2005-10-31

 

ALEGRE CAMINHADA

Ele não tinha mais dúvidas, havia decidido: mal chegassem as primeiras chuvas do outono, sairia para a rua sem um resguardo, sem uma protecção.
Ei-lo já na cidade acolhendo a precipitação das gotas de água. Comporta-se como se estivesse celebrando o grande momento, caminhando, confiante, por entre a multidão encolhida, receosa, escondida da chuva.
Pudéssemos agora interromper a sua marcha, questioná-lo, tentar entender as causas para a sua atitude, não nos responderia e não por soberba ou excessiva concentração, mas por ignorar o que dizer.
Deixemo-nos destas indagações, como se tudo tivesse uma explicação, como se a vida fosse tão formatada que admitisse uma ementa de causas e efeitos. Observemo-lo apenas. Parece trazer consigo um arco-íris imaginário em vivo contraste com os tons cinza ao seu redor. Está encharcado, a roupa colada ao corpo, desconfortável e, no entanto, dir-se-ia que feliz. Não parece carregar o peso de uma obrigação, o seu olhar não sugere resignação, antes confiança e vivacidade.
Seguimo-lo como se uma câmara, como se uma filmagem, no registo da sua jornada.
Veja-se que não já sozinho, veja-se que outros percorrem o mesmo caminho a seu lado.
A chuva caindo com mais intensidade e eles parecendo vogar, num rio imenso que ali mesmo estivessem formando - um rio de vida talvez pudéssemos dizer observando a forma como a terra sedenta os acolhe, abrindo-lhes os braços num amplexo fundador.
E o rio que parece um mar, tantos os que se juntaram, tantos os que seguem a mesma direcção.
Vamos todos partilhando a descoberta desta sensação libertadora. Sob esta chuva, fazemos, orgulhosamente, a caminhada maior.

2005-10-28

 

SONHOS E PESADELOS

Cavaco Silva foi ao Porto anunciar o seu manifesto. Ante uma plateia embevecida, resumiu, numa promessa, o conteúdo da sua longa comunicação: se for eleito cooperará com os Governos (todos os Governos) “no estrito respeito pelas funções presidenciais definidas pela Constituição”. Apesar de óbvia (não poderia, seguramente, anunciar outros intentos que não estes) fica-lhe bem esta definição.
Contudo, para além da formulação teórica, sobram os reveladores desejos do candidato esboçando as suas verdadeiras intenções. Na interpretação do que considera o seu “sonho”, Cavaco pretende um “Portugal maior”, angustia-se com a falta de competitividade do país e deseja ter uma “intervenção activa” na inversão deste indigente percurso. Não é difícil imaginar o que entenderá por “intervenção activa”, nem tão-pouco quais os seus resultados.
Cavaco Silva sente saudades dos tempos em que foi primeiro-ministro quando (são suas as palavras) “nos aproximámos de Espanha”, deixando no ar a sensação de que depois de si foi o diluvio. Esquece, evidentemente, que o “dilúvio” nunca verdadeiramente deixou de existir, manifestando-se com clareza durante o seu consulado.
O passado constituirá, de resto, a marca desta candidatura. Cavaco será incensado como "o grande primeiro-ministro", recordar-se-á um tempo purificado, descrito como se um mar de rosas, desfilando obras muitas, realizações várias, imagem de dinamismo e execução. Depoimentos emocionados lembrarão a sua “competência” e “capacidade de realização”, saudando o seu regresso salvador. Muitos abraçarão entusiasticamente a sua candidatura como uma oportunidade de correcção das eleições legislativas do passado dia 20 Fevereiro.
Não é estranho, portanto, que Cavaco Silva tenha apresentado uma espécie de programa de Governo alternativo. A coberto de um putativo respeito pelo cumprimento das “funções presidenciais definidas pela Constituição” encarregou-se de enunciar intenções executivas apelidando-as (eufemisticamente) de “sonhos”. Acontece apenas que estes “sonhos” (a sua aplicação) transformar-se-iam, seguramente, no nosso pesadelo colectivo.

2005-10-27

 

RUA DA JUDIARIA

Seguramente um dos blogues mais interessantes da blogosfera, A Rua da Judiaria comemora hoje o seu segundo aniversário. Parabéns ao Nuno Guerreiro.
 

VALE A PENA LER...

...este texto de José Teófilo Duarte.
 

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...para esta coluna.

2005-10-26

 

EQUÍVOCO

Mário Soares decidiu apresentar ontem o seu “manifesto”. Na sala do Ritz, pretendeu “comunicar” aos portugueses as suas ideias.
Aparentemente, Soares sabe que os portugueses o conhecem, isso basta-lhe para se sentir confortável na justificação de que o aviso “basta” deixou de ter efeito “porque as circunstâncias mudaram, os desafios – numa União Europeia à deriva e sem rumo seguro – tornaram-se mais perigosos” o que, convenhamos, não é explicação suficiente e não altera a sua lúcida análise, há um ano apenas, quando justificou com argumentos cristalinos, por que não poderia, nem deveria, candidatar-se de novo à Presidência da República.
Aparentemente, Soares sabe que os portugueses o conhecem, isso basta-lhe para apresentar duas razões (fortes, no seu entender) para a candidatura: deseja ser “ouvidor” dos seus compatriotas e, sobretudo, deseja que eles (nós todos) durmam descansados. Ora, todos aqueles que anseiam um ombro amigo para desabafar e que estimam uma noite bem dormida, ficar-lhe-ão gratos e mesmo sensibilizados com a ternura. Sucede, contudo, que estas pretensões benfazejas soam escassas como razões para uma campanha presidencial.
Soares esforçou-se, procurou justificar o injustificável, julgou ter encontrado uma forma de "relançar" a sua campanha tentando captar o entusiasmo do país (que manifestamente não encontra razões suficientes para tal). Todavia, estes exercícios imaginativos e vácuos, não conseguem anular a terrível sensação de equívoco que esta candidatura suscita.

P.S. Muito deselegante a notícia (comentário?) “Confusões do candidato”, publicada no jornal “Público”. A recolha dos lapsos ou esquecimentos de Mário Soares (aliás, perfeitamente normais) e a interpretação que os jornalistas lhe dão, pretende apenas diminuir Soares pela sua idade. Lamentável.

 

SURPREENDENTE

Nas últimas semanas, nenhum membro do Governo publicou artigos de opinião na imprensa.

2005-10-25

 

1755

A rádio no seu máximo esplendor chega-nos pela voz de Fernando Alves na TSF, para além dos Sinais, a excepcional série sobre o terramoto de 1755 é do melhor que se faz (fez) no éter.
Vale, também, a pena ver o terramoto de 1755 nos simuladores e nos textos de quem sabe, no blogue A Foz.

2005-10-24

 

É FAZER AS CONTAS...

Neste fim-de-semana das notícias foi apresentado o último “ranking” das escolas secundárias portuguesas. Uma vez mais, os títulos alarves: “ensino privado vence o público”. Uma vez mais, a simplificaçãozinha acéfala, procurando denegrir o ensino público como se uma excrescência a eliminar.
Permita-se uma simples análise (entre as muitas possíveis), utilizando os dados do Expresso. Veja-se apenas o caso da escola pública e privada com melhor classificação em Lisboa, Porto e Coimbra (em parêntesis a posição da escola na lista):

Lisboa
(2º) Colégio S. João de Brito – privado – nº exames: 329
(9º) Escola Secundária José Gomes Ferreira – público - nº exames: 767

Porto
(1º) Colégio Luso-Francês – privado - nº exames: 203
(12º) Escola Secundária Garcia de Orta – público - nº exames: 1010

Coimbra
(10º) Escola Secundária Infanta D. Maria – público - nº exames: 625
(11º) Colégio Rainha Santa Isabel – privado - nº exames: 256

A discrepância entre o número de exames efectuados no público e no privado é abissal. Agora imagine-se que em Lisboa se calculavam apenas as médias dos melhores 329 exames na Escola Sec. José Gomes Ferreira; no Porto os melhores 203 exames da Escola Sec. Garcia de Orta, (em Coimbra, a melhor escola pública, apesar de ter efectuado um número de exames superior ao dobro da privada mais bem classificada, registou melhores resultados). De facto, é só fazer as contas...

P.S. Valeria a pena seguir a proposta aqui apresentada (via Crackdown).

2005-10-23

 

A COR DO DINHEIRO

A direita norte-americana tem no canal televisivo Fox News o seu poiso habitual. Naquela estação, os distintos conservadores encontram o descanso das notícias “correctas”, devidamente enquadradas com os seus interesses. O canal exibe uma ideia de mundo a preto e branco, pautando-se pelo maniqueísmo, dividindo o planeta entre os bons e os mafarricos "esquerdistas". Coisa para confortar espíritos habituados a estranhas formatações.
A máquina funciona na perfeição e permite ao seu proprietário, o senhor Rupert Murdoch, amealhar simpáticos lucros no final de cada ano fiscal.
Esta comprovada fórmula de sucesso admite diversas adaptações em nome de valores maiores, conforme se pode ler na reveladora estória contada no recente livro de James McGregor (One billion customers: lessons from the front lines of doing business in China). Ali, é relatado o percalço do senhor Murdoch que, entusiasmado, disse num discurso: “os avanços nas tecnologias de comunicação provaram ser uma forte ameaça aos regimes totalitários”. Sucede que Rupert Murdoch tinha adquirido uma estação televisiva em Hong Kong (Star TV) que emitia para toda a China. Os chineses, não gostaram das palavras do empresário australiano (vá-se lá saber por que razão...) e decretaram, em retaliação, a proibição da posse privada de antenas satélite. Murdoch iniciou, então, um longo calvário pelos corredores do poder chinês, procurando, sem sucesso, inverter a decisão (ruinosa para o seu investimento). Quatro anos depois, o presidente chinês, Jiang Zemin, tinha prevista uma visita oficial aos Estados Unidos, não sendo desagradável garantir uma cobertura mediática “correcta”. Eis, pois, a solução encontrada: Murdoch garantia, na Fox News, a providencial “correcção” das noticias, em contrapartida, era anulada a proibição relativamente à posse de antenas para captar sinal de satélite.
Evidentemente, tudo correu pelo melhor nesse longínquo ano de 1998. As autoridades comunistas e o empresário de “direita” entenderam-se lindamente. Estivesse por perto o senhor James Carvile para esclarecer: “it’s the economics, stupid”. Elementar.

 

APOIO

...abnegadamente

2005-10-20

 

DAS ILUSÕES

No dia de todas as candidaturas, sobra a promessa desconcertante: David Copperfield garante que engravidará uma rapariga sem lhe tocar.
Assim, sem mais delongas, o mágico almejará, pela mão desta improvável concepção, a entrada num território Divino. Fá-lo-á através da sinuosa estrada da manipulação e do espectáculo, no grande jogo da ilusão. Não admira que assim seja. Nestes tempos em que as respostas escasseiam (ou não satisfazem), o apelo, ou a presuntiva convivência, com uma Autoridade maior garante atenções, colhe frutos. Pouco importa se fantástica, pouco importa se irreal, vale sobretudo pelo voo momentâneo, acima da existência e de um quotidiano que não satisfaz. A ilusão encontra no público carente do engodo, sedento da quimera, o seu terreno fértil.
Nada, afinal, que se ignore nos "grupos de reflexão" que apoiam o candidato. Ao longo dos próximos dias continuar-se-á a imaculada construção de um mito salvador, do homem que se dispõe a salvar-nos, partilhando o seu halo celestial.
Haverá, certamente, quem acredite, tal como não faltará quem dê crédito à promessa de Copperfield...

2005-10-18

 

SINAL DOS TEMPOS

O homem que fazia gala em dizer que não lia jornais, o político que teima fazer crer que não o é, fez anunciar (ainda mesmo antes de confirmar a sua candidatura à Presidência da República) ter contratado uma agência de imagem para o assessorar.

 

MISERÁVEL

Os recentes desenvolvimentos justificam que se refira, de novo, o caso da cartelização de preços dos medicamentos.
Ante tão abominável episódio é difícil seleccionar o mais miserável: se a desprezível atitude das cinco empresas farmacêuticas, se o putativo envolvimento da APIFARMA, se o incompreensivel comportamento das administrações hospitalares que não acharam estranha a repetida apresentação de preços idênticos (com a excepção de Coimbra que denunciou este caso).
Todos pareciam achar-se bem neste caldo pútrido. Não admira: não sentiam directamente os efeitos negativos do conluio nefando, mas apenas os doces resultados financeiros (sem grandes esforços) e por eles tudo se justificava. Eis um exemplo rasteiro da total ausência de princípios, de honestidade, de ética, de interesse pela sociedade.
Aguarda-se, com expectativa, os comentários e observações das Associações Empresariais a propósito desta prática perversa.
Salva-se, entretanto, a Autoridade da Concorrência que soube actuar de forma dura e firme.

2005-10-17

 

MEDICINA NA BLOGOSFERA

O Wall Street Journal dedicou uma página da edição deste fim-de-semana à visível e significativa adesão de médicos e enfermeiros à blogosfera. Entre blogues vocacionados para a partilha dos mais recentes estudos, ou mesmo aqueles que promovem a interacção com os leitores (respondendo a algumas das suas questões), destaca-se o exemplo de Robert Centor. O senhor Centor é professor catedrático e director do centro de medicina interna da universidade de Alabama e decidiu criar o seu blogue com objectivos mais vastos, promovendo a aprendizagem. O mais curioso reside no facto de ser possível, aos médicos, adquirir créditos de educação contínua simplesmente através da sua leitura.
Em Portugal já existem vários exemplos de médicos na blogosfera, sendo o Desabafos de um Médico um dos mais interessantes. Ali é relatado o outro lado dos hospitais e centros de saúde de uma forma estimulante. Merece visita e leitura atenta.

2005-10-16

 

O ACASO E O OCASO

Desculpe-se a banalidade do título, para estórias tão interessantes.
O acaso foi contado pelo Jornal do Fundão e teve lugar nas faldas da Serra, em Manteigas. Ali, o candidato do PS anda inconsolável. Esmeraldo Carvalhinho sente que materializou o receio maior dos garbosos gauleses criados por Uderzo e Gosciny: caiu-lhe o céu na cabeça.
Nem outra poderia ser a interpretação de quem tinha a eleição praticamente ganha, certinho já o lugar de Presidente da Câmara, aceitando os cumprimentos e felicitações enquanto aguardava a certeza dos números - é só fazer as contas - e perde … por um voto. Nem mais, um voto! Repita por favor, não pode ser. Seja, façam lá as continhas. Somas bem calculadas, papelinhos contados. Um voto!
Assim, sem grandes explicações, o de Manteigas perdeu o lugar por um voto. Caramba, que parece bruxedo - poderia muito bem ter dito, fosse Carvalhinho homem dado a desabafos esotéricos.
Mas não terminaria ali a noite aziaga. Pouco depois, chegaria o senhor Albino Leitão, destacado elemento da sua equipa, desculpando-se pelo atraso, pois que tinha ido votar à cidade onde estava recenseado … Viseu. Eis que ali estava o improvável culpado pela derrota da sua própria lista.
O senhor Carvalhinho, aflito por necessidades tamanhas, afastou-se para lugar mais recatado e terá soltado, a plenos pulmões, os impropérios que se impunham.
Acasos, dir-se-ia, observando o infortúnio à distância.
O ocaso - imagem que se aplicará para a elegante estória de faca e de alguidar contada pelo muito bem informado Notas Verbais, numa saga a que chamou “mulher arranha”.
A coisa passou-se nos corredores de fina alcatifa em Estrasburgo. A senhora assessora do secretário de Estado dos Assuntos Europeus, irrompeu pela sala, na importância dos seus passos. Um diplomata (português) barrou-lhe o caminho: alto lá, que a senhora só poderá entrar na Assembleia Parlamentar depois do discurso do Secretário de Estado. Que é lá isso? (terá pensado a assessora). Entre um distinto empurrão, e um aprimorado conjunto de palavrinhas (que fariam corar qualquer frequentador assíduo do cais do sodré), a senhora assessora arranhou, de forma gentil e asseada, a face do diplomata, garantindo-lhe um muito nobre e proeminente lanho.
Naturalmente, o caso não passou despercebido à imprensa local, que não se cansou de elogiar os modos chiques e educados dos altos quadros lusos, evidenciando outrossim, o primoroso e notável serviço que ambos prestaram à imagem do país que servem.
Evidentemente, o senhor Carvalhinho não soube da estória. Acaso a soubesse poderia ter oferecido o seu contributo para o ocaso, logo ali em Manteigas…

2005-10-14

 

GANHE COMO EU

BPI propõe despedimento unilateral
 

SAUDANDO O CUMPRIMENTO DO DEVER...

... da Autoridade da Concorrência, valerá a pena tentar perceber como é possível que estas práticas infames, implicando "rombos" milionários nos orçamentos públicos, persistam anos a fio!

2005-10-13

 

DOS CARTAZES E DA CAMPANHA

Depois de mais um alucinante período eleitoral, talvez valha a pena debruçarmo-nos um pouco sobre a vertente de marketing desta campanha, ou, se quisermos, num dos seus sinais visíveis: os cartazes.
Ao longo das últimas semanas todas as localidades portuguesas foram, literalmente, inundadas por cartazes de campanha apelando ao voto. A utilização deste suporte promocional visaria comunicar uma mensagem política, no limite, tornar o candidato (mais) conhecido. Não questionando a bondade do principio, torna-se difícil entender a sua eficácia quando muitos deles entram directamente para o anedotário nacional.
Na verdade, que dizer de cartazes com frases como “Fizemos por si, fazemos por Óis da Ribeira” (1), “com a Lage sempre no coração” (2), “Rôge com + futuro” (3), ou a enigmática expressão “O João pode...” (4). E se nos detivermos no desenho dos cartazes? Para além do inenarrável jogo cromático, para além da exploração dos limites físicos do espaço - teimando colocar mais uma foto de um apoiante, mais um membro da equipa, assegurando que (pelo menos no papel) uma multidão entusiasmada segue o candidato - se observarmos os “arranjos” gráficos, que na ausência da fotografia de um dos membros da equipa se “desenrasca” atribuindo um espaço a um vulto branco (espécie de candidato fantasma) (5). Enfim, se analisarmos a grande maioria dos cartazes utilizados nestas campanhas autárquicas o que nos dizem eles acerca da “capacidade criativa”, do gosto e do eficaz investimento dos recursos (seguramente escassos)?
Infelizmente, dizem-nos muito. Percebemos que não existe, na esmagadora maioria, uma estratégia, ideias fortes que mereçam ser comunicadas, um rumo claro. Fica a sensação de que se produzem cartazes “porque sim”: se outros o fizeram, façamo-lo nós também. Reúne-se uma equipa, “cria-se” um “reclame” que invariavelmente será elogiado pelos criadores extasiados ante a sua criação: “coisa mais linda!”. Constituindo autênticos hinos ao “kitsch” e ao mau gosto, evidentemente, não auguram nada de bom quanto à acção destes autarcas, uma vez eleitos. Poder-se-á, pois, colocar a questão: vale a pena, investir neste tipo de suporte? Ter-se-á conquistado um só voto com estes cartazes? Receio que não.
Note-se que falamos de eleições autárquicas, supostamente aquelas em que os candidatos são conhecidos e estão mais próximos dos eleitores, não lhes sendo difícil contactar directamente com um número substancial de cidadãos. A esse respeito, vale a pena ler os estudos efectuados sobre as campanhas para o congresso norte-americano relatados no recente livro de Michael Burton e Daniel Shea “Campaign Mode: Strategic Vision in Congressional Elections”. Aí surge descrito o interessante caso do senhor Ted Strickland. Concorrendo no Ohio, fez do contacto directo com os votantes um trunfo da sua campanha. Evitando a utilização de suportes dispendiosos, o senhor Strickland conseguiu falar pessoalmente com um terço dos eleitores, tendo alcançando uma vitória esmagadora. Um exemplo, entre muitos, da utilização de meios mais eficazes para comunicar uma mensagem, mais próximos, menos caros.
Nada que nos pareça entusiasmar. Aparentemente, muitas das nossas campanhas são efectuadas através de um estranho processo de mimetismo, que se traduz na própria repetição das mesmas (más) frases, dos mesmos (vazios) conceitos. Aflige observar tanto desperdício, tanta falta de proficiência. Apetece dizer: não havia necessidade!


(1)
(2)
(3)
(4)
(5)

NOTA: Este texto foi hoje publicado na minha coluna no Jornal de Negócios. As imagens foram recolhidas do blogue autárquicas em cartaz

2005-10-12

 

A LESTE DO PARAÍSO

Sócrates reuniu-se com os dirigentes das federações do PS para "analisar" as eleições autárquicas. Todavia, o verdadeiro motivo que levou o líder dos socialistas à reunião era outro: intimar, reclamar o apoio a Soares nas presidenciais.
Percebe-se que desponte já algum desespero. Talvez Sócrates entenda que seja necessário esticar o dedo, admoestando os militantes (visivelmente pouco entusiasmados com a candidatura "oficial" do partido) agora que as sondagens dão sinais do imenso erro da opção Soares.
Mas o "melhor" estaria para vir. Ensaiando uma pose intimista, "abriu o coração" e contou o que considera ter sido "a verdadeira história de Alegre".
Sócrates geriu mal o processo de escolha do candidato, deu mostras de vogar num mar revolto que manifestamente não controlava, acabando abraçado a uma escolha improvável. Com a partilha destes patéticos "momentos intimos", para além de uma insuportável banalidade e deselegância, José Sócrates confirma continuar a ser incapaz de lidar com todo este processo. Mais lhe valia o recato e o silêncio!

 

TEORIA DOS JOGOS

Permitam que saia um pouco do registo habitual. Faço-o para celebrar a atribuição do prémio Nobel da Economia a Aumann e Schellin, mas sobretudo a distinção a um corpo teórico fundamental: a teoria dos jogos.
Suporte para o meu trabalho de investigação, aprendi a apreciar o seu alcance e beleza (há, claramente, beleza na combinação da matemática e da economia). Deixo aqui uma das suas estimulantes aplicações: o dilema do prisioneiro.

Dois indivíduos suspeitos de terem cometido um crime são presos e colocados em celas separadas. Os jogadores têm duas opções: colaborar e confiar um no outro não denunciando, ou agir oportunisticamente e denunciar o outro jogador. Se os dois jogadores cooperarem e confiarem serão condenados a um ano de prisão. O total combinado das penas (dois anos) demonstra que a cooperação representará a melhor combinação para o conjunto de ambas as partes. Se um jogador age oportunisticamente e o outro coopera, o primeiro é libertado enquanto o segundo recebe uma pena de prisão de quinze anos, sendo que o jogador que optou pela cooperação é assim fortemente penalizado. Quando ambos os jogadores agem oportunisticamente são condenados a cinco anos de cárcere.

Um acto cooperativo, ou a reputação de possuir capacidade de cooperação, poderá ser replicado com cooperação, tal como postulado pela estratégia “Tit-For-Tat” do dilema do prisioneiro repetido: cada jogador responderá da mesma maneira (boa ou má) à jogada do outro. Esta estratégia foi originada pelo pedido que Axelrod efectuou a diversos especialistas (de várias áreas) para desenvolver um programa de computador que apresentasse o melhor desempenho no dilema do prisioneiro, o vencedor foi Anatol Rapoport que apresentou “Tit-For-Tat”. Nesta estratégia, um jogador começa por cooperar com o outro jogador e subsequentemente responde simetricamente às jogadas estratégicas do outro (ou seja, cooperativamente a uma jogada cooperativa e competitivamente a uma jogada competitiva).

P.S. - Eis uma teoria que se aplica no nosso dia-a-dia, na política, na Economia.

2005-10-11

 

RETRATOS DE NÓS

Com a devida vénia ao sitio Portugal no seu Melhor aqui se regista esta imagem, metáfora do que somos: hábeis no desenrasque, mestres dessa triste "arte" lusa.



Materializamos estes "esquemas" manhosos e pindéricos, tanto na "incorporação" de um incómodo e irritante poste de iluminação no nóvel edifício (que um vendedor mais "desenrascado" realçará numa espécie de bónus: a iluminação da varanda já está incluída no preço), como no anúncio afixado numa montra de uma qualquer localidade: "frango tipo leitão", ou ainda no inevitável "engano" nos trocos que "sem querer", "ai a minha cabeça", levava qualquer coisa como mais um euro e meio ao incauto consumidor.
Observámos, recentemente, a mesma pecha nos indiscritíveis atentados à sanidade mental espalhados pelo país na forma de cartazes eleitorais, anunciando, exibindo, a "capacidade produtiva e criativa" daqueles que empregarão, nas autarquias, as mesmas aptidões nos próximos quatro anos.
Tudo isto nos pode fazer sorrir, podemos até achar que nos distingue. Sucede apenas que a "distinção" não nos traz nada de bom.
Estes instantâneos, mostram que sofremos uma pincelada (ligeira) de verniz, mas, bem vistas as coisas, nada de muito substancial se alterou.
Entretanto, o mundo não parou.

2005-10-10

 

O REGRESSO DO CANDIDATO

Terminadas as campanhas autárquicas, os vencedores e vencidos devidamente acomodados nos seus lugares, é chegado o tempo das definições.
Em poucos dias, aí teremos, por fim, a apresentação oficial do “professor” como candidato. Será a altura para desconstruir a farsa que teimosa e profissionalmente tem desenvolvido, como se pairasse num espaço etéreo olhando os comuns mortais na sua diária azáfama que, visivelmente, o incomoda e que naturalmente considera pouco própria dos eleitos de um Olimpo que a sua imaginação foi criando.
Será a altura de terminar a ancestral estratégia de “gerir silêncios”. Será a altura de esclarecer como prevê aspergir este povo inconsolado com as suas benfazejas soluções. Será a altura de provar que está à altura do pedestal que esforçadamente os seus acólitos têm anunciado. Deixará de esconder-se atrás de charadas, frases soltas, interpretações dúbias e pias expectativas. Descobrirá (para sua surpresa e de muitos dos seus seguidores) que não existem homens providenciais nem vencedores antecipados.
Aguardemos, pois, com expectativa, o regresso do candidato.

 

HUMILHAÇÃO

Assistir às declarações de vitória dos senhores Valentim e Isaltino e da senhora Fátima, provoca uma forte sensação de revolta. Revolta, por sentir que os seus resultados expressivos (e a forma como os celebraram) são a exaltação da nossa humilhação colectiva.

2005-10-09

 

CREPÚSCULO

Todos, sem excepção, percebem que em Lisboa, mais do que a vitória de Carmona Rodrigues, mais do que a derrota do PS, verificou-se o desastre eleitoral de Carrilho. Fez tudo mal, polvilhando todo o seu percurso com uma soberba inaceitável.
Não estranha, portanto, que tenha concluído este desgraçado processo da pior maneira, proferindo o discurso da derrota de forma desabrida e deselegante.
Esta campanha constituiu um requiem pela sua carreira política. Não deixará saudades.

 

VALE A PENA LER...

...O sempre surpreendente blogue de Carlos Romão, ali podemos apreciar pormenores de rara beleza do Porto, recomendando-se, também, o magnifico trabalho sobre os barcos rabelos.

2005-10-07

 

DA INDECISÃO

A poucos dias de eleições repetem-se as costumadas sondagens. Numas, a certeza da vitória, noutras talvez o empate, noutras ainda, a derrota. Resultados para todos os gostos, sondagens que “valem o que valem”, e que, inevitavelmente, serão confirmadas (ou não) no domingo. Nada de novo.
Todavia, em todas um dado coincidente, repetido: o desusado número de “indecisos”, prenúncio de abstenção em barda.
Observar tal desproporcionalidade nas eleições onde o poder se “exerce mais próximo das populações” deveria fazer-nos pensar sobre que Portugal democrático estamos a criar.
Aos poucos, uma parte considerável da população portuguesa aparenta afastar-se do fenómeno político, deixando o terreno livre para os demagogos e toda a espécie de finórios populistas. Estes “espécimes” conseguirão sempre arregimentar uma corte de fieis seguidores à custa de diatribes, promessas indescritíveis, convictas criações de “números”, abraços e palmadas nas costas. Terão o caminho aberto para o assalto ao poder, que usufruirão com inegável rapacidade. Demonstrarão a “fórmula de sucesso” estabelecendo um padrão que será repetido à exaustão.
Os Avelinos, as Fátimas, os Loureiros, encontram-se em processo de criação, em esforçada reprodução. Por cada abstenção, por cada desistência, contribuiremos para o caldo criativo de hediondas criaturas, "clones" perfeitos dos repugnantes originais.
Sair, ainda que em sinal de protesto, equivale a deixar entrar uma turba que se estabelecerá inabalavelmente no poder, minando as bases do nosso sistema representativo.
Triste, desgraçadamente triste, é saber tudo isto, olhar pela enésima vez, para os folhetos eleitorais com os sorridentes candidatos, engolir em seco ante a miserável opção e perceber fazer parte dessa maioria anónima de desiludidos que se esconde na desconfortável “indecisão”. Pertencer, afinal, ao grupo dos que não conseguem inventar uma razão para não desanimar.

2005-10-05

 

O DOM DA UBIQUIDADE

Indivíduo concorria a três lugares autárquicos

2005-10-04

 

O DITO, POR NÃO DITO

O senhor Oliveira Marques era (é) presidente executivo da empresa Metro do Porto.
Na passada sexta-feira, certamente motivado por razões ponderosas, escreveu e enviou, aos accionistas da empresa uma carta de demissão. A carta e a demissão foram tornadas públicas, com estrondo.
Este acto, legítimo, deduz-se que tenha sido o culminar de um processo irrevogável, da ausência total de condições para continuar. Imagina-se que tenha sido resultado de uma reflexão profunda, constituindo, assim, um ponto final que necessariamente seria esperado por todos os protagonistas.
Seria assim acaso estivéssemos num país onde os gestos, as tomadas de posição, tivessem efectivamente valor. Lamentavelmente não é esse o nosso registo.
Hoje, no final de uma profícua reunião com a senhora Secretária de Estado dos Transportes, o extraordinário e revigorado senhor Marques vem dizer-nos que bem vistas as coisas, talvez vá continuar, rasguem lá a cartinha se fazem favor.
Assim, como se fora uma patuscada, os protagonistas do poder político e económico em Portugal encarregam-se de explicar, através deste eloquente episódio, que uma verdade hoje, talvez não valha amanhã, as coisas são o que são (ou seja, não são). Palmadinhas nas costas “veja lá isso, doutor”, um abraço, uma lágrima de emoção, “somos todos amigos, caramba, venham de lá esses ossos”, “que susto nos pregou, homem”.
Nem os representantes do Governo, nem os “accionistas”, nem o senhor Marques, notaram um pequeno (ínfimo dir-se-ia) pormenor: nesta fotografia saem todos, mas todos, com a imagem desfocada, própria de quem não conhece o valor das atitudes, das decisões, do rigor.

 

NOVELA MEXICANA

Em Oeiras, pela calada da noite, foram distribuidos panfletos com insinuações sobre a probidade da actual Presidente da Câmara. Acto contínuo, Teresa Zambujo, convocou uma conferência de imprensa para repudiar o conteúdo daquelas denúncias anónimas, deixando acusações veladas a Isaltino Morais. Este reagiu, afirmando que o responsável "pela campanha suja" (que diz repudiar) é ... o candidato do PS!
Certamente, uma maioria não negligenciável dos "cosmopolitas" eleitores oeirenses considerará estas pérolas de elevação moral algo absolutamente normal e até esclarecedor, tendo em conta os resultados das sondagens.

2005-10-03

 

VALE A PENA LER...


...este artigo sobre as negociações de adesão da Turquia à UE.

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