2006-01-29

 

NEVOU NAS NOTÍCIAS

E de repente ouve-se uma voz (parecia que uma voz) ordenando: estão a cair as notícias em flocos.
Ainda houve quem sorrisse, julgando tratar-se de uma graça. Não era. Aquela não era voz que engraçasse com engraçados, graças a Deus. Aquela era uma voz de comando, daquelas que não sorriem, daquelas que estabelecem a ordem natural das coisas - a sua.
A voz que apontava o dedo, solene, na direcção da janela, que explicava: está a nevar, mais nada interessa.
Pare-se, pois, o mundo, feche-se a janela do pequeno ecrã, está a nevar!
E os repórteres, esbaforidos, a chegarem à casa das notícias, nem tempo para uma conversa acelerada (já viste a neve, tão bonita!), frenesim, equipas a sair para o “terreno”.
Directos (dá-me um grande plano dos flocos, os maiores, coisa linda!), os repórteres em acção sacando do seu vasto reportório de perguntas inteligentes, as pérolas mais preciosas “está a gostar?”, “já tinha visto neve em Lisboa?” e a maior delas todas: “qual é a sua sensação?”.
E os cidadãos anónimos: que sim que estavam a gostar, não por eles, claro, mas pelas crianças que se divertem tanto. E os maduros de barba grisalha felizes “a brincar” na neve. E o país já esquecido de tudo, “olha a neve tão linda”.
Os apresentadores com ar de Natal, cuidando um pinheirinho iluminado nos olhos, felizes “não há memória de nevão tão forte no Algarve”, e as imagens do sul, brancas, claras, o repórter ansiando a resposta dos algarvios, o país aguardando os comentários dos portugueses que no sul “brincam” na neve. Siga, que há mais depoimentos a recolher, agora ali em Évora, “lembra-se de um nevão assim?”, não lembra, pois claro que não lembra.
Os SMS que disparam, “óh para mim, aqui na neve”, “Karina, bué da neve, na boa”, “Chico, tá-se bem, iol”.
Imagens em câmara lenta (chega-lhe bem, pá, estica-me isso que ainda só levamos 40 minutos do telejornal), um plano varrido dos montes, vales, telhados e jardins.
Eis a magia da imagem, eis a graça do insólito, eis um país nevado, branco, subitamente lavado, puro.
Na alvura da precipitação gelada, precipitamo-nos todos à janela - nada mais interessa!

Comentários:
Pois é Luís,
Como se Deus, e eu que sou agnóstico, descesse à terra.
Haja pachorra para este país de tanta bajulação. Que se diz, formalmente, República, e comporta-se como uma Monarquia.
Talvez sejamos uma Monarquia... fiel à monarquia decadente, tanto se idolatra a aparência e despreza-se a existência.
Haja pachorra!
 
Uma enxaqueca, de facto. Domingo, estava na TVI e no Rio Ave-Porto e sempre que picava o 1 e o 3 ainda estava a neve.
 
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