2005-11-08

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (II)

Todos os dias cumpria os rituais próprios de uma rotina disciplinada.
Tal como um relógio, saia de casa à mesma exacta hora. Sem excepção, tomava o caminho de sempre, sabendo de antemão a duração do percurso (que cronometrava no seu relógio de pulso).
Adquiria o jornal no quiosque habitual e, previsível, pagava-o com a quantia certa.
Para não incluir uma perturbadora alteração no seu percurso, tomava o pequeno almoço no café do costume, não cometendo o desvio de pedir outra ementa que não a mesma.
Chegava, sem falhas, ao escritório pelas 8h55m.
Sentia-se seguro naquelas normas demenciais que havia imposto a si próprio, como se livre na sua prisão.
Parecia ter estabelecido um preceito para cada tarefa, para cada hora, para cada ocasião. Todo ele sugeria um imenso regulamento que tivesse ganho vida, um homem formatado ocorreria dizer, observando tanta rigidez, tantas regras personificadas.
Não se lhe conhecendo família ou amigos tornava-se difícil (se não impossível) saber como teria começado aquele estranho comportamento, aquele percurso desviante que não admitia desvios.
Nos raros momentos em que exprimia uma opinião, fazia-o, logicamente, usando a lógica mais ilógica que pensar pudéssemos.
Estava longe de saber, quando apertava diligentemente os atacadores dos sapatos, que naquele dia algo de definitivo ocorreria. Por um acaso que não controlara, entraria no autocarro errado. Perder-se-ia nas entranhas da grande cidade, sem que ninguém soubesse jamais qual o seu destino.
Ainda hoje, talvez, ande por aí, desnorteado.

Comentários:
Ele há sempre um autocarro trocado que nos pode deitar a perder... Quem diz autocarro, diz outra coisa qualquer, que nos altera o rumo do quotidiano...Armadilhas que a vida nos prega...Bom exercício, este, à maneira dos contos do inesperado...
 
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