2005-08-04

 

O ANÚNCIO

Por estes dias em que a preocupação maior é "ter" e exibir os haveres, procurando para a sua compulsiva aquisição, o crédito, esquecendo o saber e o enriquecimento cultural. Por estes dias em que a publicidade se aproveitou deste vazio, fazendo uso do "kitsch" em tristes frases feitas que fazem as delícias das conversas que nada dizem. Por estes dias, encontrei a fonte de inspiração para a minha coluna desta semana no "Jornal de Negócios", publicada hoje (adaptando um texto anterior aqui do Abnegado) e que deixo aqui na íntegra:

"João era um homem de rotinas bem definidas, para ele, no verão, o fim-de-semana é passado na praia. Mal chegava o domingo, pela fresquinha, preparavam-se os “tupperwares” com os viveres (coisas levezinhas que o calor não convida grandes apetites). Assim que a feijoada, o arroz de tomate, os croquetes e a melancia estavam devidamente embalados, reunia-se a prole e iniciava-se o processo cuidadoso de colocação da família na viatura. Exigia alguma perícia encaixar cinco criaturas num Fiat Uno, tanto mais que três delas acusavam alguns quilitos a mais (nada de significativo, como no seu caso, dado que 120 quilogramas dispersos por um corpinho espadaúdo com 1,60m).
A viagem correria calma pois que stress já chega o que sofre todos os dias como contínuo num edifícios de escritório. Exceptuando uma pequena gritaria (civilizadíssima) com o condutor da frente na fila à saída da ponte, um toque mais vivo na viatura que teimava parar a cada sinal stop (que não causou mais danos do que uma traseira deitada abaixo – carros pouco resistentes, já se vê) e um quase imperceptível cumprimento mais azedo à mãe do cidadão que estacionou no lugar que “já estava a localizar desde o semáforo”, tirando estas pequenas ocorrências, a jornada foi entediante. Tanto melhor que se carregam as baterias.
Chegados à Caparica, repetia-se o tormento para extrair aqueles seres do automóvel. É sabido que os corpos dilatam com o calor, e apesar de João ter adquirido uma vistosa ventoinha para o “tablier”, não se notava grande diferença. A custo lá iam saindo em exercícios próprios de contorcionista. Difícil era retirar a dona Benilde, sua sogra, tarefa que reclamava o trabalho conjunto dos dois filhos, uns matulões que agarravam nas pernas e nos braços da avó e à uma a puxavam com sucesso. É certo que a senhora adquiria novos hematomas por cada saída, mas sempre espairecia e o arzinho do mar fazia-lhe muito bem.
No areal sentia-se em casa. Enquanto os familiares se dispersavam em afazeres mecânicos, João montava o seu posto de observação. Sentado na cadeirinha, estendia “A Bola” interpondo estrategicamente o jornal entre a família e a multidão. Devidamente ocultado, iniciava a detalhada análise do estado de saúde das senhoras que alcançava no seu ângulo de visão, concluindo quase sempre com um magnânimo: “estão cada vez melhores”. Nem mesmo o torcicolo, que sempre adquiria nesta distracção concupiscente, o impedia de arregalar o olhinho guloso.
Ocupado com o saudável exercício visual, ocorria-lhe a ideia que matutava há um bom par de meses. Sabia que escondia um talento para a publicidade. À força de ver desfilar na televisão a representação dos seus familiares em anúncios de uma instituição bancária, tinha percebido que chegaria a sua hora. Já tinha até uma ideia muito precisa de como deveria ser o seu reclame. Imaginava como cenário o café do Antunes, ali estaria a mesinha do costume, os amigos (enquadrados por um apreciável número de garrafas de cerveja) discutiriam as vantagens do banco, no final ele mesmo remataria: “essa é que é essa!” fazendo acompanhar a exclamação por uma decidida palmada na coxa direita, encarando a câmara com um sorriso confiante.
João não duvidava, tornar-se-ia uma celebridade mal aparecesse na televisão oferecendo aos seus compatriotas uma nova expressão para preencher o vazio das suas conversas. Animava-o a ideia de ser convidado dos programas matinais das TV’s, aparecer nas festas estivais das discotecas algarvias, contar a genialidade da sua ideia a uma revista cor-de-rosa, receber um inquérito de verão de um qualquer jornal popular, partilhar o tonto mundo efémero das “socialites”. Bem vistas as coisas, era tão “artista” como todos os outros “famosos”. Essa é que é essa!"

Comentários:
Enquanto uns estão na praia, outros estão a trabalhar, e bem longe de casa:

"Guterres deverá regressar aos quadros da CGD quanto terminar o mandato na ONU. Segundo apurou o Correio da Manhã, o ex-primeiro-ministro não cortou o vínculo laboral com o banco quando aceitou as funções para assumir o cargo no ACNUR." retirado do Diário Digital.

O João ouviu esta na TSF e disse aos amigos:
- Estás a bere porque é que eles querem ir para lá ...Tacho. Por falar em tacho está na hora do almoço ...
 
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