2006-01-17

 

MALDITA ADERÊNCIA

Na noite das noticias, ouve-se num canal televisivo a celebração do grande número. Festeje-se que a coisa não é para menos, veja-se que um filme português quebrou um recorde: é já o mais visto de sempre.
A película, apimentada, justifica presença de uma “académica” para explicar o “sucesso”. Pois que entre. Eis a senhora – socióloga, garante a legenda. O que nos diz, o que nos explica a senhora socióloga? Que sim, assenta, houve uma grande “aderência” do público - uma fita que se cola à pele, dizemos nós, tão espantados com a “explicação”.
Assim esclarecidos, imaginamos o filme, espécie de velcro demoníaco, assomando à porta da sala escura, aguardando a chegada dos cinéfilos para, lânguido, se deixar aderir. O filme já não um adereço, mas um adesivo que faz dos imprudentes cidadãos seu endereço.
Observe-se o público, aquele público, que sem saber arrasta o peso da película invisível, na aderência explicada. Saberão eles que estiveram sendo observados pela senhora académica que perspicaz analisava, percebia, via, a aderência adornando-lhes os dias?
Deixemos o filme e os seus aderentes, agradeçamos à académica senhora, fixemo-nos na palavra.
Atentemos, pois, na aderência. Não a desconhecemos: qual pasta medicinal Couto anda na boca de toda a gente nos relatos de greves, eleições ou outros ajuntamentos.
Estranhamente a aderência impede com frequência a entrada em cena da adesão. Dir-se-ia que se revela uma rivalidade antiga, irresistível.
A aderência - vê-se bem - é palavra com maus fígados: insinua-se em poses concupiscentes atraindo o pobre falante, incapaz de resistir ao seu canto de sereia. Pudéssemos iluminá-la nestes preparos, pudéssemos desmascará-la nestes jogos de sedução, gritar-lhe alto “falsa”. Fiquemo-nos pelas intenções, que estes escorregadios logros desaparecem astuciosamente sem deixar rasto.
Agarremo-nos, pois, à pobre adesão, desprotegida, feiazinha, só. Deixemo-la brilhar, deixemo-la aderir a esta aderência da moda, tornando-a, por uma vez, substantivo maior!

Comentários:
É, de facto, preocupante a "aderência" de tanta gente, mas também motiva textos interessantes!~
Abraço Alegre
 
Agora imaginemos a mesma situação à data em que o livro que deu azo à película, foi lançado, qual terá sido a aderência ?
A quantidade de películas que passaram pela imaginação da população da altura.
Será que daqui a umas gerações, o sexo será visto e ensinado bem mais cedo, deixa de ser a "pimenta" que tempera as relações humanas ?
Já agora como será a vida sexual de um candidato à presidência, as sondagens a subir ..., as sondagens a descer ....
 
Demonstração perfeita da "educação" deste país em que se tira um curso superior sem se saber o significado das palavras.

Bem se diz que 80% da população portuguesa é iletrada, ou como se diz a iliteracia é como um "adesivo" para o povo português.
 
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