2005-02-25

 

CONHECIMENTO DO INFERNO* (I)

Todas as sextas-feiras cumprem o doloroso ritual de reunir as magras poupanças da semana para rumar ao centro das compras. Tomam o seu lugar na fila, abraçando os mantimentos que os terão de manter, disfarçando necessidades várias. Convivem no espaço luminoso de produtos mil com gentes de destinos outros. Fazem as contas ao cêntimo, centrando-se no estritamente necessário - o mínimo de sobrevivência, no linguajar técnico dos economistas.
A sua sobrevivência conhecem-na, é a sua única preocupação desde o dia em que perderam ambos os seus empregos. Afastam a recordação desse dia aziago como se o esquecimento pudesse apagar a realidade.
Julia e António conheceram-se na empresa a que dedicaram uma vida. Por ali construiram o seu percurso profissional em total dedicação. Adiaram, até à impossibilidade, os filhos que tinham sonhado, perdidos em cálculos do momento ideal, na certeza de um futuro mais confortável, na comodidade de uma vida menos dificil.
Tinham fugido a uma existência de miséria, procurando na grande cidade novos horizontes. A vida os levou, por caminhos diferentes, até à fábrica onde ela trabalhava como telefonista enquanto ele assumia as funções de motorista. Partilhavam as origens, falavam um ao outro de um passado familiar, sentiam um desejo de fugir à vida no campo, a única que conheciam, aquela que não queriam para si.
Construiram uma história em comum com alguns luxos que conseguiam alcançar à custa de muitos sacrificios “saia-lhes do corpo” diziam, quando explicavam as férias daquele ano, ou o novo conjunto de sofás. Não disfarçavam o orgulho quando se consideravam “remediados” em conversa com os amigos.
Na cidade criaram o seu espaço, conhecidos, amigos, uma vida.
Até ao dia em que a “sua empresa” - como lhe chamavam – fechou. Assim, sem que o esperassem, sem uma explicação - morte súbita dir-se-ia fosse a empresa um ser de carne e osso. Naquele dia ambos ficaram sem emprego, sem salário. Tinham 49 anos, novos para a reforma, tarde para uma nova vida.
Perderam anos na vã tentativa de encontrar um novo trabalho (não lhe chamavam emprego, trabalho era o que queriam). Aos poucos foram caindo num mundo novo, escuro, de vergonha. Afastaram-se dos outros, cansados do insuportavel e inutil esforço de esconder a sua miséria.
Sentem que o destino, por uma vez, não foi impiedoso: “ao menos não temos filhos” diz Júlia, num alívio doloroso.
Trazem os mantimentos em sacos de plástico com o logótipo flamejante do supermercado, atravessam o grande corredor, cruzam-se com gente em preparos para o fim-de-semana.
Não se recordam da última vez que sorriram.

*Título "roubado" ao romance de António Lobo Antunes

 

ME-TOO

Luís Filipe Menezes sentiu chegada a sua hora, percebeu que o PSD tinha criado o precedente com Santana Lopes, entendeu que o seu perfil estava ajustado à nova realidade do partido.
No marketing chama-se a este tipo de estratégias a criação de “produtos me-too”. São normalmente bens de consumo que pretendem somente copiar uma fórmula ganhadora, apresentando como único atractivo um preço menor.
Menezes consegue esse feito extraordinário de se posicionar como cópia de segunda categoria de Santana Lopes e só isso dispensa mais comentários.

 

PORTAS

Paulo Portas foi hábil no momento da derrota. Leu os resultados eleitorais como analista, percebeu que havia ali derrotas acumuladas. Demitiu-se (graças a Deus).
Fê-lo com uma violência inusitada como se estivesse furioso, como se tivesse sido vitima de uma injustiça, como se um grupo de malfeitores o tivesse maltratado.
É sintomático que ao sair, muitos se apressem dizer não querer entrar (se Deus quiser).
Iremos assistir ao seu regresso, numa patética “onda de entusiasmo”. Voltará revigorado, passando por cima do claro sinal que lhe foi dado pelos eleitores. Começará de novo pela enésima vez, repetindo os seus insuportáveis números, inventando um novo espaço para o PP, descobrindo-se (talvez) como defensor da moral e dos bons costumes (Valha-nos Deus).

 
VALE A PENA LER:
O texto "a esquerda da direita" de José Adelino Maltez, em certa medida respondendo (e bem) a uma dúvida que deixei aqui.
Um notável escrito "o puto" na barca de lyra.

2005-02-22

 

O ADEUS A ÍCARO

Santana sai, empurrado.
Sai levando consigo a “história” de 7 meses inenarráveis. Sai, com a imagem que criou de imbatível e temível homem político, irremediavelmente destruida.
Santana transformou em eufemismo o epíteto “incompetente”. Promoveu a mais soez e indescrítivel campanha eleitoral jamais efectuada em Portugal. Nos debates (onde se apresentava como temível) não foi capaz de cumprir os minimos. A “intuição política” que lhe é creditada, não lhe permitiu vêr o descalabro que promoveu. Por fim, necessitou de 2 dias para compreender o óbvio.
Santana vestiu, sempre, a pele de Ícaro. Durante anos viveu da sua promoção. Durante anos apresentou-nos, com insistência, as suas belas asas. Durante anos, prometeu que faria (um dia) a partida para os mais altos voos. Durante anos repetiu que o seu futuro “estava escrito nas estrelas”. Durante anos, colocou-se a olhar “lá para cima” onde o seu sonho lhe reservou um lugar, no mitico patamar, no topo.
Finalmente alcandorado a uma posição mais perto do sol, as asas de cera rapidamente derreteram. Em deprimente espectáculo, foi agitando os braços, julgando planar numa evolução elegante, espargindo cera liquida por onde passava.
O mito que criou não resistiu aos primeiros raios do sol. Sai, empurrado, pela porta dos fundos.
Não lhe é mais possível persistir na sua doentia mistificação.
Agora sim, todos os portugueses sabem quem ele é!

2005-02-21

 

MUDANÇA

Na noite de todas as mudanças, na noite em que o país se manifestou de forma clara, na noite em que tudo ficou esclarecido, um homem olha para a sala onde fará a sua intervenção, contempla todos os que o aclamam, sente-se renovado por ouvir o seu nome gritado por algumas dezenas de pessoas. Este homem teima ver, na sala onde se prepara para falar, o País.
Está perdido, confuso, não consegue distinguir a sua ilusão da realidade.
Respira fundo, bebe um pouco de água, toma a palavra. Solta os demónios, aponta o dedo, perde-se em cálculos improváveis, alquimias numéricas, explicações sem nexo, ameaças de combate, vamos a eles, não baixar os braços, venha um congresso e extraordinário.
Sai da sala, vai zangado, não tem dúvidas: algures no mundo seres malignos tecem teias, procuram o seu mal.
Desce as escadas devidamente enquadrado pelos guarda-costas que o protegem do(s) mafarrico(s), passo apressado que o tempo urge, vai ligeiro, convicto, destruindo o partido que mentes mefistofélicas lhe entregaram nas mãos.
Vê o partido como seu, como sendo ele próprio. Perdido por cem, perdido por mil.
Estava à beira do abismo, deu o passo em frente…

 

CELEBRAR A VITÓRIA

Do PS. Tem maioria absoluta, todas as condições para governar.
Nestes tempos difíceis é tempo de governar, cumprir uma legislatura, impor um rumo.
Tenhamos esperança.

2005-02-17

 

A SEMANA (I)

A fórmula semanal implica perder-se o imediatismo do texto escrito “a quente”. Ganha-se em distanciação o que se perde em emoção. Não se pode ter tudo.
Inauguro esta fórmula, com 9 humildes textos.

Bom fim-de-semana

O LIVRO E A CARTA: Santana Lopes anda num verdadeiro frenesim de publicações. Confesso que lhe perdi a conta. Em todo o caso, esta semana dei de caras com um expositor na loja da Fnac com uma mão cheia do que julgo ser o seu novo “livro”. Este contém uma selecção de crónicas (presumo que as “melhores”) que publicou na imprensa (no DN, claro).
Folheio a correr e fixo-me num título que prometia: “O dia dos Namorados – Portugal e o Euro” Tomei nota desta frase, na pag.26 (desculparão o mau português, mas faço a transcrição ipsis verbis): “embora não pelas razões que pensam os espíritos sempre atentos à minha trajectória, este ano, dedico particular atenção ao dia dos namorados. Cada um sabe de si e, para mim, este dia deste ano assume particular significado, tendo razões para escrever e a última delas, mas verdadeira, é a de chamar a atenção para que o que é privado, ou íntimo, não está sujeito a explicações, ao contrário do que é público, ou do colectivo, e que a todos deve interessar”(sic). Pela minha saúde como retirei esta pérola do “livro”. Li e reli e, sinceramente, não percebi.
A queda para a escrita (na verdadeira acepção da palavra) é, de resto, materializada em desabafos epistulares como este: “Tenho defeitos como todos os seres humanos, mas conhece algum político em Portugal que eles tratem tão mal como a mim? Também o tratam mal a si. Já somos vários. Ajude-me a fazer-lhes frente.” (sic)
Palavras para quê? É um artista português.

O DEBATE (1): O debate começou com uma boa pergunta de Judite de Sousa, quando questionou José Sócrates sobre os sacrifícios que deveriam ser assumidos no caso de formar Governo. Sócrates contornou a questão, fez mal. Mas percebe-se que havia ali armadilha. A pergunta fazia sentido e deveria ter sido colocada a TODOS os candidatos.

O DEBATE (2): Paulo Portas teve dois momentos reveladores: um primeiro quando se empertigou perante o que considerou ser a postura arrogante de Louçã que acusou de pretender colocar-se “12 degraus acima de todos os outros em termos de moral”. Percebe-se que tenha ficado indignado por alguém ter tomado o lugar que julgava ser o seu.
Um segundo momento ficou, infelizmente, sem resposta. Portas, disse que o reforço da votação nos partidos de centro-direita (presume-se que entenderá que é aí que se situa o PP) será uma garantia para a defesa da presença de Portugal na NATO e, sobretudo, perante a União Europeia. Ora, neste último caso entende-se que quereria reforçar a importância de não colocarmos em causa a pertença à União Europeia. É este o líder partidário que mais bramou contra a Europa, que mais se insurgiu contra a perda de soberania que lhe estava associada, que teve necessidade de criar um neologismo apócrifo e tonto (eurocalmo) para justificar a cambalhota que a coligação com o PSD exigiu, é pois, fantástico que este senhor se coloque agora como o paladino da Europa!

O DEBATE (3): Santana Lopes tem especial predilecção pela chamada postura de café. Ali estava, com ar enfadado, parecendo querer abraçar a cadeira. Uma vez mais a sua prestação foi paupérrima. Onde estão, afinal, os méritos (tão gabados) de Santana para debates?

TODOS LHE AGRADECEMOS: Perante as acusações de ter utilizado a morte da Irmã Lúcia para fins políticos, Paulo Portas colocou o seu melhor ar beato, inclinou ligeiramente a cabeça para o seu lado direito, fechou os olhinhos, colocou a voz com alguma tremura e disse magnânimo: “não guardo ressentimentos”. Todos ficámos com uma lágrima no canto do olho ante a emoção que este momento de rara beleza nos proporcionou e estamos, obviamente, agradecidos (e aliviados) pela indulgência.

DESEMPREGO: Os dados do INE relativos ao desemprego em 2004 são muito preocupantes. A taxa de 7,1% (390.000 desempregados) só por si implica um arrepio. Mas analisando mais profundamente percebe-se que o futuro não nos traz nada de bom.
Foi nos sectores da construção e da indústria (sobretudo têxtil e calçado) que se sentiram mais os efeitos do desemprego, sabemos que infelizmente esta tendência não abrandará podendo mesmo crescer. Há, contudo, um dado que vale a pena analisar: o número de desempregados com o ensino secundário e superior diminuiu, em contrapartida, aumentaram em 16,2% os desempregados com o ensino básico. Numa frase: compensa investir na Educação.
Não estamos, pois, a falar de uma situação conjuntural, mas sim estrutural.
Assitimos à mudança do perfil da nossa Economia, vamos progressivamente deixando de ter na mão-de-obra barata a nossa maior vantagem competitiva. Todavia, esta mudança (que seria positiva se fosse compensada com a criação de postos de trabalho mais exigentes) está a ocorrer sem que nos tenhamos preparado efectivamente para ela. Na verdade, vamos perdendo estes postos de trabalho em detrimento de outros países que, entretanto, se posicionaram como melhores alternativas. A nossa Economia ainda não consegue compensar os empregos com base nos salários baixos perdidos. O investimento em Educação é o único verdadeiramente frutuoso, mas implica mudar mentalidades e é moroso.
Receio que tenhamos de conviver com esta chaga durante bastante mais tempo.
Trata-se de um problema a merecer por parte do poder político bastante mais do que declarações genéricas de intenções.

THE DAY AFTER: Este artigo de José Pacheco Pereira merece ser lido com atenção. julgo que traduz bem um dilema de muitos militantes e simpatizantes do PSD.
O partido social-democrata constitui um elemento fundamental da nossa Democracia pelo que não pode passar-nos ao lado a turbulência interna que vive, mas sobretudo, viverá, no pós-20 de Fevereiro. Mais do que discutir a coerência (ou falta dela) desta, ou daquela atitude, entendo que a forma como o PSD souber lidar com os resultados das próximas eleições pode contribuir para uma alteração do sistema partidário português.
Estes últimos meses trouxeram a arrepiante materialização do futuro próximo da política nacional se nada fôr, entretando, alterado. É nesta direcção que nos levam os partidos portugueses de que já falei há algumas semanas neste texto.
Acredito (tenho de acreditar) que ainda vamos a tempo. Desejo que nas próximas eleições o PS ganhe com maioria absoluta para que possa governar durante uma legislatura.
Já agora uma ingenuidade sincera: espero que o PSD inicie, logo a seguir às eleições, um processo de reflexão e mudança profunda que possa trazer à política nacional uma lufada de ar fresco.

UM REFLEXO DO QUE SOMOS: É estranha a ânsia pelo directo evidenciada pelas televisões. Qualquer acontecimento justifica o envio de um repórter para o local com a incumbência de ouvir o “povo”. Invariavelmente o exercício é penoso.
Perante a inexistência de assunto, ocupa-se tempo de antena com perguntas imbecis e respostas à altura.
Este impulso ganha relevo particular em momentos de maior emoção. Num inconsequente exercício de tentativa de advinhar quem nasceu primeiro se a galinha ou o ovo, perde-se tempo a discutir se as hordas que se dirigem para o "local do acontecimento" o fazem pelo impulso voyeurista, se acicatados pelo espectáculo mediatico entretanto montado, se por ambas. A verdade é que basta uma tragédia, ou uma comoção nacional, para que surjam, de todos os cantos do país, pequenas multidões em evidente excitação, procurando "vêr com os seus olhos" e assistir ao "circo" das emoções gratuítas.
Ali estão com olhar basbaque assistindo ao desenrolar da acção (qualquer que ela seja). Anseiam um microfone para poderem desabafar, contar as suas agruras, explicar que estão ali desde a manhã, contar os sacrifícios que fizeram para ali chegar, as horas de viagem "venho de longe, sabe?", queixar-se "deles" que não os deixaram ver de mais perto, que dificultaram o acesso, o diabo.
Há naquelas multidões um sofrimento antigo, há ali a necessidade de catarse, há ali o apelo das emoções servidas ao vivo e em directo. É a isto que recorrem as televisões, apontando o microfone para ocupar minutos num serviço noticioso dolorosamente esticado, quase interminável.
Mais uma vez vi este reflexo na "cobertura" da morte da Irmã Lúcia.
Por vezes os repórteres são levados pela ilusão da (sua) superioridade, vendo de cima o espectáculo. São rapidamente colocados no seu lugar pela mão ancestral de vidas antigas, como aconteceu há alguns anos atrás quando um destes meninos perguntou a uma anciã de uma terra perdida da Beira Interior, o que achava da juventude, perante tão inteligente questão, a senhora respondeu-lhe com um enigmático e sumarento: "acho que sim"!
Francamente não me interessa saber o que acontece noutros países, esse tipo de comparações encerra, quase sempre, um exercicio de menorização que deploro. É apenas e só, uma preocupação de um português olhando para o povo a que pertence nas suas misérias e grandezas.

UMA ESTUPIDEZ DE LONDRES: O presidente da Câmara de Londres Ken Livingstone é um dos políticos mais destacados e experientes de Inglaterra. Tem a fama (e o proveito) de ocupar a ala mais esquerdista do partido trabalhista.
Recentemente, dirigiu-se a um jornalista judeu do Evening Standard, Oliver Finegold, comparando-o a um guarda de um campo de concentração nazi.
Perante a indignação geral, Livingstone matém que não cometeu nenhum erro e não vê qualquer razão para um pedido de desculpa. A frase é imbecil, a postura arrogante, traduzindo uma intransigência inadmissivel e laivos racistas. Para além disso, ao utilizar este exemplo num insulto público, o presidente da Câmara londrina está, ainda que involuntariamente, a banalizar um dos mais negros períodos da história da Humanidade.
São motivos de sobra para que se retractasse.
O político inglês não percebe que ocupando um destacado cargo público não pode, não deve, enfurecer-se desta maneira e muito menos persistir num erro.
Assumir que errou, pedir desculpa, eis o que se espera(va) dele.

Textos na blogosfera a merecer leitura:
Ainda há dúvidas? no Tugir em português
João Aristóteles no Só Palpites
O Jovem deliquente no Ramdom Precision
O efeito de ser amostra no Margens de Erro
As piadas que eu perco por não ver televisão no Ideias em Desalinho
Cortar silêncios no La Pipe
Carnaval o mundo às avessas no Salvos e Afogados
Carlos Paredes no A Fábrica
As vantagens dos Blogues no Bloguitica


2005-02-15

 

A GRAVATA PRETA E O COMÍCIO

Na segunda-feira Paulo Portas apresentou-se, na tenda de campanha do PP, com ar compungido, envergando uma gravata preta e pedindo um minuto de silêncio em memória da Irmã Lúcia. Umas horas antes, Santana Lopes tinha chegado a um comício do seu partido “aproveitando a presença da comunicação social” para “como primeiro-ministro de Portugal”(sic) dar conta da sua tristeza pela morte da Irmã Lúcia. Ambos decidiram parar todas as acções de campanha durante dois dias. Sócrates, apanhado de surpresa, ensaiou a táctica “fumei, mas não inalei” continuando a campanha, mas suspendendo “todas as acções festivas”.
Poucos (se alguns) deixaram convencer-se pela sinceridade destes gestos. Poucos (se alguns) ficaram sensibilizados por estas atitudes. Poucos (se alguns) viram nestas decisões o reflexo de sentido de Estado. Muitos (se não todos) perceberam que a chico-espertice e o vil aproveitamento de tudo que pareça popular continua a ser o mote orientador de alguns políticos portugueses.

P.S. Não consegui resistir. Tinha de publicar este texto antes de sexta-feira.

2005-02-13

 
ABNEGADO SEMANAL: pegando numa boa ideia que me foi proposta e tentando uma solução de compromisso o Abnegado continuará, mas apenas com publicação à sexta-feira. Vamos vêr o que sairá daqui. Obrigado pelas palavras!

2005-02-11

 
Quem visita esta “casa” sabe que não sou dado a reflexões intimistas. Permitam que, por uma vez, o faça.
O exercício da escrita e da apresentação de ideias e opiniões é uma forma outra de respirar, de cumprir uma vontade, um impulso, uma necessidade.
O Abnegado começou no dia 10 de Novembro 2004 para dar corpo a essa necessidade. Tem sido, desde então, um vicío saudável que quase ganhou vida própria.
Este convívio diário com as palavras e a sua magia, com a exposição de opiniões e vagas ideias é inebriante, mais ainda para quem faz da Gestão e Economia a sua profissão.
Há, contudo, alturas em que temos de enfrentar a mais dura realidade que a Economia nos ensina: a escassez dos bens. E neste caso o tempo é, claramente, o bem mais escasso. Geri-lo implica fazer opções (dolorosas que sejam).
Ao longo destes três meses fui fazendo a gestão quase demencial do tempo, deixando para trás o doutoramento que ficou em ilusório estado de “congelamento”, mantendo a coluna quinzenal das quintas-feiras no “Jornal de Negócios” (que continuarei enquanto por lá me quiserem), as exigências (muitas) da profissão e, sobretudo, a atenção que uma familia com três filhos merece. Sabia no meu íntimo que tentava o impossivel.
Chegou a altura de “descongelar” a investigação com o natural investimento em tempo e dedicação e reordenar prioridades.
Eis uma nota mais intimista para justificar uma redução muito substancial de publicação de textos no Abnegado, não será ainda o fim, mas quase.
Regressarei sempre que o impulso da escrita aqui me trouxer, na esperança que persista quem tenha interesse em lêr algumas palavras salteadas, traduzindo ideias muito vagas, opiniões inflamadas escritas em estílo fraquito. (mais um bocadinho e colocava-me dentro do “salão de festas”, livra!).
É também uma boa ocasião para agradecer a todos quantos, apesar do que disse na parágrafo anterior, por aqui têm passado, com maior ou menor regularidade. Os debates e comentários têm sido de impressionante qualidade traduzindo bem o nível qualitativo da blogosfera. Percebe-se que muita coisa está a “borbulhar” na blogos, é um Portugal diferente e bastante mais recomendável que aqui se respira, motivo para algum optimismo quanto ao nosso futuro colectivo.

 

QUANDO UMA IMAGEM VALE POR MIL PALAVRAS


Imagem recolhida de Ideias em Desalinho

Daqui a alguns anos, quando tivermos necessidade de explicar aos nossos netos o que foram estes meses de governação nada melhor do que mostrar esta fotografia que diz mais do que todas as palavras que possamos utilizar.
Se, entretanto, nos perguntarem como foi possivel que este senhor tenha sido primeiro-ministro de Portugal, teremos de engolir em seco e dizer: nunca se conseguiu saber ao certo...

 

CENAS DE UM CASAMENTO


Esta a primeira página do “The Times” de hoje. É certo que o jornal já foi mais circunspecto do que é hoje, contudo, esta primeira página confirma aquilo que já aqui disse acerca da Monarquia: assuntos privados, tornam-se assuntos de Estado.
A excitante discussão em torno do casamento do senhor Carlos e da senhora Camila está a ocupar uma boa parte da atenção dos britânicos.
Numa República tudo isto não constituiria mais do que burlescas “cenas de um casamento” ao mais belo estílo kitsch que a SIC nos ofereceu em doses generosas há anos atrás.

2005-02-08

 

UMA VERGONHA

O primeiro-ministro de Portugal decidiu aproveitar o seu estatuto e convidou os jornalistas para uma “tarde informal” com direito a fotografias da prole, visitas a São Bento, sorrisos e muita descontracção, tudo em pose tipo revista Caras. Na residência oficial, o mais alto representante do Governo Português aproveitou para fazer campanha e comentar, com tom “blazé”, as notícias do dia.
Tudo isto merece apenas um comentário: uma vergonha.
Todos os dias (todos sem excepção) são-nos dados motivos para que nos indignemos por ter Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro de Portugal.
Saber que há cerca de 30% de eleitores considerando que Santana Lopes tem o perfil para liderar o Governo de Portugal constitui uma desoladora tristeza e diz muito do que é o nosso país.

2005-02-07

 

UM ERRO

Em Santarém, Jorge Coelho aproveitou para referir que o primeiro-ministro está desorientado. Coelho vê na ausência de programa de campanha de Santana Lopes a prova do que diz. Para ele o facto de Lopes não ter ainda definido o seu roteiro de visitas é mais do que a evidência da sua douta observação. Sócrates confirma e sublinha.
Era bom que percebessem (ambos) que Santana Lopes está, de facto, desorientado. É, realmente, incompetente. Merece, sem dúvida, ser derrotado nas eleições, mas ao enfatizarem um exemplo sem qualquer relevância como prova da sua desorientação, Coelho e Sócrates, estão apenas a desgastar as palavras, fazendo o jogo de Santana no seu papel de vítima celestial.
Era bom que percebessem (ambos) que não faltando exemplos (claros) da incompetência e desorientação de Santana, é neles que devem concentrar a sua atenção!

 

AS OUTRAS CAMPANHAS

É capaz de ser um exercício interessante de estudo, para mim serve como forma de mergulhar no burlesco. Falo dos tempos de antena. Sempre que posso visito-os com a curiosidade própria das crianças quando entram no comboio fantasma.
Retenho de ontem a campanha do Partido Humanista com uma colecção de pesonagens em depoimentos provavelmente fantásticos e digo provavelmente por que um acaso providencial fez com que o som fosse inaudivel. Novas tecnologias.
Já o partido da Nova Democracia (o que anda por ali a fazer um dos homens mais sabedores e inteligentes da direita – José Adelino Maltez?) apresentou várias senhoras, todas impecáveis nos seus tailleurs, que teimavam apresentar-se dando-nos conta do seu estado civil (todas, claro, casadas), não percebi se constituía algum trunfo eleitoral ou se se tratava tão-só de um elemento fundamental para pertencer a este excitante partido...
O PSD fez uma extraordinária truncagem do debate, explicando que Santana Lopes deu um exemplo de competência. Só mesmo a imaginação delirante dos senhores brasileiros era capaz desta ironia.

2005-02-06

 

BEM VINDOS TODOS AO SALÃO DE FESTAS (IV)

Todos os anos a família Della Santa cumpria o ritual de celebrar a data de nascimento de João Della Santa, a grande referência do clã. Nesse dia era sabido que se recordariam os seus feitos numa ladainha a ganhar progressivamente componentes litúrgicos. João ia adquirindo contornos beatos, colocado no altar da moral, do comportamento, e referenciado como “um grande homem” de Portugal. João era a base daquela família, mas a memória colectiva da linhagem tornava-se estranhamente difusa quando se tentava recuar na sua história.
Paco tinha fugido à miséria na sua Galiza natal, era um homem desamparado pela vida, contando apenas consigo próprio. Quando chegou a Lisboa, trazia somente a roupa que vestia, um nome em jeito de alcunha e uma imagem da Santa da sua devoção. A mesma que apontava quando lhe perguntavam o nome. Respondia sempre: Paco della (apontando para a imagem), la Santa. Com o tempo ficou Paco Della Santa.
Tinha uma invulgar ambição, inflamada pela inteligência viva e extraordinária capacidade de trabalho que lhe permitiram construir um verdadeiro império empresarial que geria com mestria. Foi acumulando uma assinalável fortuna que investiu em terras, tornando-se um apreciável latifundiário.
Quis que o seu filho tivesse uma posição social que lhe era negada. Quando nasceu João destinou-lhe um futuro radioso. Cedo percebeu que ao petiz lhe sobrava em moleza o que lhe faltava em inteligência. Chegado à idade madura colocou-o na recentemente criada Câmara Corporativa, garantindo-lhe um lugar de procurador. À custa de subornos e financiamentos vários, ia conquistando para João uma vida política dentro da União Nacional. Pagava-lhe os vícios, assegurando-se que estes se mantinham em cuidadoso recato. Tinha dado instruções precisas para que João não tivesse qualquer papel nas empresas.
Paco, o galego, às portas da morte sentia-se realizado. Tinha enriquecido, e criado uma família cujo nome era hoje reconhecido, não só pelas empresas que criara, mas também pela mão deste filho cuja ligação ao Estado Novo subsidiava.
João era um homem menor, pouco dotado de inteligência e tomado por uma indolência crónica, não deixou outras marcas da sua pobre existência do que as forjadas e alimentadas, mais tarde, pelos seus descendentes.
Os seus filhos seguiram-lhe as pisadas delapidando a fortuna que Paco tão diligentemente acumulou. Entendiam que a “sua posição social” exigia um conforto e luxo que não poderiam abdicar e que trabalhar era pouco digno da sua condição. O jogo e as mulheres iam absorvendo o pecúlio familiar. A sua incapacidade era evidente. Acumularam erros primários de gestão que atribuíam aos seus trabalhadores que consideravam “uns inúteis madraços”. No final dos anos 60 as empresas encontravam-se já descapitalizadas e numa precária situação. A grande fortuna era já uma sombra. Tinham começado a vender os terrenos e algumas empresas para alimentar a grande roda do fausto e do vício.
As suas mulheres, ocupavam os dias ociosos, reservando uma tarefa para cada dia da semana. As sextas-feiras estavam destinadas aos “seus pobrezinhos”. À hora marcada, pela manhã, chegavam, andrajosos, chapéu na mão, cuidando receber da senhora dona Della Santa o magro contributo para disfarçar uma pobreza chocante. As senhoras sentiam-se confortadas com este gesto, que o senhor padre qualificava de “santo” próprio de senhoras dignas do seu nome.
Os netos de João, nascidos neste caldo, aprenderam a colocar gravata preta todos os dias 25 de Abril, e rapidamente encontraram no dia dos cravos a explicação para a decadência financeira da família. Secretamente invejavam tudo o que os pais tinham vivido e que agora lhe era vedado. Há muito tinham sido vendidas as últimas propriedades, restava-lhes trabalhar para se sustentarem. Entendiam ser uma injustiça, gente da sua posição não deveria trabalhar. Tinham sido os “vermelhos” os culpados de tudo isto. Aliás, todos os Della Santa estavam proibidos de pronunciar a palavra odiosa, sempre que necessário identificar a cor dever-se-ia optar pela expressão “encarnado”. Na verdade, a raiva toldava-lhes o linguajar que à força de tanta ira ia perdendo “rr” e reduzindo o leque de palavras, ganhando uma expressão nasalada. Não conseguiam terminar uma frase sem o inevitável “pecébe?” em jeito de interrogação introspectiva.
Confundia-os ainda o ritual do beijo de cumprimento. Investigavam afincadamente qual a corrente de pensamento mais válida, se aquela que defendia o tradicional beijo duplo ou a mais modernaça de beijo único.
Tratavam-se todos por você. Os mais novos pareciam utilizar um código secreto de corte de cabelo e de roupinhas, parecendo-se todos uns com os outros. Tornava-se, aliás, difícil para quem estivesse fora descortinar as diferenças entre eles.
Eram “conservadores” convictos. Para eles conservador é aquele que deseja conservar no presente o estado que era novo (apesar da provecta idade).
Família defensora dos “valores” perdiam-se na sua identificação e descrição. Chegavam quase sempre à conclusão que “os valores, são os valores e nada mais importa”, ao que os membros da prole aquiesciam em jeitos respeitosos.
Sentiam a falta do jornal “O Dia” único que lhes trazia as notícias e comentários “isentos”.
Os Della Santa reviam-se muito nos Populares ainda que gostassem mais de outro nome - que isto de populares cheira muito a perigo.
Entendiam que faltava um homem com pulso de ferro, alguém capaz de pôr o país nos eixos, alguém, talvez, como João Della Santa, um “santo homem” que todos hoje ali celebravam, recordando as suas histórias de grande vulto, observando, com enlevo, as suas fotografias com o senhor de Santa Comba Dão (levantavam-se, respeitosamente, sempre que era pronunciado o nome do ditador). Sentiam, no fundo, que o país só seria grande quando tivesse gente como os Della Santa à sua frente. Na sua infinita sapiência tal não aconteceu apenas porque uns quantos (poucos, como diziam) influenciaram o “povo” (mesmo os “pobrezinhos” da família - esses ingratos) e “roubaram-lhes” a oportunidade de continuar a grandeza da nação.
Acreditavam que um dia a pátria render-se-ia à evidência “pecébe?”.

2005-02-05

 

TROCARAM A PRIMEIRA PÁGINA

O Jornal “Expresso”, certamente por lapso, incluiu na sua primeira página de hoje uma notícia do “Inimigo Público”: Menezes admite candidatura (à liderança do PSD) !

 

O RETRATO DO PAÍS PEQUENINO

Decidiu a revista Visão publicar “as histórias de Pedro e José”.
No perfil de Santana Lopes houve a preocupação de apresentar, com desusada minúcia, a “obra” que terá deixado pela Figueira. Quanto a Sócrates ficamos a saber muito pormenor (até mesmo a opção religiosa da mãe), mas nada relativamente às suas passagens pelo Governo - o que é curioso.
Lopes é apresentado como um Lisboeta, Sócrates um homem da província.
Mais uma vez, no perfil de Santana aparecem as mesmas estafadíssimas estórias, a subliminar referência a uma “predestinação” e a enésima citação da senhora D. Conceição Monteiro, apresentada como a “mãe política” do senhor Pedro Santana Lopes.
Eis o retrato de um país pequenino, em circuito fechado, de pequenas capelinhas. O retrato de um país que se esgota nos locais lisboetas da moda, dos restaurantes “in” da capital. O retrato de um país que existe num pequeno grupo de amigos, amigalhaços e conhecidos.
Só no país pequenino destes senhores tem cabimento a esotérica menção a uma qualquer predestinação. Só no país pequenino destes senhores o apoio conferido por uma senhora (certamente estimável, mas cujo curriculum político inclui, tão-somente, o facto de ter sido secretária do senhor Francisco Sá Carneiro) pode ser apresentado como uma espécie de caução e citado com referência pela imprensa.

2005-02-04

 

AGITADORES RADICAIS

Ouvem-se as declarações de Luís Guedes a uma estação de rádio local e percebe-se o desespero de Paulo Portas.
Guedes transformou, num ápice, o partido conservador num perigoso radical e agitador. Não é sequer possível uma qualquer interpretação das palavras ou o estafado argumento de que foram “retiradas do contexto”, a SIC reproduziu, com legendas, as frases do ministro.
Quando Portas falava de “choque de valores” quereria dizer entrar em choque com os valores? Luís Guedes tomou como certa esta última opção!
Falta apenas o estimável senhor Pires de Lima aparecer a gritar “os ricos que paguem a crise”.

 
OBRIGADO pelas referências ao “abnegado” no blogue dos Marretas, Ideias em Desalinho, A Toupeira, Tugir em Português.
Bem-hajam

2005-02-03

 

BEM VINDOS TODOS AO SALÃO DE FESTAS (III)

Cecília e António formavam um casal muito gabado pelos amigos. Apresentavam-se sempre irrepreensivelmente vestidos, dir-se-ia que a escolha da indumentária ocuparia uma boa parte da manhã. Era, aliás, na imagem (a sua) que investiam uma grande fatia de tempo e do pecúlio que esforçadamente juntavam à força de muita ginástica, num equilibrio precário de empréstimos bancários para a casa, carro e mobiliário.
Faziam parte desse grupo indefinido de funcionários públicos (ele) e empregadas de escritório (ela). Refugiavam-se em descrições exageradamente vagas das suas responsabilidades profissionais quando lhes perguntavam a sua ocupação.
António tinha especial orgulho na sua unha do dedo mindinho direito que foi deixando crescer e que tratava com desvelo, quase carinho. Chamava-lhe, com ternura, a “minha garra”, não perdendo a oportunidade de a exibir sempre que tomava o café de dedinho espetado apontando o infinito. Era sempre com a unhaca que indicava as direcções ou qualquer elemento importante num documento.
Ao fim-de-semana, Cecília e António enfiavam-se dentro dos fatos de treino e ensaiavam joggings mentais pelas tardes arrastadas dos centros comerciais.
As leituras ocupavam-lhes pouco os dias. Cecília tinha na compra da Caras o seu vício semanal, correndo para as bancas no dia de saida da revista que via com apreciável gosto. António, “perdia a cabeça” de quando em vez, na compra apressada do jornal “A Bola” para actualização de informação, sempre útil, na conversa lá no escritório.
Cecília não perdia uma oportunidade para falar da sua “empregada”, uma “doutora da Ucrânia” como gostava de repetir. Deixava sempre uma nota de comiseração com “essa pobre gente, que não tem a nossa riqueza”, achava estranho que a “sua empregada” teimasse enviar para casa uma boa parte do seu salário para que o filho pudesse estudar, “logo eles que gastam as pestanas para nada, coitadinhos”. Ela e o “seu” António não precisaram dessas perdas de tempo, estudaram ambos o “suficiente”. Para quê (perguntavam amiúde) gastos com estudos, estavam bem assim, não era preciso mais. Nunca tinham sentido necessidade de saber mais.
Aliás, o António – “benza-o Deus” - era o sábio no seu grupo de amigos. Tinha opiniões muito seguras e não se recordava de ter algum dia duvidado fosse do que fosse. Tinha esse dom, era capaz de, num ápice, perceber a questão (qualquer questão) e compôr, de imediato, o seu juízo. Deixava sempre bem claro que se tratava de algo inato, pois ele não precisou de “estudar”, tinha sido bafejado com esta graça – há gente assim.
Gostava de iniciar as frases opinativas com um ameaçador “ouça bem o que lhe digo” descobrindo conspirações e provas “provadinhas” do que dizia. Opinava sobre tudo. A sua “esposa” inchava de orgulho quando o ouvia dissertar, não conseguia impedir o comentário: “o meu Tó parece um doutor” colocando a mãozinha direita, em concha, junto ao peito.
O António era verdadeiramente um literato. Lá ia explicando tudo, para que “póssamos” saber o que se passa verdadeiramente, isso porque “eles hadem” ver que “com nós” tudo se sabe “derivado” aos noticiários da televisão.
A televisão ocupava, de resto, um espaço importante na suas vidas. Tanto mais agora que um belo plasma se destacava na sala. Marcavam o ritmo do seu serão pelos programas de “bom humor” que gostavam de ver, hesitando entre os “malucos do riso” e “os batanetes”.
O casal tinha descoberto, recentemente, numa reportagem de “fundo” - lida numa das revistas de sala de espera de dentista - que a solução para esta “desgraça da política” era termos um rei. O António era mesmo já um convicto monárquico. Achava que deveria poder “eleger o melhor dos candidatos a rei” como referia com extremada convicção.
Ansiavam poder partilhar estas ideias nos próximos dias de descanso no Algarve. Queriam, aliás, desforrar-se das férias menos boas deste ano “valha-nos Deus”. Ainda não tinham esquecido a maçada que foi “empandeirar” o Farug. “Raios partam a nossa ideia de trazer o cão cá para casa” explodia de raiva o António quando se lembrava do dia em que compraram o cachorro numa das suas frequentes visitas ao centro comercial. Não resistiram ao cachorrinho pequenino “tão lindo” que os olhava, com ternura, pelo vidro da montra. Foi um impulso. Nesse dia de saldos, de tantas compras, enfiaram no saco o Farug. O cachorro rapidamente se transformou em cão e grande, “o raça do cão não parava de crescer”, logo quando se preparavam para as sagradas férias no Algarve. Foi Cecília que se lembrou deixar o cão à beira da estrada, “para ficar mais livre”. Nesse dia regressaram a casa satisfeitos pela decisão que tomaram e que “era claramente o melhor para o Farug”.
A Cecília e o António já tomaram uma resolução quanto ao seu voto. Acham que os "intelectuais de esquerda" estão a perseguir o senhor primeiro-ministro (um homem tão inteligente, uma vitima nas mãos desses malandros) e farão questão de “deitar” por Santana Lopes no dia 20.
-“Essa é que é essa” como gosta de dizer Cecília.

(continua)

2005-02-02

 

PENOSA QUEDA

Torna-se dificil, penoso até, encarar a imagem do (ainda) primeiro-ministro no pequeno ecrã. Vê-lo é antecipar mais uma insuportável encenação. Vê-lo, mesmo ainda antes de o ouvir, é saber que mais alguma inenarrável declaração estará prestes a ser proferida. Vê-lo é ter a noção dos limites que ultrapassámos. Vê-lo é ser confrontado com o reflexo de um Portugal que não queremos ser.
E a cada aparição Santana Lopes confirma o receio. Num arsenal inesgotável de mau gosto, gasta as palavras e o seu sentido, inverte o seu significado, constrói uma realidade sua, vive num mundo à parte. Ofende-se com a ofensa torpe que profere.
O País assiste, incrédulo, a este bailado demencial.
Santana encaminha-se para o espaço do vazio, para um buraco negro. Vai já em luta consigo próprio, em desesperos de náufrago, esbraceja, contorce-se, foge, vem à tona, agita as águas, está em dificuldade, não pode, não sabe, não aceita.
Acusa os outros (todos eles) são eles os culpados, o mundo contra si. O sonho (o seu sonho) em frangalhos, a luta, o combate, o vazio (sempre o vazio).
A sensação de vertigem da queda, perdurar custe o que custar, na aflição agarrar-se a tudo que possa assegurar mais uma oportunidade, pouco importa como. Leva consigo o partido, bem agarrado pelo braço, no espalhafato da queda.

Outras gentes virão para limpar os cacos, arrumar os haveres sobrantes da balbúrdia. Gentes que no interim da hercúlea tarefa terão, certamente, tempo para percorrer, com os olhos, a extensa galeria de responsáveis pela acção, ou omissão, que possibilitaram a projecção da criatura - que geraram o caos.

2005-02-01

 

MEDINA CARREIRA

Já aqui referi que gostaria muito de ver Medina Carreira como Ministro das Finanças. Sei bem que com ele a vida não seria mais fácil mas, com certeza, começar-se-ia a falar verdade relativamente às Finanças Públicas. Medina Carreira possui a capacidade desconcertante de colocar o dedo na ferida e em simultâneo apresentar soluções – difíceis, mas também por isso credíveis. As doze perguntas que deixou no seu artigo de hoje requerem respostas urgentes.

 

NÃO PERDER O NORTE

O título desta manhã do jornal Público deixou-me inquieto: “PS pondera responder a insinuações de Santana”. Espero, francamente, que o PS tenha o discernimento de não se deixar arrastar para a lama. As palavras de Santana que já aqui comentei não podem, não devem, merecer qualquer resposta. O silêncio será a arma mais poderosa ante esta inaceitável deriva para o insulto miserável.

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