2006-01-31

 

O RECREIO

Enternece assistir à excitação reverente, às louvaminhas, de alunos carentes na ânsia de um olhar do professor.
É reveladora a observação da babugem, da bajulação, que grassa pela blogosfera; o frémito de incontornável alegria, o grito emocionado que ecoa: “ele está entre nós!”.
Desculpar-me-ão que olhe para este espectáculo triste com um profundo desapontamento. Eis-me subitamente num recreio de miúdos onde me julgava num espaço maduro de gente com olhar critico e arguto.
É a vida!

2006-01-29

 

NEVOU NAS NOTÍCIAS

E de repente ouve-se uma voz (parecia que uma voz) ordenando: estão a cair as notícias em flocos.
Ainda houve quem sorrisse, julgando tratar-se de uma graça. Não era. Aquela não era voz que engraçasse com engraçados, graças a Deus. Aquela era uma voz de comando, daquelas que não sorriem, daquelas que estabelecem a ordem natural das coisas - a sua.
A voz que apontava o dedo, solene, na direcção da janela, que explicava: está a nevar, mais nada interessa.
Pare-se, pois, o mundo, feche-se a janela do pequeno ecrã, está a nevar!
E os repórteres, esbaforidos, a chegarem à casa das notícias, nem tempo para uma conversa acelerada (já viste a neve, tão bonita!), frenesim, equipas a sair para o “terreno”.
Directos (dá-me um grande plano dos flocos, os maiores, coisa linda!), os repórteres em acção sacando do seu vasto reportório de perguntas inteligentes, as pérolas mais preciosas “está a gostar?”, “já tinha visto neve em Lisboa?” e a maior delas todas: “qual é a sua sensação?”.
E os cidadãos anónimos: que sim que estavam a gostar, não por eles, claro, mas pelas crianças que se divertem tanto. E os maduros de barba grisalha felizes “a brincar” na neve. E o país já esquecido de tudo, “olha a neve tão linda”.
Os apresentadores com ar de Natal, cuidando um pinheirinho iluminado nos olhos, felizes “não há memória de nevão tão forte no Algarve”, e as imagens do sul, brancas, claras, o repórter ansiando a resposta dos algarvios, o país aguardando os comentários dos portugueses que no sul “brincam” na neve. Siga, que há mais depoimentos a recolher, agora ali em Évora, “lembra-se de um nevão assim?”, não lembra, pois claro que não lembra.
Os SMS que disparam, “óh para mim, aqui na neve”, “Karina, bué da neve, na boa”, “Chico, tá-se bem, iol”.
Imagens em câmara lenta (chega-lhe bem, pá, estica-me isso que ainda só levamos 40 minutos do telejornal), um plano varrido dos montes, vales, telhados e jardins.
Eis a magia da imagem, eis a graça do insólito, eis um país nevado, branco, subitamente lavado, puro.
Na alvura da precipitação gelada, precipitamo-nos todos à janela - nada mais interessa!

2006-01-28

 

CELEBRAÇÃO

Eis que nos chega um motivo para erguermos o cálice celebrando: o excelente TUGIR comemora dois anos.
Parabéns ao Luís Novaes Tito e ao Carlos Manuel Castro pela qualidade da análise, pelo cuidado dos escritos, por nos darem um espaço de visita obrigatória.

2006-01-27

 

COERÊNCIA

Constitui uma admirável coerência celebrar a abertura do ano judicial no dia 26 de Janeiro. Todavia, julgo que esta cerimónia pecou pela antecipação um tanto ou quanto exagerada. Para garantir a consonância com a praxis, para assegurar um atraso correcto, justo seria que a sessão solene de abertura do ano judicial ocorresse lá para meados de Junho…

 

VALE A PENA LER...

... esta oportuna observação de João Morgado Fernandes.

2006-01-26

 

VALSINHA DAS MEDALHAS

Inexplicavelmente, o senhor Presidente da República decidiu condecorar algumas individualidades, um conjunto de empresários e dois costureiros. Em duas semanas, uma significativa selecção de “notáveis” entrou e saiu do palácio de Belém, participando em cerimónias apressadas, em final de festa.
Com este gesto, o Presidente não fez mais do que desvalorizar as condecorações (já de si quase irrelevantes), dedicando-se a uma incompreensível valsinha das medalhas. Aliás, José Roquette encarregou-se de esvaziar de qualquer conteúdo a cerimónia, quando garantiu ter hesitado estar presente, simplesmente por ter feito parte da comissão de honra da candidatura de Cavaco Silva...
Entretanto, muito legitimamente, a distinta classe dos costureiros gritou indignada, na capa de um diário popular, pela desigualdade de tratamentos.
Depois de dez anos como Presidente e de outros tantos 10 de Junho, que estranho impulso terá movido Jorge Sampaio, que mensagem pretenderia fazer chegar com este ridículo afã medalhístico no exacto momento em que um novo Presidente foi eleito?

 

"CONTINUAÇÃO"

Talvez um dos mais perversos cumprimentos que povoa o nosso dia-a-dia seja o estranho “continuação”.
Pagamos o jornal e com o troco somos despachados com um enigmático “continuação”.
Cordatamente desejamos os bons dias e, não raras vezes, alguém nos responde “continuação”.
Tenho para mim que estamos na presença de uma cínica parceria no desconforto. Na verdade, neste país com índices de melancolia superiores a qualquer outro da Europa, o mais certo é termos neste “continuação” um maquiavélico desejo de persistência da maleita, disfarçado, evidentemente, com um sorriso.
Por cada “continuação” morre-nos na boca a pergunta, falha-nos a força para questionar: “continuação” de quê? “Continuação” desta miséria, “continuação” desta dormência, “continuação” deste atraso? E isso é coisa que se deseje a um semelhante, caramba?

2006-01-25

 

VALE A PENA LER...

...O blogue de Carlos Narciso.
 

DAS MIGALHAS

A tangencial vitória de Cavaco Silva despertou um intenso e curioso movimento de “migalhização” (perdoe-se o neologismo) na direita da direita.
Observando os resultados, percebendo que a diferença entre a vitória e a segunda volta tinha sido ínfima, rapidamente surgiram os putativos pais das “migalhas”.
Na segunda-feira o esclarecido e ufano Ribeiro e Castro partilhava a sua alegria, explicando que sem o apoio do PP, Cavaco não tinha ido lá.
Hoje, um indignado e ofuscado Manuel Monteiro, foi mais longe nas contas, sublinhando que a segunda volta foi evitada por “31 mil votos”. Ora, sabendo os senhores do PND que o seu partido havia alcançado 42 mil votos nas legislativas, pareceu-lhes óbvio que tinham sido os obreiros do resultado de domingo, atribuindo à "ingratidão" de Cavaco a omissão de referência ao esforçado partido, no seu discurso de vitória.
Não surpreende este ridículo exercício de prestidigitação. Arrumada num sombrio espaço, esgotada pelo ensaio tosco de populismo, despedaçada pela demoníaca “coligação” com o PSD, a direita da direita voga hoje sem rumo, sem causas que verdadeiramente a justifiquem.
Este movimento de “migalhização” não é mais do que a exibição de uma falência - uma falência perigosa. Em breve despertarão aqueles que exigirão “mais energia”, "mais vigor", na defesa da direita dos interesses. Em breve aí estarão, recuperando e acentuando o discurso radical.

2006-01-24

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (VII)

Lera no jornal o aviso cientifico: em pouco mais de 24 horas chegará o dia mais infeliz do ano. Parecia-lhe estranho que a infelicidade chegasse assim com hora marcada, resultado de uma complexa fórmula matemática.
Quase sem dar conta, perdeu-se em divagações, imaginava a infelicidade a chegar, cansada da viagem, instalando-se com vagares proprietários, declarando “é hoje o meu dia, faça-se como eu quiser”. E a infelicidade ali, disparando ordens com voz rude, tingindo os dias de negro. Via-a exercendo as suas artes, esvaziando de luz os seres à sua volta, numa cruel exibição de poder.
Alguém mais avisado terá parado a catadupa desgovernada de palavras, “alto e para o baile” que estamos aqui estamos a resvalar para um textozinho de cordel.
Os olhares que se concentraram na personagem, a personagem que confrontado com este naco de aridez criativa, com este pedaço de má escrita, se desculpava com o narrador, uma espécie de sádico que lhe atribuía quase sem excepção estes fundos de estória, estas gongóricas paisagens narrativas.
Pudesse a personagem ao menos ter uma oportunidade, um dia (não mais do que um dia) em que fosse actor maior, contando na primeira pessoa uma aventura ou até um conto contado com conta e medida.
Pudesse escapar do jugo, pudesse dizer ao narrador o mal que escreve, pudesse explicar-lhe que se envergonha de ser protagonista destas estórias de polichinelo, e já agora rebelar-se contra o anonimato, coisa vergonhosa essa de nunca lhe ter sido atribuído um nome, uma alcunha que fosse.
Tivesse o narrador ocasião e sempre diria que o culpado de tudo era o autor, sempre escondido, sempre incapaz de se afirmar, manobrando na sombra as suas criações, os seus assalariados.
Estava ali montado um sarilho, uma algazarra, promessa de edificantes cenas de faca e alguidar. Coisas tecidas pela falta de talento, já se vê.
Deixemo-los distraídos na altercação, deixemo-los distraídos sem que se tenham apercebido da infelicidade que, pontual, havia chegado a tempo de organizar mais esta triste exibição das misérias humanas.

2006-01-23

 

O QUE FICA DA CANDIDATURA DE ALEGRE (I)

No rescaldo das eleições parece sobressair uma esotérica dúvida sobre o “mistério” que terá justificado mais de um milhão de votos em Manuel Alegre.
Ora, este movimento provou simplesmente que existem muitos cidadãos interessados na política e no futuro do seu país, que não se revêem nos partidos tal como existem actualmente. Ao contrário do que muitos repetiram, esta genuína entrega de tantos em torno de um projecto político, não foi feita contra os partidos e muito menos contra a política e os políticos, podendo antes constituir uma revitalização da política. Na verdade, esta mobilização justifica que os partidos reflictam no caminho que estão a trilhar e na multidão que estão a deixar para trás (ou a não conquistar).
Talvez se observe neste movimento outras notas significativas: talvez possamos ter acordado, talvez possamos ter compreendido o valor da intervenção cívica, talvez possamos perceber que a cidadania faz-se pela participação e não pela abstenção (nas associações de pais das escolas dos nossos filhos que tantas vezes ignoramos, nas associações que não criamos ou não apoiamos, nas petições que não fazemos, na defesa dos interesses colectivos que não efectuamos).
Afinal, uma sociedade civil forte é feita destes pequenos nadas. Afinal, uma sociedade civil forte é a expressão maior da política.
(continua)

2006-01-22

 

CURIOSO

No seu discurso de vitória, Cavaco Silva agradeceu o apoio do dr. João Lobo Antunes, do dr. Relvas e da dra. Guerreiro, saudando os outros candidatos, que nomeou: Manuel Alegre, Mário Soares, Jerónino de Sousa e Garcia Pereira. Assim mesmo, uns precedidos do título académico, os outros simplesmente pelos seus nomes.
Les uns et les autres...

 

ELEITO

A vitória de Cavaco Silva é clara. Observar os números finais, muito longe da vitória “esmagadora” que se anunciava, não altera em nada o essencial: é o novo Presidente da República.
Da noite sobram, contudo, dois sinais reveladores do que aí vem: a inefável Ana Gomes querendo ver em Manuel Alegre o responsável pela derrota da esquerda e a “oportuna” decisão de José Sócrates ao escolher o momento em que Manuel Alegre discursava para falar em directo da sede do PS (com as televisões vergonhosamente a seguir o engodo, optando pelas declarações de um líder partidário em detrimento do segundo candidato).
Percebe-se que os resultados de Manuel Alegre, mais do que os de Cavaco Silva, provocam um mal estar evidente no largo do Rato.

 

TV'S

A noite televisiva das presidenciais foi cansativa.
Novo-riquismo a rodos nos cenários da SIC e da RTP, inacreditável número de “convidados” - alguns dos quais não chegaram a fazer qualquer intervenção.
Acompanhando a TVI ficou uma sensação de amadorismo, ouvindo-se com frequência as conversas de bastidores dos repórteres, troca de nomes, desnorte.

 

OUTRAS VISITAS

Enquanto os votos não são contados, enquanto os resultados não são comentados, enquanto os "cenários" não são esboçados, façamos uma pausa, visitemos pausadamente a Lua.

2006-01-20

 

NS / NR

Nestes dias decisivos, de tantos indecisos indispostos, sejamos indiscretos, perguntemos: quantos verdadeiramente se encontram hesitantes, quantos verdadeiramente irresolutos? Não antes receosos, amedrontados?
Quantos indecisos não escondem um temeroso cidadão com medo de expressar opiniões e convicções?
Não sabe? Não responde?
Será que é, será que não pensando, não existe?

 

DA REALIDADE

Ouvia-se a voz do apoiante e era como se víssemos a sua expressão de espanto. Na TSF ecoava o seu desalento, agarrado ao microfone ensaiava uma última tentativa de mobilização “Cabaco, Cabaco”, mas as gentes de São Pedro do Sul não responderam à chamada, ignoraram o candidato.
O apoiante, quase desabafando, assegurava ao repórter que poderia ter havido ali uma multidão acaso os patrões tivessem permitido uma providencial folga aos trabalhadores, ou mesmo se a mandatária distrital se tivesse empenhado um pouco mais. Desalentado, ensaiou ainda outras explicações mirabolantes para a praça incompreensivelmente vazia no dia da visita do “presidente”, como delirantemente teimava chamar ao seu candidato.
Ouvia-se a voz e sentia-se a sua consternação. O apoiante beirão, talvez acreditasse genuinamente que a simples chegada do candidato garantiria que a vila ali se reunisse num festejo efusivo.
Ouvia-se a voz e era como se lhe sentíssemos uma revolta pelas voltas revoltosas de um dia que antecipara perfeito.
Aquele homem que aceitara os entusiasmos inflamados, que abraçara as expectativas exacerbadas, conheceu o gosto amargo da decepção - o mesmo que se experimenta quando se regressa à realidade vindo da terra da ilusão.
Talvez não o saiba, mas sempre é melhor uma decepção por um dia mal passado do que a angústia desorientadora trazida pela ausência das soluções miticas e salvadoras.

2006-01-19

 

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VALE A PENA LER...

... o blogue de Pete Townshend, velha estrela dos "The Who".

2006-01-18

 

DOS ATRASOS

Chegar atrasado, fazer esperar alguém: eis uma espécie de vicio português.
Instituiu-se uma perniciosa hierarquia do atraso, aferindo-se a importância de alguém pela dimensão da demora.
No fundo, o atraso constitui uma deformidade cívica que se exibe com orgulho.

2006-01-17

 

ALI, NO RIVOLI

Não me lembro da última vez que fui a um comício, mas hoje estive no Rivoli.
Não me lembro da última vez que senti necessidade de participar activamente numa campanha, mas hoje estive no Rivoli.
Não me lembro da última vez em que acreditei, mas hoje estive no Rivoli.
Não me lembro da última vez em que me reconheci nas palavras e nas ideias de um candidato, mas hoje estive no Rivoli.
Alegremente, estive, participei, acredito, reconheço.
Manuel Alegre, ali, no Rivoli.

 

PENA

Lê-se este indescritível “artigo de opinião” de Pedro Santana Lopes, hoje no DN, e assalta-nos um sentimento de pena. Só uma alma desorientada escreve este arrazoado, tentando uma “explicação” sobre uma sua entrevista.
Um infeliz, coitado!

 

MALDITA ADERÊNCIA

Na noite das noticias, ouve-se num canal televisivo a celebração do grande número. Festeje-se que a coisa não é para menos, veja-se que um filme português quebrou um recorde: é já o mais visto de sempre.
A película, apimentada, justifica presença de uma “académica” para explicar o “sucesso”. Pois que entre. Eis a senhora – socióloga, garante a legenda. O que nos diz, o que nos explica a senhora socióloga? Que sim, assenta, houve uma grande “aderência” do público - uma fita que se cola à pele, dizemos nós, tão espantados com a “explicação”.
Assim esclarecidos, imaginamos o filme, espécie de velcro demoníaco, assomando à porta da sala escura, aguardando a chegada dos cinéfilos para, lânguido, se deixar aderir. O filme já não um adereço, mas um adesivo que faz dos imprudentes cidadãos seu endereço.
Observe-se o público, aquele público, que sem saber arrasta o peso da película invisível, na aderência explicada. Saberão eles que estiveram sendo observados pela senhora académica que perspicaz analisava, percebia, via, a aderência adornando-lhes os dias?
Deixemos o filme e os seus aderentes, agradeçamos à académica senhora, fixemo-nos na palavra.
Atentemos, pois, na aderência. Não a desconhecemos: qual pasta medicinal Couto anda na boca de toda a gente nos relatos de greves, eleições ou outros ajuntamentos.
Estranhamente a aderência impede com frequência a entrada em cena da adesão. Dir-se-ia que se revela uma rivalidade antiga, irresistível.
A aderência - vê-se bem - é palavra com maus fígados: insinua-se em poses concupiscentes atraindo o pobre falante, incapaz de resistir ao seu canto de sereia. Pudéssemos iluminá-la nestes preparos, pudéssemos desmascará-la nestes jogos de sedução, gritar-lhe alto “falsa”. Fiquemo-nos pelas intenções, que estes escorregadios logros desaparecem astuciosamente sem deixar rasto.
Agarremo-nos, pois, à pobre adesão, desprotegida, feiazinha, só. Deixemo-la brilhar, deixemo-la aderir a esta aderência da moda, tornando-a, por uma vez, substantivo maior!

2006-01-16

 

COM AMIGOS COMO ESTES...

O senhor ministro dos assuntos parlamentares entendeu chegada a altura de participar na campanha presidencial.
Ao contrário dos seus colegas, não se limitou a apoiar discretamente Mário Soares com a sua presença. Augusto Santos Silva, decidiu ser ele próprio estrela do dia. Entusiasmado, proclamou que a putativa eleição de Cavaco Silva configuraria um "golpe de Estado constitucional".
Cavaco, evidentemente, agradece e recomenda estas diatribes.
Seguir por este caminho (o mesmo que Soares já trilhou com a célebre ameaça de insónias, ou a inacreditável insinuação formulada no desejo de "eleições limpas") é criar fantasmas onde eles não existem, é colocar as alegações ao nível do esotérico, é pretender que não há outros argumentos senão estas ameaças de perigos hiperbólicos.
Por cada afirmação desta índole perde-se o pé, coloca-se Cavaco Silva no plano da vitima injuriada, dispersa-se a atenção; faz-se, em suma, o jogo do candidato da direita.
Não há ninguém que os mantenha cuidadosamente recatados?

2006-01-15

 

VALE A PENA LER...

... o blogue Imprensa falsa.

2006-01-12

 

REVELADOR

Ontem pela fresquinha, Cavaco saia da Universidade da Beira Interior onde ensaiara um número paternal - explicando aos universitários que ele, o grande Cavaco, imagine-se, não fazia ideia quando estudava que poderia um dia ser ministro e primeiro-ministro. Depois deste momento de “descontracção”, o candidato respondeu a algumas perguntas dos jornalistas, ornando as respostas com um sorriso beato. Chegou então o momento evidente: alguém perguntou o que achava Cavaco da entrevista de Santana Lopes. De repente não já um sorriso, mas um esgar. De repente não já um esgar, mas uma expressão de genuína desorientação. O candidato, assim despido da sua postiça capa, fora da coreografia que mãos profissionais lhe vão desenhando, não sabia o que fazer, o que dizer.
As imagens que mais tarde as televisões mostrariam deste momento servem como aviso para o imenso equívoco que se está produzindo nesta campanha.
Cavaco Silva não foi capaz de encontrar uma resposta para afirmações obviamente irrelevantes, como as de Santana Lopes, simplesmente por que ninguém lhe tinha dito o que dizer.
Este pequeno pormenor revela bem a fragilidade de Cavaco Silva: um actor rígido que cumpre um programa, incapaz de se adaptar a novas situações, incapaz de pensar o mundo para além das baias que criou e que julga as definitivas.
Entretanto, todos os dias cresce o messianismo em torno de Cavaco: nas suas mãos vê-se e coloca-se o destino da nação, da sua suprema capacidade julga-se depender o futuro e a solução dos males pátrios.
Todos os dias, os profissionais que orquestram esta campanha enchem um balão de expectativa que vai rebentar às mãos de um povo crente em milagres, desejoso de salvadores, desesperado por soluções imediatas.


P.S. Mais tarde os assessores explicaram e disseram-lhe o que dizer. Já na posse de um guião, proferiu a frase que justificou este comentário triunfal.

2006-01-11

 

IRRELEVANTE

Pedro Santana Lopes decidiu alterar o recato mediático a que ajuizadamente se tinha remetido. Ferviam-lhe as palavras, sentia a necessidade de um ajuste de contas, desejava anunciar ao mundo que “anda por aí”.
Cumprindo o papel de agitador inconsequente, lá foi ontem à SIC assegurar pela enésima vez que “no futuro pode concorrer à liderança do PSD”.
De caminho, aproveitou para “analisar” a campanha presidencial, atacando Cavaco, dizendo o óbvio.
Sucede que as declarações de Santana são como o próprio: irrelevantes.
Não o compreender e dar-lhes destaque é, no fundo, ignorar a ignominiosa passagem da criatura por São Bento. Os seis meses que por lá passou, e as "capacidades" que evidenciou, esvaziam qualquer força, ou importância, do seu "regresso". Não vale a pena, por isso, comprazimentos com a sua putativa combatividade: Santana Lopes é uma carta fora do baralho.

 

AFIRMA PINHO

Em entrevista à SIC, o ministro da Economia entendeu anunciar que não é remodelável.
Numa simples afirmação, o senhor Manuel Pinho conseguiu a extraordinária façanha de desautorizar o primeiro-ministro e demonstrar que não faz a mais pequena ideia do mundo em que vive.

2006-01-10

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (VI)

Sentado, com ar proprietário, na banca dos jornais, parece ufano - um capitão do comércio poderíamos dizer, fôssemos dados a alegorias improváveis. Ali estava, todos os dias, exercitando uma implacável e proveitosa técnica disfarçada de bonomia e desatenção.
Se tivesse o hábito, perigoso, de partilhar o segredo, o seu segredo, diria que “topava a pinta” à distância. A coisa fazia-se com muito saber e requinte: por cada cliente que se aproximava construía o seu “perfil” calculando mentalmente a dimensão do “engano” nas contas, no troco daquele incauto comprador. Aos mais apressados, devolvia a demasia com uma desusada quantidade de moedas, disfarçando a ausência de um ou dois euros, subitamente adicionados ao ganho da venda. Gostava particularmente da habilidade que considerava uma sua especialidade, enquanto entregava os jornais e revistas, desdobrava-se em pormenores: que isto está mau, que o negócio, senhores, agoniza, ele mesmo aguardava apenas o dia em que pudesse regressar à terrinha, que Deus a tem, e outras considerações de reconhecida acutilância, assegurando-se que o troco minguado fosse cautelosamente guardado no bolso do cliente ocasional. Em todo o caso, a técnica mais apetecida, aquela que lhe enchia as medidas, era enfrentar o freguês coca-bichinho entregar-lhe o troco olhos nos olhos, contando moeda a moeda, sem fraquejar, remexendo orgulhoso no final as moedas sobrantes do logro profissional.
Aos mal encarados, pelo sim, pelo não, evitava malabarismos com as contas. Cautelas, já se vê.
Não se diga, contudo, que não há ética neste negócio de tantas artes, pois que estaríamos enganados e ofendendo tão distinto alquimista da multiplicação, ou da subtracção dependendo da perspectiva. Bem vistas as coisas, há um código deontológico antigo, ancestral, que impede malabarismos (frequentes) com clientes habituais, apenas uma ou outra vez, consoante as simpatias e a prática.
Mas a talentosa diferença entre profissionais do mesmo ofício burlão está nas desculpas. Haja alguém mais atento, mais certificador das contas, e logo ali se desenrola uma vistosa cena, o ar “tu queres ver que me enganei?”, a escolha da frase do dia entre a ementa arrumadinha de expressões carinhosas: ai a minha cabeça, valha-me Deus, não faça caso amigo, embrulhadas num sorriso cúmplice.
Vários anos de trabalhos e contas permitiram-lhe fazer crescer a actividade comercial multiplicando os locais de negócio, conquistando uma confortável e lucrativa cadeia de lojas.
Deixemo-lo sentado, aguardando a próxima vitima, enquanto calcula mentalmente os trocos em falta para trocar de carro, um humilde BMW da nova geração.

2006-01-07

 

CANDIDATO TABU

Cavaco Silva parece ter sentido necessidade de sugerir que também lê livros. Ontem na bizarra “conversa informal” que aceitou representar na SIC (ver comentário de Luís Novaes Tito) e na entrevista à revista Visão, não se esqueceu de referir, sublinhar, os livros que lê, explicando que sente uma atracção pelas biografias, livros históricos e policiais.
A questão não é tanto as referências forçadas às leituras (para contrariar as criticas de homem pouco dado aos livros), ou sequer a sua cansativa repetição de que é um homem divertido (para umas pinceladas de homem comum no mito), mas antes a grotesca encenação, tudo milimétricamente orquestrado na contrução artificial de uma imagem.
Toda a sua campanha é alicerçada nestas brumas em que se teima inserir o candidato, desenvolvendo com deleite o jogo dos contrários: tendo preparado com óbvia antecedência a sua candidatura, adiou prolongadamente o seu lançamento explicando-o por fim com um inverosímil “imperativo” justificado pelo momento de “crise nacional”; candidato oficial do PSD e CDS posicionou-se pudicamente como “independente”, dispensando os serviços dos líderes dos partidos que o apoiam; candidatando-se pelo gosto genuíno da intervenção política, afirma à exaustão não “ser um político profissional”; almejando o cargo de Presidente da República, promete o impossível.
Em rigor trata-se de um candidato mistério, desempenhando com óbvio profissionalismo o papel do imenso tabu em que o próprio se transformou.

2006-01-05

 

DOS BLOGUES

Na última edição da Harvard Business Review, Jonathan Schwartz (Presidente da Sun Microsystems) assina um artigo de opinião com o sugestivo título: “If you want to lead, blog”.
O gestor anima há muito o seu próprio blogue e sugere que “em dez anos, muitos dos líderes das principais empresas comunicarão directamente com os seus clientes, colaboradores e outros membros da comunidade empresarial, através de blogues”, acrescentando ainda: “para os executivos, ter um blogue não será uma questão de opção, tal como não o é o e-mail no presente”. Entretanto, Jonathan Schwartz incentiva os colaboradores da Sun Microsystem a deterem o seu próprio blogue, tendo a empresa desenvolvido uma plataforma de apoio para o efeito.
Evidentemente, para muitos gestores e empresários estas ideias soarão subversivas e até excêntricas, serão porventura aqueles (numa versão "choque tecnológico") que ostentam, orgulhosos, a sua morada de e-mail nos cartões pessoais, solicitando à secretária que os imprima para uma rápida leitura.
Ainda que muitos gostassem de manter tudo num recatado e confortável remanso, a verdade é que o mundo pula e avança, a informação circula com celeridade, as oportunidades são imensas ... para quem tiver a visão e abertura de espirito para as desenvolver.
Deixem que tire o meu chapéu ao senhor Schwartz.

2006-01-03

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (V)

Ouvidos os gritos, observadas as corridas esbaforidas dos transeuntes na pressa de assistir de perto à altercação, pareceria ter caído ali o Carmo e a Trindade.
Mais logo, saber-se-á que a acção, o apelo para as gentes em movimento, não foi mais do que um simples acidente - coisa com chapa batida e brava discussão ente dois digníssimos cidadãos libertando a tensão acumulada; por enquanto, os que correm em direcção à confusão ignoram este facto, acalentando ainda a ilusão de borrasca da grossa, talvez mesmo à altura da memorável chegada do presidente futebolístico com o seu mais recente “reforço”.
Com impressionante rapidez juntou-se uma multidão impedindo uma mirada mais detalhada àqueles que só agora chegavam. Também temos direito, gritavam vozes desesperadas na ânsia de assistir ao espectáculo, Chega-te para lá, pá, enxotavam os da frente, ciosos do seu posto ganho pela antecipação. Deixem-nos ver, vociferavam alguns já revoltados pela negação dos seus legítimos direitos de mirar.
Não era sequer necessária muita experiência em rixas para perceber que se estava ali a armar uma bela barraca.
A coisa começou com um encontrão mais enérgico e só acabou três horas mais tarde com a intervenção da polícia.
Enquanto as primeiras páginas dos matutinos não disputam originalidades, asseverando ter-se assistido “a cenas dignas do faroeste” ou a uma “impressionante batalha campal”, observemos estas almas, protagonistas de um imenso desperdício de energia, ajeitando as vestes, sacudindo o pó, retomando a jornada sem terem sequer ajudado a arredar as viaturas dos dois estupefactos cidadãos que haveriam de terminar a tarde abraçando-se, depois de preenchida a declaração amigável.

 

VALE A PENA LER...

...este texto, sobre um comentário de Maria Filomena Mónica no programa Prós e Contras de hoje. vale a pena ler, não só pela resposta (correcta) mas pela aplicação do mesmo, aos desmandos deslumbrados que a senhora teima proferir.

2006-01-01

 

O “REVEILLON”

Com uma regularidade digna de nota, as televisões portuguesas reservam a última noite de Dezembro para desenvolver o seu apurado sentido de pechisbeque, exibindo, num serão, o resumo das artes pífias que foram apurando ao longo do ano. Orgulhosos, plenos do seu imenso vazio, os responsáveis pelos canais fazem o favor de programar o mais requentado Portugal pequenino, ao vivo e a cores.
Munidos de um simples comando remoto, temos à nossa mão a oportunidade para um passeio guiado pelo provincianismo através das câmaras apontadas aos interstícios do país.
Assiste-se a uma paródia manhosa à tropa, numa sequela interminável do “big brother” capitaneada por uma senhora que teima projectar a voz para além do que é suportável pelo ouvido humano. Há por ali lágrimas, “comentários” e – juro que o ouvi – muita emoção. Sentadinhos no estúdio, alguns exemplares, que garantem ser famosos, foram entretendo os “senhores espectadores” com o longo alcance do seu saber, “explicando” detalhadamente os seus dias, enquanto num outro espaço alguns seres fantasiados e igualmente presuntivamente famosos, disputavam uma incompreensível competição, procurando assegurar 25.000 apetecíveis notas de euro. Sigamos para novo poiso.
Num outro canal, a coisa piava mais fino, desenvolvendo um pouco subtil jogo de contrastes. Dois distintos “postos de observação”: os populares na rua e os inevitáveis casinos para uma espreitadela à animação pequeno-burguesa. Tudo abrilhantado por um grupo de meninos e meninas, visivelmente excitados, garantindo animação a rodos.
A donzela em directo da Avenida dos Aliados, procurando transmitir o “calor humano”, que só ela parecia localizar, exercitando a experiência acumulada em muitos festejos de campeonatos e outras tantas celebrações de vitória, desenvolvendo o estilo “a reportagem possível”, oferecendo aos transeuntes a oportunidade (nunca desperdiçada) de partilhar o seu substancial domínio do calão e de vernáculo. E nos casinos: que requinte, senhores; que excelentes gravatas escondendo confortáveis protuberâncias estomacais; que vistosos vestidos suportados pelas “esposas”; que lindos carrosséis da alegria: bracinhos esticados, mãozinhas postas nos caridosos ombros uns dos outros. E as perguntas, que inteligentes e originais “quais os desejos para o novo ano?”, e as repostas, sinceras, generosas, “paz no mundo” desejos de que “todas as pessoas deiam (sic) as mãos”. Deixemos os “apresentadores” aos saltinhos, tão contentes, tão felizes, anunciando uma enigmática ameaça: “a nova sic do ano 2006”.
Cheguemo-nos à pública estação, já no novo ano, trazendo uns compostinhos músicos brasileiros cantando insuportáveis modinhas do seu país, as mesmas que soavam, esmagadoras, em quase todas as festas, portadoras da “alegria” que parece ser obrigatória neste dia.
Desliguemos, por fim, o televisor. Chega de tanto plástico, tanta festa pindérica, tanto Portugal “real”, tantos engraçadinhos. Para o ano há mais.

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