2005-10-31

 

ALEGRE CAMINHADA

Ele não tinha mais dúvidas, havia decidido: mal chegassem as primeiras chuvas do outono, sairia para a rua sem um resguardo, sem uma protecção.
Ei-lo já na cidade acolhendo a precipitação das gotas de água. Comporta-se como se estivesse celebrando o grande momento, caminhando, confiante, por entre a multidão encolhida, receosa, escondida da chuva.
Pudéssemos agora interromper a sua marcha, questioná-lo, tentar entender as causas para a sua atitude, não nos responderia e não por soberba ou excessiva concentração, mas por ignorar o que dizer.
Deixemo-nos destas indagações, como se tudo tivesse uma explicação, como se a vida fosse tão formatada que admitisse uma ementa de causas e efeitos. Observemo-lo apenas. Parece trazer consigo um arco-íris imaginário em vivo contraste com os tons cinza ao seu redor. Está encharcado, a roupa colada ao corpo, desconfortável e, no entanto, dir-se-ia que feliz. Não parece carregar o peso de uma obrigação, o seu olhar não sugere resignação, antes confiança e vivacidade.
Seguimo-lo como se uma câmara, como se uma filmagem, no registo da sua jornada.
Veja-se que não já sozinho, veja-se que outros percorrem o mesmo caminho a seu lado.
A chuva caindo com mais intensidade e eles parecendo vogar, num rio imenso que ali mesmo estivessem formando - um rio de vida talvez pudéssemos dizer observando a forma como a terra sedenta os acolhe, abrindo-lhes os braços num amplexo fundador.
E o rio que parece um mar, tantos os que se juntaram, tantos os que seguem a mesma direcção.
Vamos todos partilhando a descoberta desta sensação libertadora. Sob esta chuva, fazemos, orgulhosamente, a caminhada maior.

Comentários:
Belo texto, Luis!
Ao lê-lo, querendo compor um secreto comentário,fui tentado a roubar um verso do Manoel de Barros: "Choveu na palavra onde eu estava".
Mas podia escolher outro:"Ontem choveu no futuro".
E outro. E outro.
Os dias não andam para guarda-chuvas. Um abraço
 
quando veio as primeiras chuvas, foi isso que fiz. Falando mesmo da chuva :)
Agora também eu o sigo. Á chuva. E não me importo, aliás, gosto. Gosto mesmo. E tenho esperança.
 
Excelente.
Aproveitando a onda do "fernando alves", eu diria que é esta chuva que faz germinar o futuro.
Um abraço
 
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