2005-05-31

 

O CANDIDATO

“Faça o favor de entrar”, convidava o homem.
Muito antes de ter ouvido o convite, estava a caminho. Ainda não percebia bem que sopro celeste o teria empurrado para aquela casa, que vontade indomada lhe teria despertado o impulso para pressionar a campaínha. Certinho - tão certo como estar agora mesmo a dar conta deste estranho caso - foi ter-se deixado estar, impávido, à soleira da porta, ouvindo o som estridente tomando conta de toda a casa. Aquele som parecia um estranho boneco animado de asas, assobiando uma melodia de um só tom, voando pelas divisões, convocando os mortais para a visita que esperava.
Enquanto o boneco, ou o som, ou a campaínha, ou lá o que teria despertado quando pressionara aquele botão, fazia o seu percurso de convocatórias, compunha mentalmente o seu argumentário, afinal nem queria bem estar ali, mas a coisa está feita, despertou-se o ruído, em breve ali estaria alguém, em breve o acolheriam, e sendo assim mais valia que fizesse boa figura.
E aquele tempo de espera que lhe parecia uma eternidade, emprestava-lhe a oportunidade para reforçar a sua auto-confiança, aos poucos ia descobrindo um novo argumento a seu favor, uma faceta que desconhecendo por impossível se alegrava por ter sido capaz de criar, ali mesmo à porta, enquanto esperava.
E a imaginação que tem vida própria, ganhava já a velocidade de um cavalo doido – experimente-se a espera, experimente-se o perigo de lhe soltar as rédeas e sentir-se-à esse delírio mágico de nos transportarmos para o centro do sonho que criamos – e a imaginação que lhe pegava pela mão que voava no voo impraticável, e ele que acreditava e ele que via naquela ficção a realidade, tão real que era capaz de jurar, de garantir que ali estava a sua vida, que tudo aquilo existia que tudo aquilo era ele.
Ainda o som em ecos danados pela casa, e ele ali à soleira da porta, já encantado de si próprio, exibindo um sorriso atestando o prazer que sentia de se descobrir no sonho.
Era um homem novo, confiante, aquele que respondia ao convite finalmente proferido. Era já um homem pleno das suas capacidades, filho da sua ilusão, aquele que tão cheio de si respondia: “não sou candidato!”

Comentários:
No estado em que isto está, se o "piqueno" Victorino fosse candidato, eu pedia ao Toninho dos refugiados que me ajudasse a refugiar-me nalgum país sério, como o Lesoto ou assim.
 
"Prontus. Já semos dois!"
 
Nestas parábolas, o Luís vai dissecando magistralmente, e impiedosamente, as maleitas do ser-se português, como as pequenas vaidades e os grandes egoísmos.

No caso em concreto, só me resta dizer: em cheio!
 
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