2005-05-31

 

O CANDIDATO

“Faça o favor de entrar”, convidava o homem.
Muito antes de ter ouvido o convite, estava a caminho. Ainda não percebia bem que sopro celeste o teria empurrado para aquela casa, que vontade indomada lhe teria despertado o impulso para pressionar a campaínha. Certinho - tão certo como estar agora mesmo a dar conta deste estranho caso - foi ter-se deixado estar, impávido, à soleira da porta, ouvindo o som estridente tomando conta de toda a casa. Aquele som parecia um estranho boneco animado de asas, assobiando uma melodia de um só tom, voando pelas divisões, convocando os mortais para a visita que esperava.
Enquanto o boneco, ou o som, ou a campaínha, ou lá o que teria despertado quando pressionara aquele botão, fazia o seu percurso de convocatórias, compunha mentalmente o seu argumentário, afinal nem queria bem estar ali, mas a coisa está feita, despertou-se o ruído, em breve ali estaria alguém, em breve o acolheriam, e sendo assim mais valia que fizesse boa figura.
E aquele tempo de espera que lhe parecia uma eternidade, emprestava-lhe a oportunidade para reforçar a sua auto-confiança, aos poucos ia descobrindo um novo argumento a seu favor, uma faceta que desconhecendo por impossível se alegrava por ter sido capaz de criar, ali mesmo à porta, enquanto esperava.
E a imaginação que tem vida própria, ganhava já a velocidade de um cavalo doido – experimente-se a espera, experimente-se o perigo de lhe soltar as rédeas e sentir-se-à esse delírio mágico de nos transportarmos para o centro do sonho que criamos – e a imaginação que lhe pegava pela mão que voava no voo impraticável, e ele que acreditava e ele que via naquela ficção a realidade, tão real que era capaz de jurar, de garantir que ali estava a sua vida, que tudo aquilo existia que tudo aquilo era ele.
Ainda o som em ecos danados pela casa, e ele ali à soleira da porta, já encantado de si próprio, exibindo um sorriso atestando o prazer que sentia de se descobrir no sonho.
Era um homem novo, confiante, aquele que respondia ao convite finalmente proferido. Era já um homem pleno das suas capacidades, filho da sua ilusão, aquele que tão cheio de si respondia: “não sou candidato!”

 

CRACKDOWN

Um blogue que vale a pena visitar com frequência - não modelada, mas continuada - comemora um ano de textos em belo português. Parabéns caro Crack

2005-05-29

 
A TAÇA ... É NOSSA!

Há festa no BONFIM.
 
TIT FOR TAT (2): Cavaco é o pai do monstro.
O senhor Miguel Cadilhe tem, aparentemente, contas antigas a acertar com o senhor Cavaco Silva (e provavelmente consigo próprio), só é pena que necessite tanto tempo para apresentar as suas opiniões. Se, porventura, lhe ocorreu (ou lhe tenham proposto) uma candidaturazinha presidencial, valeria bem a pena explicar-lhe(s) que entre uma hipótese (muito má) e a sua que é péssima, não há escolha possivel!

 
Eis uma boa ideia.

2005-05-28

 

JÁ "PECÉBE"?

Falha no concurso de docentes custou 20 milhões de euros
Será que a Sra. D. Maria do Carmo Seabra já "pecébe" agora, ou é preciso fazer um pequeno (e simples) esboçozinho?

2005-05-27

 

PRESIDENCI(AIS)

Há por aí gente "especialista" em manobras de diversão política (os ingleses, com a sua suprema ironia, chamam a estes rapazes "spin doctors"), levam-se muito a sério e provavelmente até acreditam que desempenham uma tarefa relevante. O "trabalho" que vão produzindo pode ser apreciado, diariamente, em exibição num jornal ou TV perto de si.
Acontece, que o mundo de fantasia e conjecturas em que vivem é apenas uma criação, uma ilusão.
No Largo do Rato os "spin doctors" andam atarefados com as presidenciais.
O lançamento de putativas candidaturas presidenciais do PS em jeito de teste: "deixa cá ver como reagem a este gajo" só pode ter como resultado a recusa por parte de qualquer pessoa decente ou com algum "peso político".
A impudica apresentação sucessiva de nomes, garante o desnorte e exibe a pouca importância do candidato finalmente escolhido.
Mas, entretanto, estes aprendizes de feiticeiro divertem-se à brava. O professor de Fonte de Boliqueime também lhes deve achar muita graça!

2005-05-26

 

MAIS UMA VIAGEM

A viagem, qualquer viagem, traz sempre associada essa vontade indomada de partida, espécie de fuga controlada, remetendo-nos para o nómada que todos carregamos, mais ou menos, disfarçado.
A imagem assim descrita, não sendo nova, tão-pouco inspirada, era bem capaz de ser um belo começo para um conto, para um devaneio de escrita relatando extraordinárias demandas do desconhecido ou estórias fantásticas contadas de um fôlego, prendendo a atenção. Procure-se na literatura, na grande literatura, e encontrar-se-ão esses pedaços de vida em andamento, descritos pela mão dos mestres. Aqui, neste simples amontoar de palavras, não há o engenho para tal.
Deixe-se, pois, esse desejo de relato, deixe-se essa vontade de conto mais entusiasmado, mais rebuscado – estivesse aqui o critico e estaria já afiando as garras, gemendo: Pretensioso, queria o menino dizer – e a verdade é que talvez tivesse razão, veja-se bem o tempo, a atenção que se está ocupando com justificações, com lamentos, para não seguir por outro caminho com mais fôlego, outra viagem dir-se-ia com ironia.
Fiquemos pelo simples relato, coisa rápida contada em três penadas.
Observe-se o comboio novo, aquele que tomaremos para a partida.
O mesmo comboio, ainda parado, deixará entrar os passageiros, deixá-los-á descobrir no interior a ausência de mudança, deixá-los-á perceber que a novidade tão celebrada é apenas uma forma outra de recauchutagem.
A partida que se anuncia, o movimento da máquina. O passageiro, sentado, apreciando a paisagem, flectindo as pernas na busca do descanso, esticando o jornal de braços abertos como que acolhendo as noticias num abraço desejado, e a leitura que desperta na súbita confusão da noticia, o jornal que se traz mais perto dos olhos já não em emocionadas ternuras com o papel, mas na estupefacção do informe. Estava confundido procurando saber se aquele nome era o do antigo jogador de futebol se do edil, e pouco importava que ambos estavam longe, muito longe, de algum dia sonharem sentar-se na cadeira lá no topo da petrolífera. Poderia lá ser, pensava, encontrando na especulação jornalística ou até mesmo na óbvia loucura, a justificação para aquela demencial informação. Ora, aí está: era essa afinal a razão - que não tinha sido para isso que acreditou, não tinha sido para isso que julgara ter chegado o fim destes conluios canalhas -, pensava mais descansado, tentando enganar-se a si próprio, exibindo uma experiência de anos na arte da auto-ilusão.
E nisto o revisor que chega, abrindo a porta da carruagem em jeitos de proprietário, mirando os passageiros com o olhar confiante dos chefes, ajeitando os óculos, enchendo o peito de ar, gritando com palavras arrastadas e marcadas pela forte pronúncia beirã a sua frase de eleição: “quem se mete connosco, leva!”.
Só agora, o passageiro se apercebe do parceiro de viagem ali sentado ao lado, abrindo a carteira, procurando o cartão, hesitando na cor, escolhendo-o por fim, arrumando todos os outros (tantos, admirava-se), e o revisor, mais terno, vendo a corzinha do seu momento ali exibida, piscando o olho, convidando o parceiro de viagem para a carruagem da frente, prometendo maior conforto, maior segurança.
E o relato que vai já contaminado pelo progressivo desalento do passageiro, que vai já longo e arrastado, é melhor que fique por aqui, que a viagem assim contada é capaz de se tornar (outra vez) penosa.

2005-05-25

 

A OUVIR

Esta crónica de Fernando Alves, desta manhã na TSF.
Havemos de falar em breve, aqui no Abnegado, deste cancro nacional que persiste. A obscena colocação de rapaziada amiga em altos cargos do Estado!

2005-05-24

 

TALVEZ...

... este seja um dos textos mais bem conseguidos sobre esse malfadado defice. É, seguramente, um texto com Glória Fácil.

2005-05-23

 

BARRIL DE PÓLVORA

Hoje o relatório será entregue em mãos ao primeiro-ministro.
Mais do que a discussão em torno do número mágico, confesso que me preocupa a terapia que será escolhida.
Num tempo em que o desemprego regista taxas elevadas, atingindo mais de 400.000 portugueses, prevendo-se que continue a crescer, é bem provável que estejamos sentados sobre um barril de pólvora.
Falamos de 400.000 dramas pessoais. Falamos de tantos que se vêem abandonados. Falamos de muitos casos de gente com extrema dificuldade em encontrar emprego, falamos de casos desesperados.
Avançar com medidas como a redução do tempo de duração do subsídio de desemprego assim como a diminuição de outros apoios sociais, nestes dias, pode deixar muitos sem o único rendimento, pode deixar muitos completamente desprotegidos, pode equivaler a incendiar o rastilho!

2005-05-22

 

VENHA DAÍ UM AMIGO PARA AS FINANÇAS

Jorge Coelho foi a Faro apresentar a candidatura de José Apolinário à presidencia da Câmara local, defendendo que "chegou a hora de ter um amigo em Faro".
Feita a apresentação do candidato, Coelho não esqueceu o que verdadeiramente ali o trazia. Em estilo muito próprio, explorando os limites dos décibeis, mão agitada no ar, prometeu (ignora-se com que autoridade) novo Hospital para Faro e scut's sem portagens na via do Infante.
Trata-se, evidentemente, da resposta do aparelho socialista (que controla) à ameaça de Campos e Cunha.
Imagino que Jorge Coelho também pense que chegou a hora de ter "um amigo" nas Finanças, um "amigo" que perceba melhor as necessidades do partido, um "amigo" que não crie problemas, que saiba manter as coisas em saudável "banho-maria", pois que as eleições autárquicas estão aí e há muita rapaziada "amiga" para colocar.
Aguardemos, com expectativa, a posição de José Sócrates.

2005-05-21

 
Vale bem a pena visitar o blogue de Jorge Neto Africanidades lêr os textos, correr o blogue e ver as magnificas fotografias da Guiné. E por falar em belas fotografias o Lisbon Photos justifica determo-nos ante as imagens da cidade, João P. traz para o seu blogue instantâneos da urbe sedutora, Lisboa no seu melhor.

2005-05-20

 

TIT FOR TAT

Eis um episódio e outro ainda da imensa telenovela que por aí vem...

 

OS SENHORES DO 24


Capa da revista "Time" 22 Julho 1946

Em viagem Porto/Lisboa a rádio por companhia. Ao contrário do habitual não deixei a TSF aos primeiros sinais do "fórum". Acompanhei algumas das intervenções: falava-se do desemprego.
Entretanto, surge uma criatura que se apresenta como "médico e agricultor". Exibindo um português de pacotilha, enrolou umas frases imperceptiveis deixando, contudo, claro ao que vinha. Começou por criticar "essa gente" que em 31 anos arruinou o país (presumindo-se que o brilhante comentador entenda que o país era grande e rico antes de 1974).
Explicou depois que tinha 48 anos e que era de direita "da direita da direita" - precisou, como se fosse necessário. Por ali continuou a perorar num alarde de ignorância e lamentável saudosismo por uma realidade que ... não existiu.
Não é o primeiro tonto, nem sequer será o último. Vêm lá do fundo do baú congelaram o calendário no dia 24. Sabem pouco da história do seu país, espumam ódio, e espantosamente parecem acreditar em fantasmas e em fantasias.
Têm, evidentemente, o direito à sua opinião. Têm, obviamente, o direito de expressar as suas ideias. Devem essa liberdade ao regime que gostariam que não existisse.

2005-05-18

 

"PIANO MAN"

Uma estória estranha ocupa a imprensa britânica.
No dia 7 de Abril, um homem, bem vestido, foi encontrado a vaguear pela praia em Medway. Nada de especial não fora o facto de se encontrar completamente encharcado e desorientado. Levado de imediato para o hospital, desde então não disse uma palavra, esconde-se, exibindo uma timidez fora do comum. Um destes dias, uma enfermeira entregou-lhe um bloco de apontamentos, na esperança de um contacto, de um sinal. O homem pegou no bloco, na caneta, começou a desenhar lentamente os contornos de um piano, ao fim de poucos minutos estava ali representado o instrumento da sua libertação. Um médico, impressionado pela exactidão, pela beleza do desenho, levou-o pela mão, sentou-o ao piano. Durante duas horas, aquele estranho e silencioso homem foi outro. Transportado para o seu mundo, fez das teclas as suas cordas vocais, durante minutos falou pela música, na ponta dos dedos a sua eloquência, exibindo uma destreza e uma qualidade raras.
No final, remeteu-se novamente ao silêncio, ao seu silêncio.
Há dias que os jornais e as televisões mostram a sua fotografia, uma linha telefónica especial for criada, na expectativa de identificar o homem que enigmaticamente é identificado como o "piano man". Até ao momento, ninguém foi capaz de explicar quem é, o que fez, de onde veio.
Nestes tempos de permanente vigilância, nestes tempos de câmaras em todo o lado, de telemóveis, vias verdes, cartões de crédito, tudo passivel de reconstruir o rasto de qualquer mortal, eis o homem que resiste silenciosamente (involuntariamente), eis o homem que chega de lado nenhum.
Há nesta estória o mistério da diferença, a suspensão da realidade. Há nesta estória uma convocatória para os nossos dramas e misérias colectivos, trazendo-nos para a amada pátria, que ao contrário do "piano man" sabe bem de onde vem, sabe bem quais as suas raízes. Todavia, todos nós enquanto nação, partilhamos com aquele homem um pedaço do surreal: estamos todos (atarefadíssimos), sentados à espera de Godot...

2005-05-16

 

HÁBITOS ANTIGOS, DESGRAÇAS PERMANENTES

Os semblantes apresentam-se, compreensivelmente, fechados. O país acorda uma vez mais para o pesadelo permanente em que se transformou esta nossa triste existência colectiva.
Numa aparição recorrente aí anda de novo (cada vez mais anafado) o défice. Nele, a exibição da nossa estúpida e desgraçada incapacidade para governarmos a casa, a nossa casinha.
Num estranho hábito, persistimos em varrer o lixo para debaixo do tapete, volta não volta vendem-se umas pratas, umas mobilias antigas, compra-se um tapete mais resistente, aumenta-se a ilusão.
Haverá o dia em que o lixo acumulado garantirá a força da sua presença, impedirá qualquer esforço de alucinação, gritar-nos-á o opróbio da sua existência. Aparecer-nos-á vestido de número, numa exuberante fatiota de cores berrantes em forma de sete.
Braços caídos, no desespero dos falidos, talvez então nos ocorra a lembrança dos garbosos defensores do tesouro, os excelsos e tão gabados artífices dessa extraordinária manobra de "recuperação" das finanças. Talvez então nos ocorra pedir contas a esses excelentes personagens.
No final, seremos sempre confrontados com a força dos hábitos antigos, as nossas permanentes desgraças!

2005-05-15

 

TELHADOS DE VIDRO (corrigido)

Enquanto o senhor Portas se encontra (em recato) procurando formar uma opinião (logo ele que tanto gostou de vestir a pele do Torquemada da política portuguesa, apresentando-se de dedo em riste, com vozinha afectada, com escritos ofendidos em editoriais à direita, logo ele que garantia – sem rir – estar ali no seu partido a fina-flor da competência e do rigor), enquanto nos recordamos da promessa de combate aos interesses que Luís Guedes (com ar sério) havia prometido no Ministério do Ambiente, será interessante determo-nos na enigmática frase do senhor Telmo Correia quando garantiu que se fosse hoje não teria assinado o despacho polémico. Ora, na sua candura de menino em fuga ante o perigo, o que o senhor Telmo nos disse permite uma de duas conclusões (acaso as duas): o senhor assinava de cruz o que lhe pediam, ou lamenta (apenas) o conhecimento público do despacho em questão.
Em dois anos e meio de presença no “arco da governação” o partido popular deixou-se envolver nestas rocambolescas aventuras que a justiça haverá de esclarecer.
Eis, no seu máximo esplendor a fina-flor que o senhor Portas prometeu.
Atirar pedras aos vizinhos, quando se tem telhados de vidro, é sempre uma prática pouco avisada.

2005-05-13

 

BLOGOSFERA "CORPORATE"

O Grupo Piaggio acaba de criar um blogue (com início efectivo em Junho), tendo para o efeito seleccionado quatro bloggers que escreverão sobre estilos de vida associados aos produtos. A empresa refere que os autores dos textos não serão pagos, apenas receberão material promocional, acesso aos eventos organizados pela marca e informação.
Entretanto, noutro registo, foi criado um blogue pouco simpático para a Starbucks apresentando como motu: "monitoring America's favorite drug dealer".

2005-05-12

 

A MEMÓRIA, OS DIAS E AS NOTICIAS

Assim, de repende, recordou-se do título de O’Neil, talvez ainda embalado pela imagem de partida e viagem que convoca, talvez até sem razão nenhuma. A verdade é que a ideia lhe andava a bailar desde a manhã: “sigamos o cherne”. Mal dava conta, estava a contas com o título. O mais estranho é que hoje tinha duas frases no cardápio, num despique de atenção e tempo de antena.
Achava estranho conviver com a absoluta ausência de controlo sobre a sua memória, sobre o seu cérebro, aparentemente com agenda própria, que volta não volta, lhe projectava no inconsciente consciente estas coisas desgarradas sem nexo aparente.
Valeria bem tentar perceber por que razão trazia hoje também a piscar-lhe a frase “as coisas estão pretas”. Mas que coisas, diacho? E para quem afinal estariam as coisas pretas?
Para o que haveria um tipo de estar guardado: perder-se em jogos mentais em desafios colocados por si próprio. Pensava já estar em presença de um arriscado e precoce processo de degenerescência mental, coisa difícil de lidar para quem faz da massa cinzenta a única ferramenta útil.
Agarrando-se aos jornais para leituras soltas que esconjurassem esses pensamentos, deteve-se na análise dos casos do dia. Quase instintivamente deu por si a pensar que as coisas estavam pretas para aquela rapaziada. Ainda entusiasmado sentiu despertar em si (aqui entraria o narrador, franzindo o nariz, comentando que estas frases, estas coisas do “despertar em si” e tal, cheira mesmo a textos de muito baixa categoria. E a verdade é que o comentário cairia muito mal, e o personagem - homem de conhecidos maus figados - era bem capaz de se sentir ofendido, era bem capaz de perguntar se o narrador percebe de cheiros de palavras, e o personagem já com voz de ameaça: “cuidadinho ó menino” em aviso pedagógico, e já recuperando a respiração: “ai a minha vida!”). Sigamos em frente, sigamos o cherne, que a estória que aqui estava a ser contada não era para ser estragada com pequenas tricas, com tiques de “prima dona” de narradores e personagens que mal agradecidos, são convidados para abrilhantar uma prosa sem assunto e estragam tudo, podiam bem fingir umas simpatias, umas urbanidades e vai na volta engalfinham-se desta maneira, estão aqui estão a dizer que se soubessem o que sabem hoje não tinham assinado o convite para estar aqui em cavaqueira com o dono (que termo bonito: o dono. Assim mesmo: a posse claramente enunciada) deste blogue. Capazes de dizer que assinaram o convite com boa-fé, capazes de insinuar que não sabiam de nada, que quiseram apenas ser simpáticos ao aceitar o convite. E com tudo isto ainda era bem capaz de aparecer por aí o antigo primeiro a dizer que ele então é que não sabia de nada, nada mesmo, façam lá o favor de ir bater a outra porta que ele não sabe de nada (eramos nós até capazes de dizer que não sabe nada de nada).
E o personagem já a saír, ainda fulo, ainda a pensar que as coisas estão mesmo pretas, ainda a pensar que vale a pena seguir a onda, ver o que isto nos há-de trazer.

2005-05-10

 

E DEPOIS DO ADEUS (II)

Mais um dia cinzento, pensaria ao abrir a sua janela pela fresquinha. Gostava pouco dos dias cinzentos, cor estranha nem peixe, nem carne.
Cinzento - a própria palavra era angulosa, seca, cheia de espinhos, lembrando figuras baças, sem brilho, repetições entediantes de outras pouco originais criaturas. Pudesse dar uma imagem a essa coloração e convocaria um desses curiosos “clones” vindos do fundo do baú, daqueles que ajeitam os óculos em ademanes lentos e estudados, daqueles que incapazes de uma decisão, de uma opinião, se protegem com frases enigmáticas e poses graves, recordando a história (a sua história) deixando no ar uma suspeita da importância de nomes “sonantes“ que só a sua ingénua imaginação poderia criar.
Trazem agarrado o cheiro a bafio dos tempos em que o céu se vestia permanentemente de chumbo. Contam a história que julgam brilhante de simples amanuenses deslumbrados, guindados ao patamar de grandes servidores da pátria em delirantes ficções, cultivadas ao longo de gerações.
Faziam parte da equipa de minúsculos e úteis capatazes, cumpriam, diligentemente, um papel no pequeno teatro rural em que o país há muito se transformara, actores menores num jogo de sombras manipulado à distância.
Era-lhes atribuido o gozo de uma ilusão, experimentavam uma estranha felicidade quando cultivavam a distância com o “povo”, num faz-de-conta em que acreditavam, não fosse alguém derrapar numa intimidade embaraçosa, não fosse alguém colocar questões ou dúvidas coisa que desconheciam, habituados a não questionar, eles que eram filhos dilectos da máxima “a pátria não se discute”, forma outra de dizer: nada se discute, dizemo-lo nós que sabemos que o universo está em equilibrio, que sabemos que esta é a fórmula mágica da vidinha, agradeçamos todos em silêncio recatado esta benção.
Suspiram ainda pelos tempos em que julgavam brilhar o baço da sua esperteza saloia, vergados, com orgulho, ante os senhores que “lá em cima velavam por nós”. Suspiram pelos tempos em que o “silêncio era de ouro”, tempos em que o “povo” sabia de ciência certa que mandar era tão difícil que agradeciam obedecer. E esses que “lá em cima velavam por nós” a aceitarem, por uma vez, o lamento vindo daqueles que sempre desprezaram: bons tempos em que bastavam uns quantos feitores para gerir a propriedade em seu nome.
A pátria constituia, aliás, para os que “lá em cima velavam por nós” uma curiosa mistificação. Na sua acanhada visão do mundo a nação surgia como uma espécie de quinta oferecida pela providência divina a uns poucos. Olham agora a vida com o desalento de quem observa os muros destruídos de uma propriedade sua. Estranham a falta dessa construção confortável que lhes protegia os dias. Nos muros, todos os muros, encontraram sempre o seu horizonte calmo, a certeza de um universo pequenino, mas controlável, um mundo em diminutivo, em recato, defendido com a violência necessária.
Estava ainda perdido nestes pensamentos, quando se apercebeu que, entretanto, o sol havia rompido, impondo todo o seu esplendor, emprestando àquele dia uma outra cor, uma outra beleza, capaz de lhe dar um ânimo maior para enfrentar mais uma etapa.

2005-05-09

 

SINAL DOS TEMPOS

O Barcelona prepara-se para pôr fim à tradição (com 106 anos) de não ter publicidade nas suas camisolas. A fazer fé na edição de hoje do Jornal de Negócios, o clube encontra-se em fase adiantada de negociação com ... o governo de Pequim. Fala-se de valores na ordem dos 27 milhões de Euro por época.
É difícil resistir a um negócio da China...

2005-05-08

 

BELÉM E OEIRAS

Durante este fim-de-semana surgiu na imprensa, com algum destaque, o nome de Maria de Belém como eventual candidata do PS à Câmara de Oeiras.
Hoje, Belém confirmou o convite - exibindo uma evidente falta de entusiasmo - afirmando que vai ponderar (com calma), sendo certo que não esquece o seu compromisso como deputada.
Caso Maria de Belém recuse, dificilmente alguém com peso político aceitará desempenhar um papel notoria e publicamente de segunda escolha.
Jorge Coelho não é ingénuo, muito longe disso. Por esse motivo não se compreende que tenha sido anunciado um convite sem que haja a certeza da sua aceitação ou, sequer, que este seja estimulante para a convidada.
A não ser, claro, que exista uma declarada intenção de fazer crer que foi tentada a melhor solução, sem sucesso, justificando uma candidatura socialista secundária, alimentando a luta de Isaltino com o PSD, o que a ser verdade seria lamentável e perigoso para o PS.

2005-05-07

 

ZELO E GREVE

Conta a última edição do jornal Expresso que os “Juízes vão iniciar uma espécie de greve de zelo em protesto contra a redução das férias judiciais”. Parece-me bem. Aliás, bem vistas as coisas, talvez fosse esta a única lacuna no rol de extraordinárias ocorrências tão comuns neste nosso cantinho.
Num país que já assistiu à greve de um Governo, por que razão não haveriam os excelsos juízes experimentar essa vertigem, esse gosto, ainda que numa versão mais contida?
Move-os o combate à óbvia perseguição a uma classe tão desprotegida, materializada na redução das suas férias (já de si diminutas). Veja-se que mal representam 21% do ano, pois que os dois meses e meio valem isso mesmo: 21% do ano - uma miséria!
Pelo que conta o mesmo semanário, esta decisão dos senhores juízes encontrará eco no Ministério Público e nos senhores funcionários judiciais.
Evidentemente, compreendemos todos que estas decisões foram tomadas tendo como objectivo único uma mais rápida e célere Justiça. Evidentemente, compreendemos todos que a Justiça sairá muito dignificada neste processo. Evidentemente, compreendemos todos que não há aqui o mais ligeiro, o mais pequeno, o mais ténue exemplo de corporativismo.

2005-05-06

 

PROVA DOS NOVE

É de louvar a recente decisão de Marques Mendes relativamente à candidatura autárquica do senhor Valentim Loureiro, sobretudo, por ter sido frontal assumindo tratar-se de uma decisão política. Já anteriormente tinha estado bem no caso de Santana Lopes e Isaltino Morais. Saúda-se esta postura e aguarda-se, com expectativa, a sua continuação.
Entretanto, Isaltino e Valentim afirmaram (ameaçaram?) que iriam avançar com uma candidatura independente. Se tal se verificar será uma excelente oportunidade para podermos aferir até que ponto os portugueses (pelo menos a amostra constituída pelos residentes em Oeiras e Gondomar) estão verdadeiramente interessados em mudar a política e os políticos desta estirpe. Qualquer voto nestes senhores não terá a estafada justificação da disciplina partidária. Qualquer voto nestes senhores será a consciente e convicta afirmação de apoio à sua acção e à sua personalidade. Em Outubro teremos, pois, esta prova dos nove.

 

CONVERSAS NA RÁDIO

Em viagem Lisboa/Porto já para o tarde, selecciono a companhia da rádio, procurando saber o destino do Sporting (como representante das equipas portuguesas nas competições europeias). Inevitavelmente, a opção TSF, por infelicidade estava lá o inefável Perestrelo. A sua solicitação: “peço aos serviços técnicos da TSF para me retirarem o eco”, continua o relato e repete uma e outra vez o pedido, justificando a entrada no ar do “pivot”: “Jorge, se fosse possível já tinha sido retirado”.
Um pouco mais tarde, Perestrelo pede o comentário a um tal Pedro Gomes, segue-se um silêncio, e de repente o bom do Gomes justificando: “não estava aqui”, claro, percebemos todos que não estava, mas o homem explica melhor: “fui fazer uma necessidade”, o Perestrelo que não é de modas, logo lhe respondeu: “também ía, mas não posso”.
Dava vontade de dizer: “não se incomodem por estarmos a ouvir, peçam lá umas cervejas, contem umas graçolas, estejam à vossa vontade”.

2005-05-05

 
José Pacheco Pereira de parabéns pelos 2 anos do ABRUPTO.

2005-05-03

 

UM SERÃO PORTUGUÊS

O homem surgiu no ecrã envergando um casaco amarrotado em tons azul bebé. Ligeiramente curvado (acusando o peso da responsabilidade) acompanhou o repórter em visita guiada ao imenso estaleiro de obras inacabadas em que se transformou a capital. Assegurou que sim, que estima muito o senhor primeiro-ministro, é seu amigo, conhece-lhe a inteligência, sabe-o muito esperto, “sabe-a toda” diria o telespectador, acompanhando em casa o espectáculo televisivo, chamando já a “esposa”, gritando: “Maria, anda cá ver este gajo, olha o pintas de azulinho” e a Maria ainda esfregando as mãos ao pano providencial que a acompanha quase como se fosse um apêndice, e a Maria de olhinho regalado ensaiando um gesto carinhoso, cuidando uma atenção: “coitado do senhor, vê bem como anda ali nas obras de casaco amarrotado, coitadinho”.
E ele que continua, garante que vai mudar de vida, enfim, as coisas são o que são, é natural que um primeiro-ministro conheça muita gente, “em África, na Europa”, por aí, e que conhecendo tanta gente, tão importante, possa ser muito útil a uma empresa financeira.
E o marido que lhe diz: “ó filha, mas tu não vês que o pintas anda por aí?”, e ela que responde: “coitadinho, andando por aí, aos caídos, sem um tecto” e uma lágrima emotiva que desperta, que descobre o cantinho do olho, que ela limpa num gesto comovido.
E ele que diz - pela primeira vez, observa o repórter – que talvez não se candidate a Presidente, não que lhe falte o perfil, nada disso, apenas porque - está visto - aquela gente nova lá no partido não gosta muito dele e isso, sabemo-lo todos, chateia, é desagradável.
E a esposa: “custa-me muito vêr o senhor que foi tão importante a sofrer tanto, ai Jesus, que vida a dele, valha-me Deus”.
E ele, esfregando as mãozinhas explicando, contando, que voltará a advogar, a dar aulas, por aí.
E o marido incomodado, “raios partam esta treta, pá”, amarrotando o jornal, verberando esse mafarrico vivo, esse invejoso que não tem vergonha, essa besta doida, esse Couceiro, que julga ser ainda possivel “limpar” o campeonato ao seu Glorioso, camandro!

2005-05-02

 

NA GALHOFA: A VERDADE

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A equipa de spin doctors do senhor George Bush decidiu criar um momento de galhofa numa tentativa de garantir uns momentos adicionais de cobertura televisiva positiva.
No jantar de gala dos correspondentes na Casa Branca o discurso do Presidente foi interrompido pela sua mulher, que desempenhou razoavelmente o papel que lhe destinaram de “esposa com ironia".
Neste espectáculo demasiado óbvio com algumas graçolas pouco inspiradas, sobrou um interessante comentário à senhora sua sogra, mas sobretudo uma extraordinária observação quando (mencionando o hábito do Presidente de resolver todos os problemas do seu rancho texano fazendo uso da serra mecânica) disse: “deve ser por isso que se dá tão bem com Cheney e Rumsfeld”.
Exactamente senhora D. Laura, ninguém diria melhor!

2005-05-01

 

BLOGOSFERA EFERVESCENTE

Movidos pela discussão em torno do referendo, os franceses terão descoberto a blogosfera. De facto, têm sido inumeros os blogues criados por partidários do “não” e do “sim”. Como não poderia deixar de ser em terras gaulesas, as discussões têm sido dominadas pelas teorias de conspiração. Para que conste, estas parecem ser as mais populares (do "sim" e do "não"):
1- A administração Bush deseja que a Europa adopte a Constituição por que desta forma os Estados-Nação serão liquidados e permitindo que Washington lide com uma Europa mais dócil.
2- Washington está secretamente a financiar a campanha do “não” por que deseja arrasar as intenções europeias de criar uma política externa comum que pudesse rivalizar com os Estados Unidos.
Aparentemente a blogosfera tem atraído mais partidários do “não”, a tal ponto que Jack Lang julgou necessário lançar um alerta para este facto. Entretanto, o UMP do senhor Sarkozy criou um sítio para que os seus membros criem o seu próprio blogue. A coisa está quente e interessante e merece acompanhamento. Vale bem a pena visitar dois sitios, entretanto criados por socialistas nos dois campos, este a favor do “não” e este outro de Strauss-Kahn a favor do “sim”.

Entretanto, num outro registo, o senhor Jonathan Schwartz, presidente da Sun Microsystems* pode bem ser considerado um dos mais populares CEO na blogosfera. Na verdade, o seu blogue recebe cerca de 30.000 visitas por dia. O senhor Schwartz é já conhecido pela sua devoção à blogosfera tendo mesmo declarado ao Wall Street Journal não compreender por que não há mais CEO com blogues, na sua opinião “afirmar que não há tempo para o blogue é iludir-se, dado que o imperativo número um de qualquer gestor sénior é comunicar”.
Concordo!

*A Sun Microsystms desenvolveu um suporte para a blogosfera e incentiva os seus colaboradores a criar o seu próprio blogue. Já são cerca de 1.000, os funcionários da empresa na blogosfera.

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