2005-09-02

 

ESTICAR A CORDA

Aqui fica o texto da minha coluna desta semana no "Jornal de Negócios" (publicada ontem). Apesar de centrada na gestão e economia, decidi reproduzi-la uma vez que me parece poder adaptar-se bem aos tempos políticos que vivemos:

Dédalo era conhecido como um dos homens mais criativos de Atenas, nele concentrava-se uma exímia capacidade de inovar e uma rara perfeição. Quando o rei Minos, de Creta, decidiu construir um cárcere inexpugnável para aprisionar o Minotauro, recorreu aos serviços do melhor artista grego. Dédalo construiu o labirinto de Knossos, rapidamente erigido como obra-prima do seu engenho. O rei Minos não escondia a sua satisfação pela escolha, nada parecia estragar uma relação que se diria perfeita. Todavia, o espirito independente de Dédalo levou-o a colaborar na fuga da filha de Minos com o seu apaixonado. A ira do rei de Creta não se fez esperar, lançando o arquitecto grego no labirinto que o próprio tinha concebido.
Dédalo sabia que a sua prisão era intransponível e que Minos controlava mar e terra, impossibilitando qualquer fuga. Ainda que aprisionado, a sua mente mantinha-se livre e criativa, não demorou muito até compreender que a salvação poderia ser encontrada no ar. Assim, projectou asas juntando penas de aves de vários tamanhos, amarrando-as com fios e fixando-as com cera, moldando-as pacientemente até que estas se tornassem perfeitas como as dos pássaros. No grande dia, Dédalo e seu filho Ícaro lançaram-se no ar, agitaram convictamente as asas, voando ao encontro da liberdade.
Tal como Dédalo, muitas empresas são colocadas, por clientes poderosos, numa espécie de labirinto. Algumas organizações dominantes concentram toda a sua energia na maximização dos retornos de curto prazo, parecendo ignorar que o “mundo é composto de mudança”. Fazem mal. A esse propósito vale a pena ler um estudo fascinante dos investigadores Christian Rossetti e Thomas Choi, publicada no inicio deste ano na Academy of Management Executive, descrevendo o “lado lunar” das relações de compra no sector da aviação.
No início da década de 90, as empresas de equipamento aeronáutico (Boeing, Airbus, General Electric) decidiram adoptar uma estratégia de “outsourcing” estratégico (redução do número de fornecedores, promovendo parcerias de longo prazo, diminuindo custos e alcançando economias de escala). Sucede que os produtores de equipamento aeronáutico não resistiram à tentação do oportunismo, aproveitando a maior dependência dos seus “parceiros” para os pressionar, exigindo preços mais baixos e melhores condições.
O resultado deste comportamento, deste “esticar da corda”, foi inédito. Encurralados e procurando resistir, os pequenos fornecedores iniciaram contactos com diversas companhias de aviação. Estas, descontentes com os elevados preços cobrados pelos gigantes no abastecimento de peças sobresselentes, abraçaram com entusiasmo a oportunidade de estabelecer relações directas com aquelas empresas menores.
Controlando o conhecimento e a produção, motivados pela indómita vontade de sobreviver, em pouco tempo os pequenos fornecedores criaram estruturas de distribuição mais flexíveis, eficazes e, sobretudo mais baratas, dominando lucrativos nichos de mercado (outrora detidos pelos seus antigos clientes). As empresas de material aeronáutico estavam tão confortavelmente instaladas na exploração dos seus abastecedores, que não dispunham dos conhecimentos, nem de alternativas, para reagir.
Porventura o panorama descrito poder-se-á repetir em muitos outros sectores. Comportando-se como o rei Minos, muitas organizações, ao abusarem da sua posição dominante, colocam os seus fornecedores numa situação limite. Algumas dessas pequenas empresas, tal como Dédalo, serão capazes de encontrar uma solução engenhosa e lucrativa, encarregando-se de fazer notar que a corda, quando demasiado esticada, rebenta - nem sempre a favor dos mais fortes...

Comentários: Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?