2006-02-10

 

ESTÓRIAS DO QUOTIDIANO (IX)

Ainda há pouco se ouvira o estrondo, o som metálico com voz de acidente, a chapa que grita no desespero da descompostura. Ainda há pouco aqueles que assistiram ao abraço das duas viaturas pareciam descansados “foi só chapa”. E de repente como se um touro que visasse a arena, o condutor que sai, que observa desorientado a ferida aberta, a chaga dorida no carro, no seu carro, no seu querido carro, as lágrimas de genuína perda, a raiva incontida, a rápida decisão, a mala traseira que se levanta, o taco de beisebol que se recolhe, a fúria que se veste, a investida sobre o outro – o causador daquele sofrimento, o celerado acelerado.
A altercação rasgando a normal rotina, arrancando os ordeiros citadinos da sua cordata modorra.
Daqui a nada, chegarão os agentes da autoridade para repor a branda e costumada ordem, daqui a nada, ainda a ira apossada do condutor garantindo-lhe uma viagem até à casa da autoridade.
Nem os basbaques que comentam, que relatam, que explicam, nem os policias que detêm, que interrogam, poderão saber que logo mais, aquele pacato pai de família, aquele cumpridor cidadão, sentir-se-á estranhamente aliviado, estranhamente revigorado, como se por um momento não tivesse sido o funcionário indiferenciado, o marido desprezado, o pai que se ignora, mas o protagonista, uma besta potente no auge do seu momento de glória.

Comentários:
tinha que ser,há que impor a vingança que esmaga a raiva...
 
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