2006-01-01

 

O “REVEILLON”

Com uma regularidade digna de nota, as televisões portuguesas reservam a última noite de Dezembro para desenvolver o seu apurado sentido de pechisbeque, exibindo, num serão, o resumo das artes pífias que foram apurando ao longo do ano. Orgulhosos, plenos do seu imenso vazio, os responsáveis pelos canais fazem o favor de programar o mais requentado Portugal pequenino, ao vivo e a cores.
Munidos de um simples comando remoto, temos à nossa mão a oportunidade para um passeio guiado pelo provincianismo através das câmaras apontadas aos interstícios do país.
Assiste-se a uma paródia manhosa à tropa, numa sequela interminável do “big brother” capitaneada por uma senhora que teima projectar a voz para além do que é suportável pelo ouvido humano. Há por ali lágrimas, “comentários” e – juro que o ouvi – muita emoção. Sentadinhos no estúdio, alguns exemplares, que garantem ser famosos, foram entretendo os “senhores espectadores” com o longo alcance do seu saber, “explicando” detalhadamente os seus dias, enquanto num outro espaço alguns seres fantasiados e igualmente presuntivamente famosos, disputavam uma incompreensível competição, procurando assegurar 25.000 apetecíveis notas de euro. Sigamos para novo poiso.
Num outro canal, a coisa piava mais fino, desenvolvendo um pouco subtil jogo de contrastes. Dois distintos “postos de observação”: os populares na rua e os inevitáveis casinos para uma espreitadela à animação pequeno-burguesa. Tudo abrilhantado por um grupo de meninos e meninas, visivelmente excitados, garantindo animação a rodos.
A donzela em directo da Avenida dos Aliados, procurando transmitir o “calor humano”, que só ela parecia localizar, exercitando a experiência acumulada em muitos festejos de campeonatos e outras tantas celebrações de vitória, desenvolvendo o estilo “a reportagem possível”, oferecendo aos transeuntes a oportunidade (nunca desperdiçada) de partilhar o seu substancial domínio do calão e de vernáculo. E nos casinos: que requinte, senhores; que excelentes gravatas escondendo confortáveis protuberâncias estomacais; que vistosos vestidos suportados pelas “esposas”; que lindos carrosséis da alegria: bracinhos esticados, mãozinhas postas nos caridosos ombros uns dos outros. E as perguntas, que inteligentes e originais “quais os desejos para o novo ano?”, e as repostas, sinceras, generosas, “paz no mundo” desejos de que “todas as pessoas deiam (sic) as mãos”. Deixemos os “apresentadores” aos saltinhos, tão contentes, tão felizes, anunciando uma enigmática ameaça: “a nova sic do ano 2006”.
Cheguemo-nos à pública estação, já no novo ano, trazendo uns compostinhos músicos brasileiros cantando insuportáveis modinhas do seu país, as mesmas que soavam, esmagadoras, em quase todas as festas, portadoras da “alegria” que parece ser obrigatória neste dia.
Desliguemos, por fim, o televisor. Chega de tanto plástico, tanta festa pindérica, tanto Portugal “real”, tantos engraçadinhos. Para o ano há mais.

Comentários:
Como há anos deixei de "clicar" SIC e TVI (excepto informação-SIC e programa das manhãs-SIC), só espreitei a RTP1, antes das 24H. Pensei que estava pr'aí na Transilvânia ...
 
eu não vi televisão mas assisti a um fogo de artificio maravilhoso aqui na minha ilha da madeira. :)
 
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