2005-11-25

 

ESCRAVOS DA SOLIDÃO

Ontem, Fernando Alves contava-nos na TSF este caso singular. Uma obra de Fernando Corripio, um académico reputado e frequentemente referenciado, foi alvo de viva polémica. Quando os jornalistas tentaram ouvir o seu comentário descobriram que havia morrido … em 1993!
Este relato recupera a memória do inglês que faleceu num qualquer obscuro “open space”, sentado à secretária, para apenas ser descoberto, dias depois, por uma empregada da limpeza.
Dois casos, dois casos apenas. E, contudo, quantos serão aqueles que sobrevivem neste desamparo, amparados pelo vazio? Quantos fantasmas vivos, como que transparentes, cruzarão as ruas, caminhando sabe-se lá para onde?
Veja-se aquele ali, saindo do grande edifício, talvez tenha terminado o dia de trabalho, talvez sentado numa secretária, talvez num “open space”. Olhos no chão, ajeita a gravata, quem sabe preparando um encontro imaginário, quem sabe aprumando a imagem para ninguém. Veja-se que se lança na noite da cidade, só.
Observe-se o seu caminho, note-se os gestos automáticos, dir-se-ia que ensaiados, note-se que um semblante sem expressão. Não valerá a pena perguntar-lhe pela família, desnecessário mencionar-lhe amigos: fixar-nos-ia incrédulo como se lhe falássemos da imensidão do cosmos, da improvável pedra filosofal.
Porventura viveu outras vidas, terá em tempos preenchido a sua existência com gente querida. Que estranho vento celeste lhe terá secado os dias?
Será provavelmente um aprumado profissional, quem sabe um implacável chefe, talvez um orgulhoso produto da cultura do sucesso. Saberá que ninguém dele dirá “conheço-o bem”, terá a noção que ao entrar no café não haverá quem o convide a sentar-se?
Chegará a casa, desligado ligará a televisão, adormecendo por fim.
O que sonharão estes escravos da solidão?

Comentários: Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?