2005-02-17

 

A SEMANA (I)

A fórmula semanal implica perder-se o imediatismo do texto escrito “a quente”. Ganha-se em distanciação o que se perde em emoção. Não se pode ter tudo.
Inauguro esta fórmula, com 9 humildes textos.

Bom fim-de-semana

O LIVRO E A CARTA: Santana Lopes anda num verdadeiro frenesim de publicações. Confesso que lhe perdi a conta. Em todo o caso, esta semana dei de caras com um expositor na loja da Fnac com uma mão cheia do que julgo ser o seu novo “livro”. Este contém uma selecção de crónicas (presumo que as “melhores”) que publicou na imprensa (no DN, claro).
Folheio a correr e fixo-me num título que prometia: “O dia dos Namorados – Portugal e o Euro” Tomei nota desta frase, na pag.26 (desculparão o mau português, mas faço a transcrição ipsis verbis): “embora não pelas razões que pensam os espíritos sempre atentos à minha trajectória, este ano, dedico particular atenção ao dia dos namorados. Cada um sabe de si e, para mim, este dia deste ano assume particular significado, tendo razões para escrever e a última delas, mas verdadeira, é a de chamar a atenção para que o que é privado, ou íntimo, não está sujeito a explicações, ao contrário do que é público, ou do colectivo, e que a todos deve interessar”(sic). Pela minha saúde como retirei esta pérola do “livro”. Li e reli e, sinceramente, não percebi.
A queda para a escrita (na verdadeira acepção da palavra) é, de resto, materializada em desabafos epistulares como este: “Tenho defeitos como todos os seres humanos, mas conhece algum político em Portugal que eles tratem tão mal como a mim? Também o tratam mal a si. Já somos vários. Ajude-me a fazer-lhes frente.” (sic)
Palavras para quê? É um artista português.

O DEBATE (1): O debate começou com uma boa pergunta de Judite de Sousa, quando questionou José Sócrates sobre os sacrifícios que deveriam ser assumidos no caso de formar Governo. Sócrates contornou a questão, fez mal. Mas percebe-se que havia ali armadilha. A pergunta fazia sentido e deveria ter sido colocada a TODOS os candidatos.

O DEBATE (2): Paulo Portas teve dois momentos reveladores: um primeiro quando se empertigou perante o que considerou ser a postura arrogante de Louçã que acusou de pretender colocar-se “12 degraus acima de todos os outros em termos de moral”. Percebe-se que tenha ficado indignado por alguém ter tomado o lugar que julgava ser o seu.
Um segundo momento ficou, infelizmente, sem resposta. Portas, disse que o reforço da votação nos partidos de centro-direita (presume-se que entenderá que é aí que se situa o PP) será uma garantia para a defesa da presença de Portugal na NATO e, sobretudo, perante a União Europeia. Ora, neste último caso entende-se que quereria reforçar a importância de não colocarmos em causa a pertença à União Europeia. É este o líder partidário que mais bramou contra a Europa, que mais se insurgiu contra a perda de soberania que lhe estava associada, que teve necessidade de criar um neologismo apócrifo e tonto (eurocalmo) para justificar a cambalhota que a coligação com o PSD exigiu, é pois, fantástico que este senhor se coloque agora como o paladino da Europa!

O DEBATE (3): Santana Lopes tem especial predilecção pela chamada postura de café. Ali estava, com ar enfadado, parecendo querer abraçar a cadeira. Uma vez mais a sua prestação foi paupérrima. Onde estão, afinal, os méritos (tão gabados) de Santana para debates?

TODOS LHE AGRADECEMOS: Perante as acusações de ter utilizado a morte da Irmã Lúcia para fins políticos, Paulo Portas colocou o seu melhor ar beato, inclinou ligeiramente a cabeça para o seu lado direito, fechou os olhinhos, colocou a voz com alguma tremura e disse magnânimo: “não guardo ressentimentos”. Todos ficámos com uma lágrima no canto do olho ante a emoção que este momento de rara beleza nos proporcionou e estamos, obviamente, agradecidos (e aliviados) pela indulgência.

DESEMPREGO: Os dados do INE relativos ao desemprego em 2004 são muito preocupantes. A taxa de 7,1% (390.000 desempregados) só por si implica um arrepio. Mas analisando mais profundamente percebe-se que o futuro não nos traz nada de bom.
Foi nos sectores da construção e da indústria (sobretudo têxtil e calçado) que se sentiram mais os efeitos do desemprego, sabemos que infelizmente esta tendência não abrandará podendo mesmo crescer. Há, contudo, um dado que vale a pena analisar: o número de desempregados com o ensino secundário e superior diminuiu, em contrapartida, aumentaram em 16,2% os desempregados com o ensino básico. Numa frase: compensa investir na Educação.
Não estamos, pois, a falar de uma situação conjuntural, mas sim estrutural.
Assitimos à mudança do perfil da nossa Economia, vamos progressivamente deixando de ter na mão-de-obra barata a nossa maior vantagem competitiva. Todavia, esta mudança (que seria positiva se fosse compensada com a criação de postos de trabalho mais exigentes) está a ocorrer sem que nos tenhamos preparado efectivamente para ela. Na verdade, vamos perdendo estes postos de trabalho em detrimento de outros países que, entretanto, se posicionaram como melhores alternativas. A nossa Economia ainda não consegue compensar os empregos com base nos salários baixos perdidos. O investimento em Educação é o único verdadeiramente frutuoso, mas implica mudar mentalidades e é moroso.
Receio que tenhamos de conviver com esta chaga durante bastante mais tempo.
Trata-se de um problema a merecer por parte do poder político bastante mais do que declarações genéricas de intenções.

THE DAY AFTER: Este artigo de José Pacheco Pereira merece ser lido com atenção. julgo que traduz bem um dilema de muitos militantes e simpatizantes do PSD.
O partido social-democrata constitui um elemento fundamental da nossa Democracia pelo que não pode passar-nos ao lado a turbulência interna que vive, mas sobretudo, viverá, no pós-20 de Fevereiro. Mais do que discutir a coerência (ou falta dela) desta, ou daquela atitude, entendo que a forma como o PSD souber lidar com os resultados das próximas eleições pode contribuir para uma alteração do sistema partidário português.
Estes últimos meses trouxeram a arrepiante materialização do futuro próximo da política nacional se nada fôr, entretando, alterado. É nesta direcção que nos levam os partidos portugueses de que já falei há algumas semanas neste texto.
Acredito (tenho de acreditar) que ainda vamos a tempo. Desejo que nas próximas eleições o PS ganhe com maioria absoluta para que possa governar durante uma legislatura.
Já agora uma ingenuidade sincera: espero que o PSD inicie, logo a seguir às eleições, um processo de reflexão e mudança profunda que possa trazer à política nacional uma lufada de ar fresco.

UM REFLEXO DO QUE SOMOS: É estranha a ânsia pelo directo evidenciada pelas televisões. Qualquer acontecimento justifica o envio de um repórter para o local com a incumbência de ouvir o “povo”. Invariavelmente o exercício é penoso.
Perante a inexistência de assunto, ocupa-se tempo de antena com perguntas imbecis e respostas à altura.
Este impulso ganha relevo particular em momentos de maior emoção. Num inconsequente exercício de tentativa de advinhar quem nasceu primeiro se a galinha ou o ovo, perde-se tempo a discutir se as hordas que se dirigem para o "local do acontecimento" o fazem pelo impulso voyeurista, se acicatados pelo espectáculo mediatico entretanto montado, se por ambas. A verdade é que basta uma tragédia, ou uma comoção nacional, para que surjam, de todos os cantos do país, pequenas multidões em evidente excitação, procurando "vêr com os seus olhos" e assistir ao "circo" das emoções gratuítas.
Ali estão com olhar basbaque assistindo ao desenrolar da acção (qualquer que ela seja). Anseiam um microfone para poderem desabafar, contar as suas agruras, explicar que estão ali desde a manhã, contar os sacrifícios que fizeram para ali chegar, as horas de viagem "venho de longe, sabe?", queixar-se "deles" que não os deixaram ver de mais perto, que dificultaram o acesso, o diabo.
Há naquelas multidões um sofrimento antigo, há ali a necessidade de catarse, há ali o apelo das emoções servidas ao vivo e em directo. É a isto que recorrem as televisões, apontando o microfone para ocupar minutos num serviço noticioso dolorosamente esticado, quase interminável.
Mais uma vez vi este reflexo na "cobertura" da morte da Irmã Lúcia.
Por vezes os repórteres são levados pela ilusão da (sua) superioridade, vendo de cima o espectáculo. São rapidamente colocados no seu lugar pela mão ancestral de vidas antigas, como aconteceu há alguns anos atrás quando um destes meninos perguntou a uma anciã de uma terra perdida da Beira Interior, o que achava da juventude, perante tão inteligente questão, a senhora respondeu-lhe com um enigmático e sumarento: "acho que sim"!
Francamente não me interessa saber o que acontece noutros países, esse tipo de comparações encerra, quase sempre, um exercicio de menorização que deploro. É apenas e só, uma preocupação de um português olhando para o povo a que pertence nas suas misérias e grandezas.

UMA ESTUPIDEZ DE LONDRES: O presidente da Câmara de Londres Ken Livingstone é um dos políticos mais destacados e experientes de Inglaterra. Tem a fama (e o proveito) de ocupar a ala mais esquerdista do partido trabalhista.
Recentemente, dirigiu-se a um jornalista judeu do Evening Standard, Oliver Finegold, comparando-o a um guarda de um campo de concentração nazi.
Perante a indignação geral, Livingstone matém que não cometeu nenhum erro e não vê qualquer razão para um pedido de desculpa. A frase é imbecil, a postura arrogante, traduzindo uma intransigência inadmissivel e laivos racistas. Para além disso, ao utilizar este exemplo num insulto público, o presidente da Câmara londrina está, ainda que involuntariamente, a banalizar um dos mais negros períodos da história da Humanidade.
São motivos de sobra para que se retractasse.
O político inglês não percebe que ocupando um destacado cargo público não pode, não deve, enfurecer-se desta maneira e muito menos persistir num erro.
Assumir que errou, pedir desculpa, eis o que se espera(va) dele.

Textos na blogosfera a merecer leitura:
Ainda há dúvidas? no Tugir em português
João Aristóteles no Só Palpites
O Jovem deliquente no Ramdom Precision
O efeito de ser amostra no Margens de Erro
As piadas que eu perco por não ver televisão no Ideias em Desalinho
Cortar silêncios no La Pipe
Carnaval o mundo às avessas no Salvos e Afogados
Carlos Paredes no A Fábrica
As vantagens dos Blogues no Bloguitica


Comentários:
Valeu a pena esperar, parabéns pelo(s) post(s). Obrigado pelo bom bocado de leitura proporcionado, obrigado pela referência ao "Salvos". Já agora, que tal se o "Abnegado" se abnegasse (de forma visível... sei lá... duas vezes por semana... só duas vezes... Não dá?
Um abraço.
 
E agora? Como é que eu vou comentar? Com que pernas?!
Gostei muito. Como diz, terá perdido em emoção, mas não perdeu a qualidade que o caracteriza!
Obrigado pela referência ao "Só Palpites"
 
Que grande post.
Grande em qualidade, e especialmente a análise ao desemprego, que eu acho brilhante.
O meu muito obrigado por referir a minha Fábrica.
Força e um abraço.
 
Luís,
Tenho andado preguiçosa. Não é bonito e é injusto, sobretudo, para quem me visita, mas conto com a compreensão alheia.
Subscrevo as palavras de JRD, no que respeita à separação dos textos, mas só em parte. Ou seja, não peço que os insira dia a dia, mas que, pelo menos, o faça como 'posts' separados, tal como fez no dia 11, p.p., em que tem 2 'posts' que podemos ler e comentar, separadamente.
Fica mais fácil para quem comenta e, para si, não será grande sobrecarga. Ou é?... (desconheço este sistema).
Entretanto e como sempre, obrigada pelas opiniões, críticas, alertas que nos proporcionou.
Grande abraço.
DespenteadaMental
 
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