2005-12-29

 

CUIDADO COM AS EXPECTATIVAS*

E de repente, num belo dia, eis que chega o final do ano. Tratar-se-ia de uma simples data não fora a tentação das festas com hora marcada – alegria oferecida em doses generosas por um preço mais ou menos convidativo. Nada que traga mal ao mundo, com a experiência acumulada é possível suportar as inevitáveis retrospectivas, as listas com os melhores livros e filmes do ano, os discos que marcaram os últimos doze meses, com jeito e paciência é mesmo admissível tolerar, com um sorriso, a inefável expressão que parece colada aos lábios das gentes por estes dias: “ano novo, vida nova”. Todavia, um insidioso costume persiste, minando a forma como veremos o próximo ano, porventura a razão maior para o nosso proverbial pessimismo: a expectativa.
Olhando para a palavra "expectativa" - que nos mira como se estupefacta pela grave acusação que lhe efectuámos sem piedade - talvez fossemos tentados a rever o opróbrio que vincamos, talvez sucumbíssemos à tentação tão portuguesa de corrigir a coisa com palavras mais doces, expressando até uma dúvida caridosa. Seria um erro, que a afirmação mantém-se, inalterada, correcta.
Atente-se na investigação de Chezy Ofir e Itamar Simonson que há anos estudam a importância das expectativas na avaliação de um produto ou serviço. Analisando o comportamento dos consumidores, aqueles autores concluíram que o simples acto de questionar sobre as expectativas altera negativamente as suas experiências. Num artigo recentemente publicado na revista “Journal of Marketing Research”, os economistas descreveram os resultados de um estudo para aferir a importância da expectativa na avaliação da experiência de compra num determinado supermercado, um primeiro grupo de clientes foi interrogado sobre as suas perspectivas previamente à sua entrada na loja. Aos consumidores do segundo grupo nada foi perguntado antes de começarem as suas compras. Ao saírem do supermercado, foi-lhes solicitada apreciação da sua visita.
Todos os consumidores que haviam partilhado as suas expectativas apresentaram índices de satisfação bastante mais baixos do que os elementos do segundo grupo. Ofir e Simonson identificaram esta característica como “acrescentamento negativo”, explicando que os indivíduos, quando numa posição de avaliador, têm uma tendência para se concentrar nos aspectos negativos, observando com maior acutilância problemas que normalmente ignorariam, por julgarem ser esta atitude mais distintiva e revelando mais inteligência. Com base nestas conclusões é, por exemplo, desaconselhada a entrega de inquéritos de satisfação quando os hóspedes acabam de chegar a um hotel, dado que despertará o seu natural “acrescentamento negativo”, convidando-os a um olhar mais critico.
A expectativa surge, pois, não como um inofensivo substantivo, mas investida da responsabilidade pelas avaliações menos boas, é justamente por este motivo que daqui a poucas horas quando alguém nos perguntar “quais as expectativas para o ano novo?”, saberemos que anda ali intenção demoníaca, saberemos que alguém pretende diminuir inexoravelmente a nossa percepção de 2006. Cuidado com as expectativas!

*publicado hoje no Jornal de Negócios

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