2006-01-03

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (V)

Ouvidos os gritos, observadas as corridas esbaforidas dos transeuntes na pressa de assistir de perto à altercação, pareceria ter caído ali o Carmo e a Trindade.
Mais logo, saber-se-á que a acção, o apelo para as gentes em movimento, não foi mais do que um simples acidente - coisa com chapa batida e brava discussão ente dois digníssimos cidadãos libertando a tensão acumulada; por enquanto, os que correm em direcção à confusão ignoram este facto, acalentando ainda a ilusão de borrasca da grossa, talvez mesmo à altura da memorável chegada do presidente futebolístico com o seu mais recente “reforço”.
Com impressionante rapidez juntou-se uma multidão impedindo uma mirada mais detalhada àqueles que só agora chegavam. Também temos direito, gritavam vozes desesperadas na ânsia de assistir ao espectáculo, Chega-te para lá, pá, enxotavam os da frente, ciosos do seu posto ganho pela antecipação. Deixem-nos ver, vociferavam alguns já revoltados pela negação dos seus legítimos direitos de mirar.
Não era sequer necessária muita experiência em rixas para perceber que se estava ali a armar uma bela barraca.
A coisa começou com um encontrão mais enérgico e só acabou três horas mais tarde com a intervenção da polícia.
Enquanto as primeiras páginas dos matutinos não disputam originalidades, asseverando ter-se assistido “a cenas dignas do faroeste” ou a uma “impressionante batalha campal”, observemos estas almas, protagonistas de um imenso desperdício de energia, ajeitando as vestes, sacudindo o pó, retomando a jornada sem terem sequer ajudado a arredar as viaturas dos dois estupefactos cidadãos que haveriam de terminar a tarde abraçando-se, depois de preenchida a declaração amigável.

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