2005-04-10

 

UMA QUESTÃO DE ESCOLHA

A edição de Abril da Harvard Business Review publica uma análise particularmente reveladora da economia mundial. Os autores do estudo investigaram, detalhadamente, a riqueza dos paises entre 1980 e 2000. Verificaram uma clara divisão entre três níveis distintos. Cerca de 20% da população mundial vive com um rendimento per capita superior a 23.000 dólares, outros 20% registam rendimentos médios de 10.000 dólares, enquanto que os restantes 60% subsistem com menos de 2.500 dólares. Como resultado da chamada “globalização” nas duas décadas entre 1980 e 2000 os mais ricos registaram um extraordinário crescimento da sua riqueza. Simultaneamente, as nações mais desfavorecidas aumentaram o seu rendimento, ainda que de uma forma modesta. Contudo, a riqueza disponível nos países médios (onde Portugal está incluído) estagnou ou diminuiu. As nações mais ricas, com uma economia apoiada na tecnologia e inovação, não foram afectadas pelo crescimento da China e da India, ao passo que os países incapazes de modernizar a sua economia convivem mal com o surgimento dos colossos orientais onde se concentra 40% da população mundial.
Portugal vive, desgraçadamente, neste último grupo. Durante anos, muitos patrões defenderam e procuraram um proteccionismo que os defendesse das suas ineficiências e incapacidades. Viram nos subsídios uma forma encapotada para essa defesa. Não modernizaram, não investiram, não se prepararam. O poder político foi fechando os olhos a este regabofe, traduzindo a sua total incapacidade para inverter uma situação perversa num país que publicamente clama pela liberdade criadora da iniciativa privada e que em privado exige a protecção do Estado. Os nossos compatriotras garantiram, entretanto, que a tradição do divórcio com o saber, o estudo e a vontade de aprender, se mantivesse cruelmente actual. Deixámo-nos ficar na (aparentemente) cómoda posição de quem não muda, deixámo-nos fragilizar ao ponto de sofrermos com o surgimento de paises cuja indústria tem como argumento principal a mão-de-obra barata.
É deste caldo que nasce o atraso económico, é deste caldo que nasce o desemprego. Lamentavelmente, este vai crescer nos próximos tempos em Portugal. Esta chaga trará consigo dramas pessoais terriveis. Procuraremos noutros a causa para um problema que não fomos capazes de resolver ou atenuar. Houve quem o soubesse fazer.
Não tenhamos ilusões, são dolorosos os dias que se aproximam. Não é mais possível manter privilégios absurdos, não é mais suportável conviver com o desperdício, ignorância, corporativismo, corrupção, fuga pornográfica aos impostos. Não é mais aceitável a ausência de uma moralização. Não é mais contornável a aplicação de mudanças penosas e inevitáveis doa a quem doer. Por uma razão muito simples, ou mudamos ou definhamos alegremente como país. É uma questão de escolha.

Comentários:
Caro Luís,a lucidez deste post é arrepiante. Eis a frase-chave:"Os nossos compatriotras garantiram, entretanto, que a tradição do divórcio com o saber, o estudo e a vontade de aprender, se mantivesse cruelmente actual."
Subscrevo inteiramente; deixo, no entanto, a pergunta: como inverter eficazmente esta situação? Como promover o casamento entre o saber, a vontade de aprender com a vida quotidiana?
 
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
 
O pior é que me parece que a escolha foi feita há já muito tempo: "definhamos alegremente..."
 
É a pura verdade!
Mas eu acredito que não estamos irremediavelmente condenados, se o governo tomar medidas rapidamente nos seguintes aspectos fundamentais:
- Facilitar e desburocratizar a criação de empresas;
- Aumentar o nível na educação, exigindo mais aos professores, e que estes exijam muito mais dos alunos.
Temos muitos portugueses com ideias, mas muito poucos têm a força de vontade e conseguem reunir uma equipa com a qualidade necessária para os levar à prática.
 
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