2005-06-05

 

TUDO COMO DANTES…

Há alguns dias atrás o senhor ministro das finanças veio comunicar ao país, com indisfarçável felicidade, que as declarações de IRS em breve serão (seriam?) disponibilizadas na Internet para consulta generalizada e ocasional denúncia, no exercício de “bufisse” regressada de tempos imemoriais. Ingénuo, ou pouco esclarecido, o senhor ministro julgava estar ali a solução para a fuga aos impostos.
Estava longe de saber que não faltaria muito para provar o sabor acre desse desporto que tão pressurosamente se preparava para recuperar. Na verdade, mãozinha amiga fez saber algumas das saborosas e desejadas prebendas que o excelso ministro desfruta.
Logo vozes indignadas se ergueram: “aqui d’el rei, a inveja”, outros que asseguravam tratar-se de um caso perfeitamente legal, outros ainda gritando que não era o único.
De facto, não é o único. E na multidão que o acompanha reside o cerne desta vergonhosa questão.
A edição de hoje do Público dá-nos conta de uma pequena amostra (a célebre pontinha do iceberg) dos chamados “regimes especiais” da função pública. Digo pequena amostra, pois faltou a descrição dos opacos regimes de reforma e rendas vitalícias em vigor em várias empresas, institutos e outras organizações públicas.
Um Estado pobre a fazer figura de rico, esbanjando com uma minoria o que pretende receber de uma maioria.
Bem sei que nestas horas espreita sempre o papão do populismo que empresta argumentos sempre apelativos num coro contra os políticos e essa entidade estranha e vaga do “eles”.
Acontece, todavia, que a coisa pública não é, não pode ser, um feudo de uma casta. Acontece que a coisa pública não pode ser gerida com obscuros patamares de retribuição sem qualquer justificação. Acontece que a gestão da coisa pública deve ser clara e transparente. Os políticos, os gestores públicos, os servidores do Estado com grandes responsabilidades devem ser bem remunerados com regras claras, em função das suas capacidades e saber (e não por força da sua cor partidária).
Num momento particularmente difícil do país, não se podem exigir sacrifícios à população mantendo-se uns quantos em agradável quarentena.
Lamentavelmente (sabemo-lo todos) nada será substancialmente mudado, seria mexer com muitos interesses instalados, derrubar um edifício construído ao longo de anos e anos de laboriosas teias.
A manutenção deste estado de coisas tem agora no ministro das finanças um aliado. O senhor ministro das finanças não compreendeu que a justificação que deu para a sua própria situação será aquela que o Governo ouvirá de TODOS os seus interlocutores e que servirá de base para a continuação do actual sistema. O que o senhor ministro das finanças não compreendeu é que não terá autoridade para encetar uma mudança radical e imperiosa. Não terá autoridade e porventura nem sequer vontade.

Comentários:
Este problema que o Luís tão bem ilustrou remete para uma outra questão: será possível a auto-regeneração de uma colectividade (neste caso, a classe político-partidária) sem a influência de um estímulo exterior? Neste matéria, sou um céptico assumido, ou seja, que ninguém abdicará dos seus privilégios e mordomias sem ser, de algum modo, obrigado a isso. E este episódio do ministro ilustra, infelizmente, bem a situação. Como diz o provérbio: "Bem prega Frei Tomás..."
 
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
 
Pois, é como canta o Sérgio Godinho «Que bem se canta na Sé, mas é só para quem É.»
Abraço.
 
Parece-me assim como no 'Leopardo', lembram-se? - é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma...
 
É de facto lamentável que se tenha fragilisado o governo com este caso. Mas se ainda há pouco tempo se tinha gasto tanta tinta com o Mira Amaral e foi o que se viu...
Lá no fundo penso que se não fosse por aqui, arranjar-se-ia outra coisa! Nós somos como aquela mulher da anedota : exigimos sempre a verdade, mas preferimos que nos mintam!
 
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