2005-03-31

 

REGRESSO À NORMALIDADE

Existe uma estranha sensação de estarmos fora, numa existência outra, quando somos tomados por urgências tamanhas, apontando com dedo acusador o calendário, o dedinho “toc-toc” sublinhando a data. As urgências, essas senhoras descaradas que nos acordam no sono, que nos gritam sem cerimónias, que nos puxam as orelhas como se fossemos gaiatos apanhados em flagrante. Não pedem, mandam. Chegam, instalam a sua tenda de caos, carregam na tecla e desligam o nosso quotidiano. Pára tudo, férias desperdiçadas, gastas, nos cuidados que estas senhoras exigentes obrigam.
A sua tirania, tal como todas, não tem a duração da eternidade. Chega sempre o dia, a hora, em que nos vingamos, concluindo a tarefa que as senhoras tão pressurosamente escudaram, cumprindo os prazos tão despóticos, aí regressamos à confortável normalidade, aos nossos dias mais amparados pelo conhecido, até ao próximo retiro obrigatório.
Faz-se a leitura apressada dos quilogramas de jornais em atraso, tenta-se recuperar o contacto com o mundo.
Na Pátria, nada de novo dir-se-á, e neste nada está tudo. Fazia-nos falta esta “normalidade” política, saber que o Governo existe não por que alardeia a sua presença em tiques novo-riquistas, mas tão-só porque Governa. Há recato, imagina-se que trabalho, aguarde-se criticamente os resultados. Fica, contudo, uma pequena nota, um sinal, um mau sinal.
Freitas esteve no Casino do Estoril, estava ali representando o Governo na cerimónia de atribuição a Durão Barroso do prémio personalidade do ano pela associação de jornalistas estrangeiros. Chegou, foi abordado pelos jornalistas, e não resistiu: assegurou que Barroso era, de facto, o português que ocupava o mais alto cargo internacional, afiançando que “estava à vontade para o dizer”. Este “à vontade” já ficava mal, mas não resistiu concluir dizendo “houve tempos em que fui eu a ocupar essa posição”. Este deslumbramento, este hábito de auto-elogio de Freitas (que já se tinha manifestado quando acusou de “inveja” aqueles que o atacaram na lamentável exibição de imbecilidades no Parlamento) parece-me o contraponto (mau) ao resguardo dos restantes membros do Governo.
Entretanto, há coisas que não mudam: o apresentador do jornal televisivo da SIC continua a garantir-nos que o país e o mundo são coisas distintas, continua com a certeza de que amanhã trará notícias do Mundo, mas também do País, logo depreendendo-se que este não pertence ao primeiro. Haja quem pegue num planisfério, e faça o papel das senhoras urgências, aponte com o dedo a organização geográfica, o dedinho “toc-toc” no desenho do mapa da nação, o dedinho “toc toc” mostrando os continentes (todos), o dedinho “toc-toc” apontando a fórmula matemática do conjunto, o dedinho descobrindo uma voz, garantindo: “vê lá se aprendes!”

Comentários:
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E o dedinho "click-click" que todos os dias "clica" para o "Abnegado" na expectativa de ler novos posts teus e finalmente os encontra?
Espero que essa "urgência" tenha sido bem resolvida... que a tese seja profícua... que lhe reconheçam a qualidade e validade científica que, certamente, terá e que este regresso à normalidade se refira, também, à blogosfera. Um grande abraço.

PS: Quanto ao Freitas... há personagens que, se não se colocam em bicos de pés, não aparecem na fotografia. Há outros que, quando se colocam em bicos de pés, desaparecem da fotografia
 
Também eu saúdo o regresso à normalidade.Confesso que começava a desesperar!!!
Quanto ao dr Freitas do Amaral, é uma pena que cometa esses erros porque, de facto, começa a precisar que lhe digam que, assim, estraga a fotografia!
Um abraço
 
Ainda bem que voltou! É que passar cá todos os dias e não haver nada de novo é aborrecido :-)
Quanto ao governo, olhe muito me tem surpreendido pela positiva. Gosto deste recato sim senhor. O Dr Freitas sempre gostou de um bom protagonismo, se, talvez, ninguém der grande importancia a essas "aparições", talvez ele se dê tambem ao recato.P.S-Hum...eu bem desconfiava que não pertenciamos ao mundo! Pelo menos a este. Agora saber qual.
 
Queixo-me do mesmo que os comentadores anteriores.
Vem-se aqui à procura de bem dizer e... coisa nenhuma.
Claro, mais importâncias! Coisas urgentes! Toc, Toc, Toc.
A gente rala-se, não é?
Ora bolas.
 
Finalmente (bem)regressado.
«Há recato, imagina-se que trabalho, aguarde-se criticamente os resultados.» - pois é, imagina-se, espera-se, confia-se. Talvez estejamos apenas surpresos com a «normalidade»; talvez «eles» estejam apenas aflitos com a realidade.
Sobre o Freitas, o pedro éfe resumiu bem a coisa: o homem fica sempre mal na fotografia.
 
Luís,
Parando, hoje, para comentar o que já lera, ontem.
Antes de desviar-me para outras veredas, reafirmo o voto de que estes seus dias de recato tenham sido bem compensados.
Quanto ao recato governamental, para mim, tem sido um sossego de que tanto necessitava, após o período esquizofrénico do faz-tudo-e-não-faz-nada.
Quanto ao Freitas, entenda - não é fácil passar de delfim aos bastidores. Agora, que lhe deram palco, o homem quer fazer brilhar as lantejoulas. Acaba por ser um pisca-pisca na quietude geral. Pequenas vaidades!
Já em relação ao "geógrafo" SICático e às respectivas patetices, deve tratar-se de um apreciador de frioleiras verbais. A avó deve passar o tempo a dizer-lhe que ele fala tão bonito ;)
Abraço.
 
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