2005-08-30

 

HEURECA

No dia em que se conheceu o segredo do brilho invulgar dos quadros da Renascença veneziana, foi também descoberto, pelo Jornal de Negócios, um “pequeno” engano do Governo na conversão de dólares em euros.
A Galeria de Arte Nacional norte-americana seguia há muito a pista da misteriosa luminosidade dos quadros pintados na república veneziana no século XV.
Naquele dia, Barbara Berrie chegou cedo ao laboratório, trazia uma ideia fixa, talvez a única hipótese que não lhe teria ocorrido, tantas as tentativas, tantos os erros. Ainda tremia de emoção, certa que estava de encontrar, daí a pouco, a justificação que perseguia para a sua réplica da gratificante exclamação de Arquimedes. Haveria de gritar, haveria de concentrar naquele brado todas as frustrações, os dias, semanas de estudo, de pesquisa. Haveria desenhar naquele berro o contorno de um desejo maior. Haveria de se elevar num voo de palavras, como se esconjurasse todos os males de que padecesse, como se naquele momento mágico não fosse ela, mas os pintores da renascença que num estranho bailado lhe depositassem nas mãos a receita procurada, o segredo finalmente revelado.
Ainda lhe tremiam as mãos quando se inclinou na direcção do microscópio, ali observaria dois quadros de Lorenzo Lotto. Não teria sequer a presença de espírito para o óbvio trocadilho, não diria já que o Lotto seria o seu loto, omitiria essa evidente perda de tempo, sentia que estava perto da revelação. Em momentos de estranha ansiedade, descodificava o que os seus olhos viam, parecendo-lhe afinal tão evidente. “Usavam vidro moído”, teria dito estivesse alguém ao seu lado. Deixou-se estar estranhamente silenciosa, ignorando se satisfeita por ter colocado o ponto final na pesquisa, esquecida já da promessa da açougada feliz.
Arquimedes aguardaria ainda a repetição da sua tão grata expressão. Não seria na descoberta da utilização do vidro moído pelos virtuosos venezianos, nem talvez a terá exclamado Carlos Filipe Mendonça, jornalista do Jornal de Negócios, quando se apercebeu do erro na conversão de dólares em euros que o Governo fez publicar no Diário da República de 8 Agosto. (cfr. edição do jornal de negócios de 29/08/2005 p.22)
Impresso em letras oficiais a verba: 750 mil dólares como contribuição portuguesa para o desenvolvimento agrícola dos países em vias de desenvolvimento. Temos portanto (diz o insuspeito Diário da República) 778.950 euros. Façamos as contas em matemática corrente, apliquemos a taxa de câmbio, encontrar-se-á a verba correcta: 608.000 euros. Quer isto dizer que o Estado Português irá gastar mais 170.000 euros por que o Governo não soube fazer contas? É sim senhor, respondeu uma fonte oficial do Ministério das Finanças.
Já vejo o leitor encolhendo os ombros, já o ouço comentar “tanta coisa e nada de novo não somos afinal o povo que menos domina a matemática? Caramba, seria natural que o Governo fosse diferente? Acaso não fazem parte da mesma massa?”. Já ouviria então um outro leitor compondo um ar de desdém “e a brincadeira do Arquimedes, ó menino, hein? Para aí feito intelectalóide atirando umas larachas com o de Siracusa, valha-nos Deus!”
E eu que me quedo, humilde, perante qualquer invectiva (mais ainda se de um leitor) já quase me faltaria a vontade de concluir, de dizer, que a expressão de Arquimedes seria ecoada logo a seguir - forma de garantir a descoberta da essência de ser português - quando se ouvisse a explicação da referida fonte do Ministério das Finanças, garantindo que o erro é grave, gravíssimo mesmo, “mas é anterior à tomada de posse de Fernando Teixeira dos Santos”!!

Comentários:
Arquimedes não diria melhor.
Mas o problema, caro Luis, já não é de matemática, coisa que se sabe ser o que é, mas de aritmética, coisa que é porque é.
Um abraço
 
Os ministros da República não parecem ter como pré-requisito conhecimentos de matemática. O que pode não ser gravíssimo (mas é grave) se não forem das Finanças. Mas a mim, o que mais me pasma é o facto de não se rodearem de peritos competentes. Onde está o funcionalismo público competente que devia rodear estes ministros?
 
Os díscípulos de Guterres, tal como o Mestre, continuam a não saber acertar uma conta...
Tudo normal!
 
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