sopa dos pobres.
Ali estava numa solidão que o acompanhava desde o berço - como se a expressão se pudesse aqui aplicar, estranha ironia para quem nunca conheceu sequer o que será um berço.
Filipe tem a história de quem não tem história. Não conheceu a mãe que se perdeu no nevoeiro da vida, nunca lhe viu o rosto, nunca lhe soube o nome. Em boa verdade, mãe nunca teve por certo, não pode ter esse nome alguém que abandona o fruto do seu ventre no exacto momento em que vê a luz. Parecia que logo ali lhe traçavam um destino, lhe pintavam a negro as cores do livro aberto que uma vida que nasce sempre deve ser. Valeu a Filipe a D. Hermenegilda que lhe sentiu a luta pela vida. Pegou no menino abandonado e tomou-o como seu.
Foi maior a generosidade que a sua capacidade. A idade já pesava, a viuvez e a ausência de outro rendimento impunham-lhe horários prolongados na limpeza dos escritórios na grande cidade, no vai-e-vem contínuo entre a lata do bairro e os neons da urbe. Bem queria dedicar algum tempo ao petiz, faltava-lhe quem a auxiliasse, as vizinhas dos tempos que já lá vão, já se foram todas elas, que a vida, aquela vida, não dava tréguas.
Filipe foi crescendo por sua conta no bairro esconso, afastado de tudo, onde a policia não entrava. Naquele sub mundo as regras eram claras, a sobrevivência o único objectivo.
Não conheceu a escola, a outra – a escola da infelicidade - tomava-lhe os dias, fez todas as cadeiras desse doentio espaço do conhecimento do inferno. Deu por si envolvido em pequenos delitos, que lhe garantiram a intimidade com os calabouços. Perdido, perdeu-se ainda mais, afundou-se no poço escuro, sem fundo, dos pós, das seringas, do flagelo.
Acumulou doenças várias, crónicas, que fez por esquecer. Vai conhecendo os hospitais à força dos desfalecimentos que o dominam com frequência.
Não soube da morte de D. Hermenegilda, heroica vencedora numa corrida contra o tempo, vencida pela miséria aos 63 anos - que se diriam 90.
Filipe passa pelos dias arrastando-se pela cidade, cosido às paredes, convivendo com a sua invisibilidade, dolorosamente real quando roga por uma esmola, por uma ajuda.
Olha à sua volta e é o vazio que lhe entra pelos olhos, o inferno, o seu inferno, único companheiro fiel de uma vida perdida.

2005-11-10

 

ABNEGADO - 1º ANIVERSÁRIO

Cheguei aqui pelo impulso das palavras e, reconheça-se, pela ilusão de opinar e publicar outros escritos - algo que pudesse ocupar alguns segundos da vida de um leitor.
Assim, quase sem dar conta, acumularam-se textos e opiniões ao longo da soma exacta: 365 dias. Um ano.
É altura de agradecer a todos quantos têm a paciência de ler o Abnegado.
Bem-hajam!

P.S. Ao longo dos próximos dias irei "desenterrar" alguns textos dos arquivos.

2005-11-09

 

ÀS DIREITAS

No intervalo das suas prelecções e conselhos para resolver os problemas franceses, o senhor Nuno Melo garantiu que “o CDS é um partido eminentemente parlamentar”. A frase, ainda que gongórica, não esconde a sua verdadeira pretensão: fazer ver ao bondoso senhor Ribeiro e Castro que a sua vitória de Pirro conta pouco num partido dominado (domado?) pela inexorável presença de Paulo Portas.
Assoberbado com várias frentes de batalha interna, o líder do CDS agarrou-se com mãos ambas ao Orçamento de Estado, assumindo, orgulhoso, o papel de liderança da oposição, simplesmente por que nunca terá hesitado em assumir a votação contra.
Nada de especialmente relevante, dir-se-ia tendo em conta os previsíveis jogos florais num pequeno partido em convulsão interna.
Todavia, estas afirmações ganham relevo e destaque em justaposição à inenarrável posição titubeante do PSD, que num primeiro momento elogiou o Orçamento, ensaiando a sua aprovação, para agora vir anunciar que, bem vistas as coisas, talvez fosse melhor votar contra. Ignora-se, e o PSD não explica, o que originou esta reviravolta: ou os elogios anteriores foram fruto da falta de estudo (o que traduz ligeireza e ingenuidade), ou a decisão de votar contra baseia-se somente em calculismos políticos (o que é grave).
Com esta atitude o PSD perdeu uma oportunidade de se afirmar como partido com sentido de Estado (que lhe facultaria um capital importante para outras lutas), mas também ofereceu generosa e inexplicavelmente um balão de oxigénio ao presidente do CDS.
É a política às direitas.

2005-11-08

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (II)

Todos os dias cumpria os rituais próprios de uma rotina disciplinada.
Tal como um relógio, saia de casa à mesma exacta hora. Sem excepção, tomava o caminho de sempre, sabendo de antemão a duração do percurso (que cronometrava no seu relógio de pulso).
Adquiria o jornal no quiosque habitual e, previsível, pagava-o com a quantia certa.
Para não incluir uma perturbadora alteração no seu percurso, tomava o pequeno almoço no café do costume, não cometendo o desvio de pedir outra ementa que não a mesma.
Chegava, sem falhas, ao escritório pelas 8h55m.
Sentia-se seguro naquelas normas demenciais que havia imposto a si próprio, como se livre na sua prisão.
Parecia ter estabelecido um preceito para cada tarefa, para cada hora, para cada ocasião. Todo ele sugeria um imenso regulamento que tivesse ganho vida, um homem formatado ocorreria dizer, observando tanta rigidez, tantas regras personificadas.
Não se lhe conhecendo família ou amigos tornava-se difícil (se não impossível) saber como teria começado aquele estranho comportamento, aquele percurso desviante que não admitia desvios.
Nos raros momentos em que exprimia uma opinião, fazia-o, logicamente, usando a lógica mais ilógica que pensar pudéssemos.
Estava longe de saber, quando apertava diligentemente os atacadores dos sapatos, que naquele dia algo de definitivo ocorreria. Por um acaso que não controlara, entraria no autocarro errado. Perder-se-ia nas entranhas da grande cidade, sem que ninguém soubesse jamais qual o seu destino.
Ainda hoje, talvez, ande por aí, desnorteado.

 

VALE A PENA LER...

...este texto de Luís Novaes Tito.
 

DIÁLOGO (I)

-Portugal precisa de si.
-De mim?
-Não, do outro.
-Safa! Safa!

2005-11-04

 
Eu não sei de oração senão perguntas
ou silêncios ou gestos ou ficar
de noite frente ao mar não de mãos juntas
mas a pescar

Não pesco só nas águas mas nos céus
e a minha pesca é quase uma oração
porque dou graças sem saber se Deus
é sim ou não


Manuel Alegre
in: A Senhora das Tempestades

2005-11-03

 

JOGOS

Ontem na TVI, um combativo Soares regressou ao palco. Foi, indiscutivelmente, um grande momento de televisão. O ex-presidente contou estórias, seduziu, prendeu a atenção. De caminho, arrasou Guterres e diminuiu Sócrates, fazendo uso da arma mais demolidora: o elogio.
Diversões, que o mais importante para Soares, era (é) Cavaco. O próprio o reconheceu, assumindo-se como terceira escolha do PS, confessando a sua intenção de “evitar um passeio triunfal pela Av. da Liberdade”.
Cavaco transformou-se numa espécie de fantasma sempre presente. No afã de se posicionar como “o” candidato da esquerda, Soares assumiu as despesas da casa, convocando Cavaco Silva para o debate, espicaçando-o. Perante o silêncio, reforçou a dose enredando-se perigosamente numa quase obsessão.
Ante nós desenvolve-se uma espécie de jogo do gato e do rato. Todavia, um enredo equívoco: nem Soares é “o” candidato da esquerda, nem Cavaco poderá construir uma campanha gerindo silêncios. O tempo o dirá.

 

VALE A PENA LER...

... dois textos sobre o artigo de Pacheco Pereira, publicado na revista Sábado "Conflitos sociais e modelo social europeu". O primeiro no blogue Contundente e o segundo, de António Viriato, no Alma Lusíada.

2005-11-02

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (I)

E de repente o estrondo, um som tenebroso cortando o silêncio da noite.
Luzes que se acendem, vozes, alguns gritos, o bairro em polvorosa.
Já os patriarcas na rua, ajeitando o roupão em gestos seguros, desenvolvendo teorias para o acontecimento.
O António que "explicava" - aliás, garantia - que havia sido um rebentamento, uma granada certamente. José concordava já que o som "não enganava ninguém" e nisto o Carlos, numa aflição, hesitando nas tremuras que terá sentido, arriscava quase a medo: não terá sido um terramoto? Olha-me este passarinho, exclamava com gosto o António (o da granada), andas a ver muita televisão é o que é, dizia, enquanto varria a plateia com um olhar matador.
Chegava-se ao grupo de peritos o Ripas "endrominador" - cognome que alcançou à custa de muito mérito, de muita palavrinha inspirada - ei-lo que assegura: esta explosão foi derivado a um ataque terrorista e corremos perigo aqui, podem estar aí esnaiperes e limpam-nos o sebo. Ai valha-me Deus, gritavam as senhoras, procurando refúgio debaixo das varandas olhando em redor no pânico de uma arma.
O "pintarroxo", homem de muitas vidas e muitas andanças, punha ordem na algazarra: qué lá isso, pá, vá-la vêr, onde estão as câmaras de televisão? Há lá ataque de terroristas sem gajos da TV? Para ele, tudo aquilo se resumia a uma qualquer acção de protesto do Chico (conhecido criador de galinhas que andava fulo com isto da "gripe dos galarós") e era bem menino para arrebentar com o galinheiro e a bicharada à bomba.
Entretanto, o Rui - tipo com muito olhinho para o negócio - armava a sua barraca trazendo comes e bebes para a multidão faminta, antecipando em quatro horas a saída para a feira, esgotando logo ali o stock do dia.
Estava a coisa animada, quando chega o Nuno estranhando tanta gente na rua pelas 3 da manhã. Vinha ainda combalido, cabelo desgrenhado, fuligem espalhada pela cara, garantindo ter apanhado o susto da sua vida. E não era caso para menos, pois que o raio da câmara de ar lhe havia estoirado ainda há pouco quando a tentava encher “à maneira”.

 

EIS QUE ...

... subitamente e pela fresquinha, temos o país novamente "inundado" com cartazes eleitorais.

2005-11-01

 

SEM POLÍTICA

Tornou-se elegante, e até moderno, denegrir a Política como se uma malfeitoria, como se uma ocupação menor, ou mesmo um empecilho ao "desenvolvimento" e ao "progresso". Nesses exercícios de maledicência não se pretende criticar todos quantos são indignos das funções que exercem, não se pretende criticar todos quantos não possuem capacidades para os cargos que ocupam, pretende-se fundamentalmente denegrir a Política.
Percebe-se. No jogo de soma nula do poder, a diminuição da autoridade escrutinada, constitui uma oportunidade apetitosa.
Todavia, esta diminuição configura um caminho perigoso, sem retorno. A esse respeito, talvez valesse a pena observar atentamente este exemplo.
A Wal-Mart é a maior empresa do globo, o seu volume de negócios é superior ao PIB de muitos países da União Europeia (ver aqui). Ao decidir impedir a contratação de pessoas obesas ou com uma idade superior a 40 anos (para reduzir os custos com despesas de saúde) a empresa não faz mais do que dar sequência a outras decisões inaceitáveis, cumprindo uma mesquinha visão de curto prazo.
Mas não tenhamos ilusões, infelizmente esta forma de ver o mundo não é exclusiva da Wal-Mart. As grandes corporações cotadas na bolsa, necessitam apresentar contas trimestralmente. Os accionistas (ironicamente muitos deles fundos de pensões) exigem resultados crescentes. Perante esta pressão, perante a falta de escrúpulos, algumas empresas cedem à tentação do imediato.
Os interesses privados são, evidentemente, legítimos. Contudo, devem obedecer ao interesse colectivo. Este caso da Wal-Mart vale apenas como um pequeno exemplo do que substituiria a Política e a autoridade do Estado. Esclarecedor!

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