2005-12-30

 

CONCLUIR O ANO

Nestas datas de fronteira, nestes dias conclusivos de calendário, sopra-nos sempre uma voz que apela às retrospectivas. Deixemo-nos ir nesse curso, segurar a mãos ambas a memória dos dias já andados, procurar-lhes um sentido, divisar uma rota, um caminho. Motivo mais do que suficiente para uma pausa nas palavras ditas, escritas; motivo mais do que suficiente para uma paragem até Janeiro (logo pelos seus verdes dias), forma outra de dizer até para o ano, forma outra de desejar um feliz e auspicioso 2006 a todos quantos frequentam esta casa.

2005-12-29

 

FOI (MAIS UMA VEZ) AZAR

Nas últimas eleições autárquicas a normal contagem dos votos foi interrompida por um surpreendente “apagão” no sistema informático do STAPE.
Naturalmente, foi anunciado um conveniente e completo inquérito para apurar, com todo o rigor, as causas de tão insólito fenómeno.
O relatório preliminar foi ontem conhecido. Desengane-se quem esperasse novidades. Na tradicional linguagem cifrada, explicou-se que não existiu “uma causa única ou principal para os problemas identificados, tendo antes ocorrido uma complexa convergência de situações pontuais”, ou seja: foi azar.
Nada mais natural, ninguém verdadeiramente aguardava outras conclusões senão estas. Em Portugal todas as infelicidades, todos os erros, todas as falhas, não têm autor nem responsáveis, são azares, é a vida!

 

CUIDADO COM AS EXPECTATIVAS*

E de repente, num belo dia, eis que chega o final do ano. Tratar-se-ia de uma simples data não fora a tentação das festas com hora marcada – alegria oferecida em doses generosas por um preço mais ou menos convidativo. Nada que traga mal ao mundo, com a experiência acumulada é possível suportar as inevitáveis retrospectivas, as listas com os melhores livros e filmes do ano, os discos que marcaram os últimos doze meses, com jeito e paciência é mesmo admissível tolerar, com um sorriso, a inefável expressão que parece colada aos lábios das gentes por estes dias: “ano novo, vida nova”. Todavia, um insidioso costume persiste, minando a forma como veremos o próximo ano, porventura a razão maior para o nosso proverbial pessimismo: a expectativa.
Olhando para a palavra "expectativa" - que nos mira como se estupefacta pela grave acusação que lhe efectuámos sem piedade - talvez fossemos tentados a rever o opróbrio que vincamos, talvez sucumbíssemos à tentação tão portuguesa de corrigir a coisa com palavras mais doces, expressando até uma dúvida caridosa. Seria um erro, que a afirmação mantém-se, inalterada, correcta.
Atente-se na investigação de Chezy Ofir e Itamar Simonson que há anos estudam a importância das expectativas na avaliação de um produto ou serviço. Analisando o comportamento dos consumidores, aqueles autores concluíram que o simples acto de questionar sobre as expectativas altera negativamente as suas experiências. Num artigo recentemente publicado na revista “Journal of Marketing Research”, os economistas descreveram os resultados de um estudo para aferir a importância da expectativa na avaliação da experiência de compra num determinado supermercado, um primeiro grupo de clientes foi interrogado sobre as suas perspectivas previamente à sua entrada na loja. Aos consumidores do segundo grupo nada foi perguntado antes de começarem as suas compras. Ao saírem do supermercado, foi-lhes solicitada apreciação da sua visita.
Todos os consumidores que haviam partilhado as suas expectativas apresentaram índices de satisfação bastante mais baixos do que os elementos do segundo grupo. Ofir e Simonson identificaram esta característica como “acrescentamento negativo”, explicando que os indivíduos, quando numa posição de avaliador, têm uma tendência para se concentrar nos aspectos negativos, observando com maior acutilância problemas que normalmente ignorariam, por julgarem ser esta atitude mais distintiva e revelando mais inteligência. Com base nestas conclusões é, por exemplo, desaconselhada a entrega de inquéritos de satisfação quando os hóspedes acabam de chegar a um hotel, dado que despertará o seu natural “acrescentamento negativo”, convidando-os a um olhar mais critico.
A expectativa surge, pois, não como um inofensivo substantivo, mas investida da responsabilidade pelas avaliações menos boas, é justamente por este motivo que daqui a poucas horas quando alguém nos perguntar “quais as expectativas para o ano novo?”, saberemos que anda ali intenção demoníaca, saberemos que alguém pretende diminuir inexoravelmente a nossa percepção de 2006. Cuidado com as expectativas!

*publicado hoje no Jornal de Negócios

 

TÍTULOS BOMBÁSTICOS

... e diga-se que muito amigos dos animais como este.

2005-12-27

 

O CANDIDATO, POR ELE PRÓPRIO

P- Problema grave é o da deslocalização de empresas estrangeiras. Nessa matéria o Presidente pode ajudar?
ACS – Há uma coisa que pode ser feita em Portugal, que eu sei que já foi feita noutros países. Podia existir um responsável do Governo que fizesse a lista de todas as empresas estrangeiras em Portugal e, de vez em quando, fosse falar com cada uma delas para tentar indagar sobre problemas com que se deparam e para antecipar algum desejo dessas empresas se irem embora, para assim o Governo tentar ajudá-las a inverter essas motivações. Tem de ser feito por um secretário de Estado especialmente dedicado a essa tarefa.
P- Vai propor isso ao Governo?
ACS- Já o estou a propor aqui

In: Jornal de Notícias 27-12-2005:4

Neste pequeno excerto da entrevista de Aníbal Cavaco Silva ao Jornal de Noticias, não existe, em rigor, nada de novo. Aliás, estas declarações seguem a linha de outras entrevistas e intervenções públicas. Honra seja feita, Cavaco não engana: quem nele votar sabe perfeitamente que tipo de presidente resultará deste candidato. Um presidente que o próprio caracteriza (na mesma entrevista) como “treinador” alguém, portanto, mais próximo de primeiro-ministro. É simples e claro.
Neste trecho, é assumido clara e irremediávelmente o “estilo” que Cavaco desejará exercitar, caso seja eleito. Porventura enebriado com os resultados das sondagens, vendo-se já no papel de presidente, Cavaco Silva ensaiou uma nova abordagem, começando por dar conselhos (ou “propostas” nas suas iluminadas palavras) em entrevistas de jornal.
Cavaco vai esclarecendo como “cooperará” com o Governo: “propondo” medidas, novas secretarias de Estado e toda a sorte de ideias através de entrevistas, o que constituindo uma originalidade, não se vislumbra como promoverá a estabilidade e harmonia no país (que piedosamente afirma desejar).
Percebendo o erro de ter sido tão “claro”, Cavaco Silva entendeu dever “explicar” o inexplicável, contradizendo-se, pretendendo não ter dito o que de facto disse.
A candidatura de Aníbal Cavaco Silva não é outra coisa senão esta. Uma ideia complicada e errada do exercício do cargo presidencial, um tenebroso potencial para afrontar e dividir.
Quem nele votar, sabe certamente o sarilho que convocará.
É simples.

2005-12-23

 

ANÚNCIOS E VOTOS DE BOM NATAL

Sempre fiquei intrigado com alguns anúncios natalícios das rádios locais: por uma obscura razão algumas casas comerciais desejam, por estes dias, "a todos os clientes, fornecedores e amigos, um bom Natal".
Na aparência simples, este pequeno texto esconde porventura uma maquiavélica intenção, talvez que os comerciantes (estes comerciantes) desejem estabelecer uma fronteira clara: há a área profissional com os clientes (entes distantes, necessários, quando não dispensáveis) e os entediantes fornecedores e há os amigos (calorosos, companhia desejada), dois universos que os proprietários das casas comerciais pretendem manter devidamente separados.
Anuncia-se, deseja-se, uma quadra feliz aos clientes, fornecedores e amigos, como se abrindo aos primeiros a remota possibilidade de um dia (com esforço) poderem pertencer ao radioso grupo dos últimos.
Digamos que estes empresários assumem carregar uma cruz: aturam os fregueses, apenas porque, de vez em quando, lhes entram pelo estabelecimento os amigos para uns retemperadores minutos de galhofa.
Eis o capitalismo dos empresários que sofrem, que penam diariamente para aturar os “estimados clientes”.
Nada que se faça aqui.
No Abnegado, a porta está sempre aberta e todas as visitas são bem-vindas, razão mais do que suficiente para desejar a todos um Feliz Natal, e marcar o regresso para o próximo dia 26.

2005-12-21

 

EXAGEROS

Ontem à noite Mário Soares entrou no estúdio da RTP com a firme convicção de que “esmagaria” Cavaco.
Ao longo de uma hora, Soares foi obsessivo, disparando em todas as direcções sem saber concentrar-se no fundamental.
Após ter denunciado (e muito bem) a campanha enganadora de Cavaco, lembrando-lhe que não deve prometer aquilo que não pode manifestamente cumprir; depois de ter recordado (correctamente) que Cavaco já foi julgado anteriormente pelo eleitorado quando o derrotou nas eleições presidenciais de 1995; depois de lhe ter sublinhado (com exactidão) que não existem “salvadores da pátria” e que ele (Cavaco Silva) está longe de constituir o mito que tenta(m) construir; depois de tudo isto - que era muito e justo - Mário Soares deitou tudo a perder: cego pela vontade de exibir uma capacidade de “colocar Cavaco no seu lugar”, foi agressivo e deselegante exagerando na pouco cordial forma de se dirigir ao seu adversário (ele), utilizando um estilo acintoso, concluindo com uma inaceitável insinuação acerca do que os seus “amigos da Europa” lhe contariam sobre Cavaco Silva.
No fundo, Soares mostrou-se tal como é: combativo, utilizando argumentos fortes, certeiros, mas também o Soares “ó senhor Guarda, desapareça!”, quando recorreu à arrogância (“Cavaco não tem conversa, para lá da Economia não sabe falar de mais nada”); quando exibiu a insuportável crença numa superioridade que critica no candidato da direita; quando demonstrou uma crispação que, correctamente, havia identificado como perigosa na personalidade do seu adversário.
Esteve ali o Soares das mil contradições, oferecendo de bandeja a Cavaco Silva a oportunidade de se afirmar como vitima, proporcionando a Cavaco uma inesperada ocasião para vincar a sua perigosa e inaceitável mensagem de redentor.

2005-12-18

 

A VERDADEIRA ESSÊNCIA

O estimável senhor Ribeiro e Castro, discursando no congresso da juventude popular, decidiu apresentar a sua extraordinária opinião sobre as coisas do mundo.
Convicto, seguro, sem dúvidas, o senhor Castro garantiu ser a esquerda responsável “pelos grandes males do mundo”.
Nesta afirmação o que choca não é tanto a ignorância, não é tanto o grotesco branqueamento do fascismo ou do nosso Salazarismo, o que verdadeiramente choca é o ódio arraigado, latente, rancoroso, que a direita portuguesa alimenta.
Num partido notória e profundamente dividido, o líder viu-se obrigado a recorrer a esta torpe e vil declaração para encontrar união nos espíritos do PP. Aparentemente, o ódio à "esquerda" (presume-se que a toda a esquerda, a todos os homens e mulheres de esquerda) é o único elemento comum nos Populares (e talvez a sua razão de ser).
É nestes momentos que se revela a verdadeira essência de um partido.

 

O COMPANHEIRO VASCO

Hoje, no jornal Público, Vasco Pulido Valente decidiu dedicar a sua coluna à “análise” do candidato Manuel Alegre.
De todo o escrito conceda-se que tem alguma razão quando refere ter Alegre desapontado (não pelas razões que aduz, mas por que ainda não foi capaz de transmitir de forma cabal, nas suas prestações televisivas, as ideias e propostas que trouxe para esta campanha).
Todavia, a “análise” de Pulido Valente pretende apenas ser uma forma gratuita de denegrir Manuel Alegre. Na verdade, Valente socorre-se de dois argumentos (que considerará demolidores) para justificar a “irrelevância” de Alegre, “explicando” que a sua prestação televisiva “mostrou que não sabe nada de nada”; por outro lado, o articulista entende que sendo deputado e membro do PS, Alegre não pode reclamar “independência”.
Descontando a banalidade dos argumentos, conviria não esquecer alguns pormenores para evitar uma obnubilação da “análise”. Em 1995 Vasco Pulido Valente participou nas listas do PSD às eleições legislativas, em debate televisivo com José Magalhães não foi capaz de ir além das generalidades e confrangedora ignorância (sobretudo quando assegurou ser o ordenado mínimo 17 contos, quando na altura rondava 60 mil escudos), entretanto, a sua prestação como deputado no consolado de Fernando Nogueira não deixou registo relevante (para ser caridoso na apreciação).
Pulido Valente coloca-se numa posição desconfortável: acreditando efectivamente no seu método de avaliação, não ignorará que o mesmo deverá aplicar-se também à sua excelsa pessoa. Assim, tendo em conta a sua prestação televisiva somos forçados a inferir que o articulista “não sabe nada de nada” (utilizando a sua própria terminologia pueril). Por outro lado, suportando-nos na sua experiência como deputado, não poderemos concluir senão pela sua falta de “independência”.
À luz dos seus próprios critérios, a “análise” de Pulido Valente seria “irrelevante” e contraditória. Sucede, que não é correcto seguir esse fio de raciocínio.
O cronista consegue, certamente, fazer bastante melhor do que apenas esta peça esforçada ao estílo de um companheiro Vasco.

2005-12-16

 

ABISMOS

Talvez atraído pela ideia de imortalidade, talvez tomado por um súbito e luciferino impulso, o prefeito da cidade brasileira de Biritiba-Mirim, enviou à assembleia municipal um projecto exigindo: “fica proibido morrer em Biritiba-Mirim. Os munícipes deverão cuidar da saúde para não falecer”.
O dedo em riste do prefeito perfeitamente traduzido na frase imperativa, oficial, “fica proibido morrer”, porventura supondo uma perseguição pelo Além a todos os que ousarem claudicar.
Atemorizados, os populares recearam de morte a proibição. Aquela não era uma simples interdição, apenas as mãos poderosas, divinas, de alguém íntimo do Criador poderia ousar apossar-se da faculdade de proibir oficialmente a morte em Biritiba-Mirim.
Roberto Pereira da Silva, assim se chama o ousado prefeito, não resistiu à tentação, sucumbindo à maleita comum: transformou-se no ilusionista da sua própria ilusão, julgando-se elevado à condição sobrenatural.
O brasileiro, na sua grotesca decisão, exemplifica o estranho abismo de insanidade que o exercício do poder encerra para espíritos mais susceptíveis. Na verdade, são inúmeros os casos de deslumbramento de responsáveis políticos, mas também de muitos outros a quem foi conferido poder sobre os seus semelhantes. Com maior ou menor gravidade, vamos assistindo a pequenos déspotas aplicando afincadamente a sua deformada visão do mundo.
Desgraçadamente, eles andam aí.

2005-12-15

 

O CUSTO DAS OPÇÕES

O PS começa a experimentar sérias dificuldades nestas eleições presidenciais. A candidatura de Mário Soares não “arranca”, percebe-se que não desperta qualquer tipo de entusiasmo nem motivação.
Perante a impossibilidade de comprovar a bipolarização, o PS, pela voz de Jorge Coelho, lançou um patético apelo à desistência dos candidatos da esquerda em favor de Mário Soares.
Obviamente, a intenção do PS é apenas criar artificialmente a ideia de que Soares tem a força que as circunstâncias provam não ter, promovendo uma discussão sem nexo.
Trata-se apenas de mais uma manifestação de desconforto. O PS arrasta com notórias dificuldade o peso da sua opção, transformando estas eleições presidenciais num desnecessário jogo do tudo ou nada, (sendo que as possibilidades de recolher o "nada" são cada vez mais evidentes).

 

DEIXEM ENTRAR...

...há sempre lugar para mais um(a)!
 

DEBATE (VI)

Mário Soares entende gozar de uma espécie de privilégio da contradição, talvez até acredite que constitua uma espécie de charme.
O homem que diz não pretender falar de Cavaco Silva, destinou-lhe uma prolongada arenga, convocando o candidato da direita para um debate onde deveria estar ausente. Insurgindo-se contra as perguntas que lhe eram colocadas, desejando falar de “coisas mais importantes”, compôs um ar de mestre-escola, questionando, de cenho cerrado, Manuel Alegre. Despertando uma bizarra visão do exercício de cargos políticos, entende que a presidência da República deve ser assumida por alguém com experiência. No meio de todo este frenesim, ouviu de Alegre a observação mais mordaz e mais simbólica da sua contradição endémica: “se há pessoa que dorme sossegada em qualquer circunstância é o dr. Mário Soares”.
Soares estava ali com um objectivo claro e evidente: minimizar a candidatura de Manuel Alegre, a todo o custo. Concentrou-se nas acusações, desafiando Alegre para uma refrega pouco dignificante, que este soube evitar.
No final, ufano, garantia aos jornalistas “ter vencido o debate”, porventura celebrando uma espécie de fantasiosa vitória antecipada.
Soares talvez acredite que assim foi, talvez creia que lhe basta decretar uma intenção, uma sentença, para que se torne definitiva. Sucede, contudo, que existe uma diferença profunda entre o (seu) desejo e a realidade.

2005-12-14

 

DO PODER DE COMPRA



do blogue bandeira ao vento

 

DEBATE (V)

Cavaco Silva apareceu estranhamente jovial no debate com Jerónimo de Sousa, talvez antevendo o que dele resultaria: uma sensaboria.
Jerónimo de Sousa não foi capaz de verdadeiramente enfrentar Cavaco, oferecendo-lhe oportunidades para se destacar, nomeadamente através da associação pouco séria que fez entre a morte de um policia no exercício do dever e as manifestações dos agentes de autoridade nos tempos do governo Cavaco no episódio que ficou conhecido como “secos e molhados” – permitindo a Cavaco Silva a óbvia explicação.
Os moderadores conduziram o debate para temas pouco relevantes, exibindo uma grande fragilidade que disfarçaram (sobretudo Ricardo Costa) com uma arrogância relativamente a Jerónimo de Sousa inaceitável.
No final, os candidatos encontraram uma curiosa coincidência de opinião (que Cavaco, divertido, registou) relativamente à prostituição.
Presumo que, terminado o debate, Cavaco Silva estivesse grato a Jerónimo de Sousa: este foi, de facto, um (seu) camarada!

 

VALE A PENA LER...

...este texto de João Pedro George.
Acabo de ler o livrinho (lamentando profundamente o tempo perdido). Concordando totalmente com o João Pedro George, pergunto-me como pode haver tanta gente celebrando esta espécie de "Caras" versão "king size".

2005-12-13

 

DEBATE (IV)

Manuel Alegre e Francisco Louçã discutiram cordatamente as suas opiniões.
Alegre esteve bem, assumindo uma postura serena, reforçando as ideias que tem vindo a apresentar na sua campanha.
Francisco Louçã manteve o seu discurso escorreito, trazendo uma “boutade” para abrilhantar a noite: demitir Jardim. Manuel Alegre deixou-se enredar demasiado na questão, escorregando na proposta de impossibilitar uma recandidatura do responsável demitido (que depois, humildemente, reconheceu ter sido um erro).
Houve ainda a hesitação de Louçã quanto à pátria, assumindo que o termo não lhe é grato, recordando a lembrança dos tempos do Estado Novo explicou que a pátria a sentiu em Londres, Barcelona e outras capitais aquando dos desfiles contra a guerra do Iraque.
Ora, o patriotismo, como Alegre tem vindo a defender, não é, não pode ser, um património da direita, o orgulho, o amor pelo país, constituem um elemento comum que deve ser preservado e reforçado. Louçã parece conviver mal com esta ideia.
No final ficou mal a Louçã aproveitar o minuto de encerramento, sabendo que não haveria réplica, para deixar uma nota corrida insinuando que a candidatura de Alegre tem como objectivo afrontar Soares. Se desejava discutir essa questão deveria tê-la convocado durante o debate, ao encerrar com esta provocação deixou uma desnecessária imagem deselegante de si próprio.

2005-12-12

 

O PREÇO DO POPULISMO

Avelino Ferreira Torres presidiu à câmara de Marco de Canaveses durante 23 anos.
Ao longo deste período, foi celebrado pelo PP como “autarca modelo”, tendo aquele partido chegado a identificá-lo como possível senador numa hipotética câmara alta.
Durante quase um quarto de século, a criatura exerceu o poder de forma autocrática, corporizando o mais abjecto populismo, envolvendo-se em negócios que a justiça haverá de esclarecer.
As populações pareciam apoiar entusiasticamente o seu exemplar trabalho, conferindo-lhe cinco maiorias.
Quem actualmente ocupa a cadeira presidencial é Manuel Moreira. Num pungente pedido (que desgraçadamente se irá repetir noutras paragens) o edil reclama a atenção para o seu concelho que, afirma, “vive uma situação de emergência municipal”. Os números chocam pelo opróbio que traduzem: a rede de abastecimento de água cobre apenas 24 por cento do concelho e o saneamento básico está apenas acessível a 17 por cento. A dívida, entretanto, vai crescendo por cada gaveta aberta, revelando mais débitos desconhecidos.
Naturalmente, não faltam rotundas com fontes cibernéticas, pavilhões desportivos e estádios de futebol. A “obra” que garantiu a Avelino Ferreira Torres 23 anos no poder, está lá para quem a queira ver: monumento ao mais insano desmando, ao populismo puro e duro.
O que assusta neste exemplo arrepiante não é a sua originalidade, o que assusta e revolta é saber que muitos outros casos de “emergência municipal” e “emergência insular” estarão para ser conhecidos na sua verdadeira dimensão.
Todos revelam a penosa factura que o populismo apresenta com os melhores cumprimentos.

 

UM "PAI NATAL" PENDURADO

Terá sido há dois ou três anos que a moda se iniciou - uma moda bizarra diga-se. Uns estranhos bonecos, desafiando os limites da fealdade e da piroseira, começaram a fazer parte da “decoração” natalícia no exterior de algumas habitações. Olhando com mais detalhe (um exercício que deverá ser efectuado com parcimónia para não provocar insónias) a bonecada parece assemelhar-se ao “pai natal” trepando parede acima.
Bastará passear por um qualquer bairro residencial do país para comprovarmos que rapidamente a moda degenerou em praga.
Ali estão aqueles hinos ao ridículo, dependurados numas cordas.
Parece que temos uma vertigem pelo mau gosto, pelo pechisbeque. Num impulso mimético, multiplicamos tudo o que é reles, já assim foi com o autocolante da “penélope” nos carros, as lojas dos trezentos (agora chinesas), o colete reflector “vestindo” o banquinho da frente do veículo, isto para não falar dos clássicos como o cãozinho em eternas aquiescências ou o barrete tricotado que escondia um oportuno rolo de papel macio.
Que podemos fazer, somos assim, talvez esteja no nosso código genético.

2005-12-11

 

ANÚNCIO DE UM DESESPERO

Mário Soares desabafou publicamente, afirmando sentir pouca mobilização do PS nas suas acções de campanha.
Esta inconfidência é muito significativa: Soares assume claramente que a sua campanha não é, por si só, suficientemente mobilizadora. Sem o postiço entusiasmo dos “apoiantes” arregimentados pelo partido, estaria “desacompanhado” por um país que manifestamente lhe vira as costas.
É justamente esta leitura que obriga os dirigentes do PS a concentrar as suas atenções e energias no seu grande adversário: Manuel Alegre.
É este desespero que impele Soares a “aconselhar” Alegre a desvincular-se do partido.
É este desespero que leva um ministro a participar na campanha não para apoiar Soares, mas para atacar Alegre.
Será este desespero que obrigará, em breve, Sócrates a assumir as suas criticas veladas a Manuel Alegre.
Nada que surpreenda: o PS entrou numa aventura cujo desfecho era visível.
A esperteza da fórmula de “limpeza” interna, escolhida pelo directório socialista era (é) um jogo perigoso. Se o segundo lugar de Soares constituía um resultado ideal, o terceiro lugar anuncia um desastre, maior ainda se Alegre passar à segunda volta (os socialistas serão obrigados a apoiar aquele que hoje criticam com tanta veemência).
O PS denota desespero nas suas atitudes, talvez fizessem melhor se recuperassem o célebre aviso de Vitorino: “habituem-se!”.

 

DEBATE (III)

Esteve bem Francisco Louçã no debate com Cavaco Silva. O candidato apoiado pelo Bloco de Esquerda foi claro na enunciação dos pés de barro do Cavaquismo. Raramente chamando o seu oponente pelo nome, utilizando uma desnecessária fórmula (o meu adversário), Louçã fez, contudo, bem o seu papel, explicando com clareza as suas criticas, obrigando Cavaco a uma defesa pouco convincente.
O momento maior surgiu, entretanto, quando Cavaco Silva, orgulhoso, quis ali mesmo fazer um apelo: estava na altura de ser efectuado um “grande estudo” para análise rigorosa e actual da situação da Segurança Social. Louçã, lembrou então que esse estudo já foi realizado, entregue na Assembleia da República, e que ele (Louçã) já o havia lido. Cavaco, cautelosamente, optou por ignorar olimpicamente a observação.
Ora, este revelador pormenor que reduziria a credibilidade de qualquer candidato é ainda mais penalizador para Cavaco: tendo construído uma imagem de rigor e de “conhecimento dos dossiês”; tendo repetidamente afiançado não ser homem de retórica; Cavaco Silva mostra que, afinal, não conhece os “dossiês” mais elementares e fundamentais (ele próprio assumiu que a “crise da Segurança Social” é um problema essencial da sociedade portuguesa), mostra que fala do que não conhece e que soçobra quando encontra pela frente alguém que domina a (única) área em que parece estar mais à vontade.
Depois de tudo isto sobra o que?

2005-12-09

 

BEACH BOYS

Ontem, em campanha no Algarve, Cavaco subiu ao palanque para garantir que pretende concentrar a sua campanha em duas “ideias chaves” (sic), desejando que todos “rememos para o mesmo lado” - forma outra de expressar a ideia cândida “de darmos as mãos” -, isto porque, evidentemente, Cavaco julga que dessa maneira o país encontrará o rumo (recuperando a velha imagem do homem do leme). E o rumo que Cavaco defende, sonha, é “transformar Portugal na Califórnia da Europa”.
O candidato não explicou que Califórnia pretende: se aquela onde as privatizações da distribuição de energia eléctrica implicaram vergonhosos e frequentes “apagões”; se a Califórnia do Silicon Valley (garantindo-nos a tardia descoberta de uma área que a India já domina há muito); talvez que Cavaco pretenda apenas transformar Portugal numa espécie de país de “beach boys” da Europa, criando um espaço animado de grande alegria e “alto astral”, com as indispensáveis donzelas nos eternos e ousados fatinhos de banho (sofrendo certamente com o frio do inverno lusitano), um local com gente subitamente feliz, irmanada num objectivo único, todos de mãos dadas, confiantes no “homem do leme”.
Um galhofeiro, este Cavaco.

 

DEBATE (II)

Mário Soares e Jerónimo Sousa cumpriram apenas calendário num debate que manifestamente os (nos) aborreceu.
Soares surgiu nitidamente cansado e sem chama. Na tentativa (vã) de explicar a sua candidatura, repetiu que ele próprio teria sido uma terceira escolha, depois de repetidas recusas de outros socialistas, colocando-se a si próprio na posição pouco aconselhável de solução de recurso.
No final, Soares estranhamente atabalhoado não foi capaz de apresentar um fio de discurso minimamente aceitável no minuto que sabia ter disponível para encerrar o debate, olhando displicentemente a cábula e os entrevistadores, ignorando a câmara (ignorando-nos a todos).
No mais, um debate de dois candidatos que não se quiseram confrontar e que porventura se reservam para aqueles que verdadeiramente os motivam: Louçã (Jerónimo de Sousa), Cavaco e Alegre (Mário Soares).

2005-12-07

 

UMA BOA IDEIA

...aqui.

2005-12-05

 

DEBATE (I)

Cumpriu-se o primeiro debate para as eleições presidenciais. Tensos e espartilhados num modelo plástico, sem vida, os candidatos pareceram enquadrados por uma moldura onde não soubessem repousar as mãos.
Cavaco começou à defesa, fugindo para um imaginário espaço dos anfiteatros, cuidando dar uma aula de finanças, explicando, detalhando, números, cifras, pormenores. Parecia estar ali a espalhar sobre a mesa um estendal de atributos executivos, económicos, que julga fundamentais para o exercício do cargo presidencial.
Não conseguiu explicar o criativo conceito “cooperação estratégica” (quase parecendo uma introdução de um qualquer manual de gestão), garantindo que não quer “ficar sentado a observar” quer “aconselhar medidas” ao governo, quer, em suma, intervir.
Manuel Alegre abriu o leque, falou da pátria, de estratégia, sublinhou a importância da nação, da língua, da cultura portuguesa, lembrou que nenhum, mas nenhum, detém uma “varinha mágica”, que não há salvadores.
Cavaco manteve o registo quase pueril (disfarçando uma leitura única da realidade), entende que pode e deve promover um pacto: um pacto na justiça, um pacto para a educação. Talvez por tanta insistência, talvez por crença, Cavaco Silva abraçou, definitivamente, o messianismo, acreditando que todos “darão as mãos” – o país subitamente encontrado, feliz – apenas por que ele assim o diz ou deseja.
No final, Cavaco (mais profissional encarando de frente a câmara) falou de “crise”, Alegre de “confiança”.
Dir-se-ia que duas concepções, duas visões distintas, estiveram em confronto neste serão: a crença de Alegre na nação, a fé de Cavaco em si próprio.
Foi um debate, não um jogo, logo não houve vencidos, tão-pouco vencedores, apenas sobram mais dados para a escolha maior no dia 22 de Janeiro.

2005-12-04

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (IV)

Todos os dias à hora do jantar, cumprindo um estranho ritual, começava a vozearia, a altercação. Naquele terceiro andar esquerdo parecia habitar um casal em eterna discórdia.
Menos mau dado que a horas aceitáveis, condescendia o administrador do condomínio, na inutilidade dos avisos, na incapacidade de uma alteração do comportamento tão incivilizado.
No inicio o que intrigou mais a pequena comunidade do prédio não foi tanto a singularidade regular da revolta, mas a curiosa reclusão da parceira. Organizaram-se piquetes de observação, na tentativa de perscrutar todas as entradas e saídas do terceiro esquerdo, uma curiosidade quase mórbida dominou o prédio na expectativa de conhecer a contendora, aquela que todos os dias à hora habitual encontrava razões para contestar, para discutir com tanta veemência. E sempre a mesma decepção, nem sinal da mulher da voz tão familiar, tão pontual.
Talvez que estivesse acamada, doente, reclusa na sua própria casa.
O marido (estimava-se que o marido) era já conhecido pelo homem misterioso, vizinho desconhecido que não ouvia os pedidos de silêncio, não trocava palavra, não respondia aos acenos, não devolvia um cumprimento.
Encerrado no seu doentio casulo de silêncio, o homem misterioso tanto tempo sem um grito, sem um som, ouvindo, passivo, a diária avalancha de insultos.
Os outros que o olhavam, respeitosos, na certeza de uma alma sofrida, complacente. Talvez um homem santo, que ali mesmo no prédio carregasse uma cruz, obedecendo a um destino invulgar.
E o homem misterioso que chegando a casa, tirava o casaco, e em gestos rotineiros dava inicio à sua fantasia: ligava o leitor de cassetes com o som no máximo, reproduzindo uma outra vez a gravação da voz feminina, gritando, acusando-o.
Todos os dias, à hora do jantar, não era mais o homem só, naquele momento diário erguia-se do anonimato, sabendo-se, orgulhoso, o centro das atenções.

2005-12-02

 

"ANÚNCIOS PESSOAIS"

A leitura dos “anúncios pessoais” - publicados com impressionante regularidade nos jornais - constitui um interessante exercício de análise sociológica. Ali encontramos de tudo: desde o cidadão, ou cidadã, que declina publicamente qualquer responsabilidade por dívidas contraídas pelo cônjuge; agradecimentos por tratamento médico (muitas vezes apenas pelos cuidados e simpatia); pedidos de desculpa; até mesmo anúncios com pendor humorístico.
Muitos são resultado de acordos judiciais, outros efectuados por precaução, outros ainda por uma pulsão do momento. A verdade é que, na sua leitura, poderemos observar um pouco da “sociedade civil” na expressão das suas pequenas misérias, temores e anseios.

2005-12-01

 

VALE A PENA LER...

...esta estória da história.
 

PARABÉNS

O Blogoperatório celebra dois anos. É obra: pela longevidade, mas sobretudo pelo comentário acertado, assertivo e pelo bom gosto estético. Uma visita diária indispensável. Erga-se o cálice de Porto para celebrar com a Ana Lúcia Fernandes, o José Teófilo Duarte e a Raquel Rainho - os cirurgiões de serviço.

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