2005-10-13

 

DOS CARTAZES E DA CAMPANHA

Depois de mais um alucinante período eleitoral, talvez valha a pena debruçarmo-nos um pouco sobre a vertente de marketing desta campanha, ou, se quisermos, num dos seus sinais visíveis: os cartazes.
Ao longo das últimas semanas todas as localidades portuguesas foram, literalmente, inundadas por cartazes de campanha apelando ao voto. A utilização deste suporte promocional visaria comunicar uma mensagem política, no limite, tornar o candidato (mais) conhecido. Não questionando a bondade do principio, torna-se difícil entender a sua eficácia quando muitos deles entram directamente para o anedotário nacional.
Na verdade, que dizer de cartazes com frases como “Fizemos por si, fazemos por Óis da Ribeira” (1), “com a Lage sempre no coração” (2), “Rôge com + futuro” (3), ou a enigmática expressão “O João pode...” (4). E se nos detivermos no desenho dos cartazes? Para além do inenarrável jogo cromático, para além da exploração dos limites físicos do espaço - teimando colocar mais uma foto de um apoiante, mais um membro da equipa, assegurando que (pelo menos no papel) uma multidão entusiasmada segue o candidato - se observarmos os “arranjos” gráficos, que na ausência da fotografia de um dos membros da equipa se “desenrasca” atribuindo um espaço a um vulto branco (espécie de candidato fantasma) (5). Enfim, se analisarmos a grande maioria dos cartazes utilizados nestas campanhas autárquicas o que nos dizem eles acerca da “capacidade criativa”, do gosto e do eficaz investimento dos recursos (seguramente escassos)?
Infelizmente, dizem-nos muito. Percebemos que não existe, na esmagadora maioria, uma estratégia, ideias fortes que mereçam ser comunicadas, um rumo claro. Fica a sensação de que se produzem cartazes “porque sim”: se outros o fizeram, façamo-lo nós também. Reúne-se uma equipa, “cria-se” um “reclame” que invariavelmente será elogiado pelos criadores extasiados ante a sua criação: “coisa mais linda!”. Constituindo autênticos hinos ao “kitsch” e ao mau gosto, evidentemente, não auguram nada de bom quanto à acção destes autarcas, uma vez eleitos. Poder-se-á, pois, colocar a questão: vale a pena, investir neste tipo de suporte? Ter-se-á conquistado um só voto com estes cartazes? Receio que não.
Note-se que falamos de eleições autárquicas, supostamente aquelas em que os candidatos são conhecidos e estão mais próximos dos eleitores, não lhes sendo difícil contactar directamente com um número substancial de cidadãos. A esse respeito, vale a pena ler os estudos efectuados sobre as campanhas para o congresso norte-americano relatados no recente livro de Michael Burton e Daniel Shea “Campaign Mode: Strategic Vision in Congressional Elections”. Aí surge descrito o interessante caso do senhor Ted Strickland. Concorrendo no Ohio, fez do contacto directo com os votantes um trunfo da sua campanha. Evitando a utilização de suportes dispendiosos, o senhor Strickland conseguiu falar pessoalmente com um terço dos eleitores, tendo alcançando uma vitória esmagadora. Um exemplo, entre muitos, da utilização de meios mais eficazes para comunicar uma mensagem, mais próximos, menos caros.
Nada que nos pareça entusiasmar. Aparentemente, muitas das nossas campanhas são efectuadas através de um estranho processo de mimetismo, que se traduz na própria repetição das mesmas (más) frases, dos mesmos (vazios) conceitos. Aflige observar tanto desperdício, tanta falta de proficiência. Apetece dizer: não havia necessidade!


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(2)
(3)
(4)
(5)

NOTA: Este texto foi hoje publicado na minha coluna no Jornal de Negócios. As imagens foram recolhidas do blogue autárquicas em cartaz

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