2005-09-13

 

ESTÓRIAS ÍNFIMAS (II)

Tinha passado toda a manhã juntando as peças no tabuleiro que havia adquirido. O xadrez tornara-se uma obsessão, investindo no jogo todo o tempo disponível, entretendo-se na silenciosa e solitária congeminação de jogadas perfeitas.
Parecem-lhe tão longínquos os tempos da bisca lambida, coisa simples demais para uma mente que se julga superior.
Num caderninho azul escreveu minuciosamente os movimentos das peças. Com parcimónia, foi executando a estratégia que havia delineado há anos. Nem sequer a proximidade do grande momento modificava a sua olímpica frieza. Sabia que se impunha a antecipação de todos os lances adversários, jogar ao ataque - conhecida estratégia defensiva.
Tinha reservado o melhor para o final. Explicando, com profusão de pormenores, todos os tostões, todas as rendas, recebidas mensalmente, esvaziando qualquer tentação posterior de “almas malévolas”. Concluindo com o envio do textozinho, revisto e actualizado, para esconjurar demónios.
Ali estava, sentado na sala, divertindo-se com o resultado (esperado) das suas jogadas, saboreando o doce embalo da viagem às costas que os seus oponentes lhe proporcionam. Está visivelmente satisfeito, saboreando um gosto antecipado, o mesmo que deixa um nó na garganta, uma tristeza, por o ter deixado sózinho a jogar no tabuleiro da nossa imensa angústia.

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